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“Tanto faz dar na cabeça como na cabeça dar”. 

21.08.2023

Faz um ano.

Um mês e pouco antes do dia da eleição presidencial, o Estadão publicou, com comentários, uma pesquisa realizada pelo Instituto Quaest para a empresa Genial Investimento sintetizada na manchete: “Volta do PT ao poder e reeleição de Bolsonaro causam medo no eleitor. Pesquisa mostra que 45% dos eleitores têm medo da continuidade do atual governo e 40% temem um novo mandato de Lula; campanhas atuam para reforçar sentimento”. A notícia está na edição do dia 22 de agosto de 2022. 

Pois é, nem por isso, os eleitores escolheram caminhos diferentes, por melhor que fossem as opções. Todos os que decidiram votar, votaram para excluir o candidato que lhes colocou medo. Faltou alguém convincente e com argumentos suficientes para demonstrar ao eleitor que o resultado da eleição poderia render benefícios mútuos, bastava que, sabedores do risco tivessem também a certeza de poder votar sem ele. 

As campanhas ficaram devendo uma informação: “não corra o risco…ele é desnecessário. Você não precisa votar no Jair Bolsonaro para evitar o Lula, nem votar no Lula para evitar Jair Bolsonaro. Você tem outras opções”. Mas, quem poderia evitar o risco preferiu adotar campanhas para desqualificar quem já estava desqualificado por quase a metade dos eleitores. 

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O DINHEIRO (1 TIMÓTEO 6:10). 

“Mas é preciso viver. E viver não é brincadeira não. Quando o jeito é se virar, cada um trata de si. Irmão desconhece irmão“. (Pecado Capital – Paulinho da Viola) 

Tudo é motivo para fazer pesquisas e a imprensa anda ávida por notícias, Então, some-se isso e tem-se a matéria publicada pelo Estadão na edição de quinta-feira, 17 de agosto, no nobre espaço da primeira página, com a seguinte manchete: “País ganha, em média, 17 novos templos evangélicos por dia: entre 2015 e 2019, número passou de 20 mil para 109 mil”. Um gráfico colorido expõe os dados. O trabalho está assinado por um cientista político e não por um jornalista, Victor Araújo, um detalhe que dá à matéria o significado correto.  

O pesquisador aponta causas para o crescimento do número de igrejas pentecostais. Diz que o fato tem relação com o esvaziamento das igrejas católicas e com o surgimento de uma nova lei em 2003, a lei 10.825. Promulgada por Luiz Inácio Lula da Silva e por Márcio Thomaz Bastos, a lei equipara igrejas e partidos políticos. Outro detalhe presente de aproximação das seitas com a política.  

No entanto, entre as causas apontadas pelo cientista político falta a principal: as igrejas pentecostais são um ótimo negócio, sem chegarem a ser um “negócio da China”, pois por lá só valem os que não tornem as pessoas crédulas em outros deuses a não ser no comunismo, que anda em alta por aqui. Até o Presidente da República já se sente confortável com a alcunha. 

As igrejas pentecostais são pontos de arrecadação de dinheiro e não pagam impostos. Quase tudo que pagam fazem em dinheiro e ninguém cobra dos pastores e bispos, que prestem contas. Sim, pois nas igrejas pentecostais há bispos, um passo a mais na escala hierárquica, pois pastor é cuidador de ovelhas. Quem sabe, os bispos não sejam os que cuidam dos bodes? 

Está aí o motivo do enriquecimento rápido de alguns pastores e bispos. Os exemplos estão postos. Os fiéis suplicam a Deus por milagres, que os pastores e bispos dizem realizar e quando o feito não se completa o problema está na vida em pecado de quem clama. Coisa fácil de fazer. O dinheiro entregue aos líderes religiosos não vai pro céu, pois não tem como ir. Sobre isso, há uma velha piada contada também entre os pastores e bispos. Dizem que ao final de um culto, o dinheiro arrecadado é jogado para o alto e aquele que Deus pegar, será Dele. O que cair no chão terá outro destino, que poderá ser um avião particular, um iate, uma coleção de gravatas importadas ou banquetes regados a orações. 

É interessante perceber que o número de igrejas pentecostais também chamadas de evangélicas cresce como vinha crescendo o número de partidos políticos e não por coincidência o dinheiro está na fonte. O Fundo Partidário realizou o milagre da multiplicação. Hoje, há mais de 30 partidos com registro definitivo no TSE e a fila de pedidos cresce quase todo dia. O TSE negou vários, mas outros tantos ainda correm por lá. 

Contudo, como o dinheiro a ser dividido entre os partidos é o mesmo, os donos dos partidos ativos iniciaram o caminho para inibir a criação de novos sócios para o dinheiro público. Finalmente, entrou em vigor a esperada cláusula de barreira, pois uma vez que o “divisor” é o mesmo, que se mantenha ou se reduza o “dividendo”, para que a parte recebida por cada um não seja menor. 

Há, no entanto, uma diferença entre partidos e igrejas evangélicas pentecostais, quando a gente olha o crescimento no número de adeptos. Quase ninguém tem interesse na filiação aos partidos, pois o único milagre que eles operam é a eleição de alguns dos seus para bons empregos. Já as igrejas – ah! – nelas não faltam milagres. Existem para todos os gostos, desde a conquista de um bom emprego, a cura de uma doença, a compra de um carro novo, o dinheiro do aluguel do apartamento, que andava faltando e até um casamento bem arrumado e o aparecimento de um filho que não tinha jeito de nascer antes das orações.   

Quando o assunto é a conquista de membros ou filiados, os partidos sofrem como Martinho da Vila, que canta: “Dinheiro, pra quê dinheiro, se ela não me dá bola?” (Martinho da Vila). Já os pastores e bispos, esses que enriquecem rápido, ficam com Rita Lee: “Grana, Bufunfa, Dindin. O resto tá bacana pra mim”. 

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Romeu Zema deveria ter dito. 

15 de agosto de 2023.

Zema diz que não disse, mas se não disse, poderia ter dito, pois não existe dúvida de que as regiões norte e nordeste do Brasil exploram as demais e isso há bastante tempo. 

Contudo, é injusto considerar o povo do norte e do nordeste agentes exploradores do povo do sul e do sudeste, pois o desenvolvimento das duas regiões deve muito – bastante mesmo – aos retirantes nordestinos. A exploração, tanto do povo do nordeste, do norte, do sul, do sudeste e, mais recentemente, do Centro-Oeste, é um papel exercido exclusivamente pela elite antes conhecida pela patente de coronel.  

Meu pai nasceu em Gravatá, no interior de Pernambuco, cidade que fica a duas horas de Caetés, terra natal do Presidente Lula. Filhos do casal paupérrimo Ana Carolina e Maximino, meu pai e outros 11 irmãos trocaram o nordeste pelo Rio de Janeiro ainda na adolescência. A vida deles mostrou que decidiram bem. Depois, eles buscaram os pais. Lula foi para São Paulo, uma vez que em Pernambuco morreria de fome, como ele mesmo diz. E do mesmo modo aconteceu com uma grande multidão de nordestinos. Por lá ficaram os coronéis. 

Na edição de 11 de agosto, sexta-feira, o Estadão publicou uma matéria em forma de texto, do repórter Daniel Weterman Levy Teles, para repercutir a provocação do Governador Romeu Zema, de Minas Gerais, que atribuiu ao norte e nordeste a alcunha de “vaquinha  que produz pouco”.

Na matéria, o repórter informa que “Desde 2019, quando passaram a atuar em bloco, os 16 estados conseguiram receber da União R$123 bilhões a mais do que efetivamente arrecadaram”, enquanto, no mesmo período, o sul, sudeste e centro-oeste contribuíram com mais e receberam bem menos. Mas, a relação desigual sempre houve, com o argumento de equilibrar-se o desenvolvimento nacional. 

Nordestinos, sulistas, goianos, mineiros, somos todos brasileiros, diferenciados, em seus locais de nascimento, pela qualidade de vida oferecida pelas políticas públicas gerenciadas por aqueles que governam cada um desses lugares. 

Tomemos o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Nele estão os agregados de saúde, educação e renda representados em um ranking publicado pelo Atlas Brasil – www.atlasbrasil.org.br . Nele se vê o seguinte, em resumo: 

Em primeiro lugar está a Corte, o Distrito Federal. Natural! Em seguida, São Paulo, Santa Catarina, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, Rio de Janeiro e Goiás. Depois, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Piauí, Bahia entremeados com cidades do Centro-Oeste. No fim da linha, no último lugar, está o Maranhão, estado governado pela família Sarney e nos últimos oito anos, pelo Ministro Flávio Dino.  

Ora, se o povo do nordeste e do norte vindo para o sul e sudeste, conseguiu contribuir para o desenvolvimento local e se por lá ficaram os coronéis, hoje líderes políticos, a quem devemos atribuir o insucesso das políticas públicas apesar de toda a grana transferida para lá? A resposta nos dirá quem é a “vaquinha que produz pouco” citada pelo Governador Romeu Zema. 

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“LAME DUCK”

O1.08.2023.

Por vários motivos “imortal”, o jornalista Merval Pereira, em setembro de 2021, deu o título de “pato manco” para Jair Bolsonaro que, segundo ele, não governava mais, apesar de ainda lhe restarem dias inteiros de governo até o final de 2022. Merval buscou o termo na prática política dos norte-americanos, que apelidam de “lame duck”, os presidentes sem poder. Neste momento, por lá, Joe Binden ostenta o título. 

Ontem, quase dois anos após o artigo “Pato Manco”, o Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, no Twitter, avisou ao distinto público brasileiro que a escolha de ministros para formação de um ministério é prerrogativa exclusiva do Presidente da República…”. Mas, ele não parou aí. Disse mais. Ele deixou claro que cabe ao Presidente estabelecer um diálogo republicano com as direções e com os líderes partidários. Pra quê, Jesus? Para que se torne realidade a prerrogativa exclusiva. 

Que coisa maravilhosa é esse jeito matreiro que os políticos da antiga usam para dizer o que não têm coragem de expor diretamente ao povo. Lira deixa claro que no nosso presidencialismo não tem essa de presidentes com “prerrogativas exclusivas”. Quando o assunto faz referência à escolha de ministros, ao Presidente da República cabe, tão somente, a liberdade de assinar os atos de nomeação, pois as escolhas ocorrem com base num tal diálogo republicano, que também não resiste à conferência. Para haver diálogo republicano é preciso que exista antes uma agenda também republicana e ela só faz sentido quando vem do tempo das campanhas eleitorais. 

Os presidentes selecionados com base numa relação simples de simpatia e de antipatia com os eleitores, como tem acontecido por aqui, geralmente, dispensam uma agenda prévia de trabalho. Sem ela, os termos da negociação com o Congresso se dão também com base na simpatia ou na antipatia. Para o Congresso Nacional, são simpáticos os presidentes que tudo cedem, desde ministérios até uma simples selfie numa solenidade. Isso enquanto os presidentes são populares. 

Ao faltar a popularidade, aquilo que os institutos de pesquisa chamam de “bom e ótimo”, com alguma paciência com o “regular”, o pato manca e tudo, rigorosamente, entra na pauta de negociações do pato com o Congresso Nacional, mesmo a “prerrogativa” de sobrevivência até o último dia estipulado pela lei para o mandato. Contudo, os presidentes não são solitários nessa relação, pois isso se dá também na relação dos governadores com os deputados estaduais e dos prefeitos com os vereadores. 

Portanto, não há como fugir à responsabilidade do eleitor: tudo o que por aqui acontece na relação do Poder Executivo com o Legislativo e, por hora, com o Judiciário, é construído no tempo das campanhas e por decisão dos eleitores, que têm a prerrogativa exclusiva de dizer com que bases escolhem os personagens que elegem. A base das escolhas será o adjetivo para as negociações dos presidentes, governadores e prefeitos com os demais poderes. 

Isso dito, comecemos a nos preparar para as eleições do próximo ano. 

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A lição de Dionísio para um liberal residente no Brasil. 

01.11.2022. 

Cansado das lamentações do criado Dâmocles e das constantes exaltações dele às maravilhas oferecidas pela vida a um soberano, o rei  Dionísio aproveitou-se de um banquete oferecido a ele e permitiu que o criado ocupasse o trono. Cedeu-lhe também a coroa, todas as homenagens e as mais desejadas iguarias, servidas por escravas de grande beleza. A única exigência do rei foi que Dâmocles não deixasse o trono durante toda a festa.  

O criado, então, transformou-se no rei, um rei deslumbrado, maravilhado, enturpecido pelas honras, até que olhou para o alto e viu que sobre ele estava colocada uma afiada espada segura apenas por uma crina de cavalo. Qualquer movimento no trono, mesmo dos ventos, poderia soltar a espada e ela lhe deceparia a cabeça. Dâmocles entrou em pânico implorou ao verdadeiro rei, Dionísio, que o tirasse dali. O rei, contudo, só atendeu ao pedido, quando o escravo reconheceu que a vida de um rei não é o mar de maravilhas que ele andava a dizer pelos corredores do palácio, nem a dos criados do rei algo tão ruim, que não valesse a pena viver. Sobre a cabeça de um soberano existirá sempre uma espada, presa por uma fina crina de cavalo, a democracia. Qualquer movimento estranho, o soberano povo de um país poderá perder a cabeça, a própria liberdade.

  

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“Réquiem de Terror” (Pedro Ernesto). 

“Nada certo, tudo hipótese, dúvidas, pressão, perseguição. Mal estar geral. Réquiem de Terror.”

Domingo, 23 de julho de 2023.

Os comunistas estão no governo federal, fato revelado com vaidade pelo Presidente Lula há poucos dias no Foro de São Paulo e confirmado pela presença da estrela maior da ordem, Senador Flávio Dino,  na pasta da Justiça e Segurança Pública. Eles tentaram chegar lá outras vezes, uma delas – talvez a primeira – na década de 30, quando foram impedidos pelo ditador Getúlio Vargas, que os usou para “extirpar” da política, os adversários que lhe faziam sombra, sendo eles comunistas ou não. O médico Pedro Ernesto, interventor no Rio de Janeiro e depois, prefeito eleito, cidadão não comunista, foi um deles. 

A história é contada com primor pelo escritor Thiago Cavaliere Mourelle, autor do livro “O Brasil a caminho do Estado Novo”, publicado em 2019. Doutor em História Política, Thiago escreveu o livro com base nas cartas que Pedro Ernesto enviou aos filhos, Yolanda e Odilon, durante o tempo em que esteve preso. As cartas foram entregues ao Thiago por uma neta de Pedro Ernesto, Helena Mossé. Na contracapa do livro está o objetivo da obra: “(…) oferecer ao leitor a experiência de tentar compreender todo o sofrimento e ansiedade de uma família que sofreu por mais de um ano com a prisão de seu pai e marido. Tensões, alegrias e tristezas perpassam as linhas das cartas(…).”

O médico Pedro Ernesto começou a lida política como aliado de Getúlio Vargas: “(…)logo estreitou laços com Vargas”, conta Thiago Cavaliere, “tornando-se amigo próximo. Após um acidente automobilístico, Pedro Ernesto salvou a vida de uma das filhas do presidente e, além disso, evitou que dona Darcy, esposa de Getúlio, tivesse uma de suas pernas amputadas – que era a orientação dos demais médicos que a atenderam”. Para colocar Getúlio Vargas na Presidência da República, Pedro Ernesto “foi um dos principais articuladores, na então Capital da República, das ações que derrubaram o presidente Washington Luís” , diz Thiago. 

Diz ainda Cavaliere: “A popularidade de Pedro Ernesto era algo poucas vezes vista na história da cidade do Rio de Janeiro. Com a redemocratização, a criação da Constituinte e a posterior promulgação da Constituição de 1934, o país voltava à normalidade democrática. A lei previa eleições para outubro daquele ano, em que seriam eleitos os legislativos estaduais – incluindo os vereadores do Distrito Federal – o que levou Pedro Ernesto, segundo a mesma praxe de outros governadores, a fundar um novo partido, alinhado aos ideais autointitulados “revolucionários” que pretendiam dar continuidade aos projetos iniciados a partir de 1930″. 

 Nada disso, contudo, facilitou a vida para Pedro Ernesto, quando ele fez sombra sobre Getúlio, que mandou acusá-lo de comunista e deixou que ele fosse preso sem julgamento, sem culpa formada, assim como fez com vários adversários. Tudo fez Getúlio em nome do combate ao comunismo. Uma conversa fiada, confirmada quando, adiante, ele, para permanecer no poder, voltou-se contra os integralistas, força de oposição aos comunistas. 

Sabe-se que dois elementos são essenciais para justificar um ditador: uma causa, que pareça em defesa da democracia e verdugos que lhes cumpram as ordens, pois os ditadores não são capazes de colocar a mão na massa. Eles não prendem, não cassam, não fazem buscas, não torturam nem matam. Mandam que alguém faça. Em havendo alguém que faça munido dos instrumentos certos, pronto, se tem um ditador.  

Para dar legitimidade aos atos de arbítrio, Getúlio Vargas contou com o apoio de um tribunal de exceção, criado por ele com o título de Tribunal de Segurança Nacional. O verdugo Filinto Muller, Chefe de Polícia de Getúlio Vargas, com o respaldo do tal Tribunal fez o diabo com os adversários do ditador. Ele levou à prisão e lá manteve pelo tempo que quis, todos os que o incomodavam. 

O livro relata as várias decisões de Getúlio Vargas e de seus bajuladores, para manter Pedro Ernesto preso, com o objetivo de enfraquecê-lo e obrigá-lo a renunciar ao cargo de Prefeito, que ele mantinha mesmo preso. Mas, tanto mais fizeram, mas a popularidade de Pedro Ernesto cresceu e o apoio dos vereadores e deputados a ele não arrefeceu. Getúlio Vargas, então, tirou a autonomia da Capital com uma intervenção estranha, pois mantinha no cargo o Vice-Prefeito, o padre Olímpio de Mello, seu aliado e autor do desmonte do trabalho que Pedro Ernesto realizou.  

As cartas anunciam Pedro Ernesto, hora enfraquecido, hora possuído de novas energias e esperança, ocasião em que ele era transferido de um canto para o outro, uma e recebia sinais de endurecimento do ambiente com novas prisões. Thiago Cavaliere abre o capítulo “Política e Sofrimento nos primeiros meses de detenção” com uma das cartas de Pedro Ernesto ao filho Odilon: “Meu querido filho, saúde e paz de espírito. Continuo na prisão aguardando a vontade de quem pode, mas felizmente não tive nenhuma fraqueza e garanto-lhe que não terei. (…). Não quero te falar em política porque está me causando muito nojo.(…). Dá um abraço em Odila, lembranças ao Mário e família e um saudoso abraço de teu pai que muito te estima.”

Adiante, há o trecho de uma outra carta do médico, também endereçada ao filho: “Não podes imaginar o que seja uma noite em um cárcere, é de destruir todas as resistências nervosas, líquida com todas as forças que dispomos, eu tenho sido um herói e há momentos que tendo a desanimar, mas felizmente reajo, e estou vencendo”. 

O Tribunal de Segurança Nacional levou mais de um ano para julgar Pedro Ernesto e o condenou mesmo diante de todas as provas e depoimentos que provaram a inocência dele. Ele foi absolvido na segunda instância, pelo Tribunal Militar e voltou à vida política, cheio de energia e vontade, acreditando que a normalidade democrática estava instaurada. Dois candidatos disputavam a Presidência, um pela situação e outro pela oposição, mas o ditador quis continuar no poder, instalou novo regime de exceção e devolveu Pedro Ernesto à prisão. 

Thiago Cavaliere conta: “Depois de um ano e cinco meses preso, por igual período longe da família e do filho exilado, aguardou um julgamento que parecia que nunca seria marcado. Viu alguns de seus adversários políticos tomarem seu lugar na prefeitura e outros atuarem dominantes no cenário nacional. Finalmente solto, quando o pesadelo parecia ter terminado, mais uma vez se viu detido, agora ao lado do filho. Se antes o problema era o Estado de Guerra e o tribunal de exceção, o problema havia tomado uma dimensão ainda mais grave: a partir de 10 de novembro de 1937 havia de fato um governo ditatorial contra o qual não havia meios legais de luta. Era a morte política de Pedro Ernesto.”

O médico faleceu no dia 10 de agosto de 1942, com 57 anos de idade, vítima de um câncer – “o intenso sofrimento, tristeza e decepção sofridos cansaram o corpo e o espírito”. Em Pedro Ernesto vejo sentido numa frase construída por Machado de Assis no Quincas Borba: “Ah, meu caro Rubião, isto de política pode ser comparado à paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo; não falta nada, nem o discípulo que nega, nem o discípulo que vende. Coroa de espinhos, bofetadas, madeiro, e afinal morre-se na cruz das ideias, pregado pelos cravos da inveja, da calúnia e da ingratidão…”

Prisões ilegais, torturas, censura à liberdade de expressão, às\ imprensa; órgãos de imprensa à serviço do ditador, perseguições políticas, tudo isso está no livro de Thiago Cavaliere e justifica o nojo que Ulysses Guimarães disse ter da ditadura: “Ódio e nojo”. O livro do Thiago Cavaliere Mourelle chegou-me num bom momento, quando a coisa não anda boa na política brasileira e, daqui a pouco mais de um ano, estarei com o dever de votar em alguém para ocupar a cadeira que foi de Pedro Ernesto. 

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Presidência da República, uma função insalubre. 

30 de junho de 2023. 

Jackson Vasconcelos 

Nasci em outubro de 1953. Em agosto de 1954, Getúlio Vargas deu um tiro no peito e ao fazer isso decidiu a eleição do ano seguinte. Se vivo, ele apoiaria Juscelino Kubitschek. Morto tornou mais fácil a vida do candidato dele. JK venceu com 33,8% dos votos e enfrentou uma barra para tomar posse, pois os adversários vencidos inventaram todo tipo de motivos para que a eleição não valesse. A Constituição sobreviveu e Juscelino assumiu, fez um bom governo, perdoou os adversários, mas não foi perdoado por eles e, por isso, amargou muito até o final da vida. 

Após Juscelino, Jânio surgiu. Foi eleito. Não aguentou o tranco e renunciou. A Constituição Federal impunha a posse do Vice-Presidente. Mas, o que é a Constituição diante de adversários contrariados? Para que o Vice-Presidente fosse empossado presidente, mudou-se a Constituição para se ter um novo regime. E depois mudou-se novamente para voltar ao regime anterior e logo depois, jogaram-na para o alto para expurgar o empossado. 

Surgiram os generais. Um deles adoeceu no meio do mandato. A Constituição mandava que se desse posse ao Vice-Presidente. Mas, a Constituição…sabem como é né? A Junta Militar tomou conta do governo. Seguimos assim, de general a uma junta de uma junta a outro general e a um novo general e general de novo, até que encerramos com o ciclo dos generais. 

O civil Tancredo Neves foi eleito Presidente pelos representantes do povo. Morreu antes de assumir. A Constituição dizia que o Vice-Presidente só seria Vice de fato se empossado no mesmo momento que o titular. Mas, o que é a Constituição? A Constituição a gente muda ou emenda. E assim fizemos, emendamos, mudamos e continuamos a emendar. E por conta dessa mudança, o povo voltou a eleger, por ele mesmo, os presidentes do Brasil. O primeiro eleito diretamente durou pouco, mas pelo menos o Vice-Presidente não teve problemas para assumir. 

Bem gente, o resto da história eu não preciso contar com detalhes, para provar que a função de Presidente da República do Brasil é insalubre. Mas, fico com comichão para dizer: O Presidente de hoje já foi presidente outras vezes e ficou preso por um tempo. O Presidente de “ontem” agora está inelegível por oito anos. 

Sei não, minha gente, mas eu fico cismado com a nossa História. Não terá alguma coisa errada com esse nosso jeito de fazer presidentes? 

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O Senado Federal. 

22.06.2023. 

O momento mais esperado da sessão da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, ontem, foi o do embate entre o juiz que prendeu Lula e o advogado que o defendeu. Contudo, Sérgio Moro frustrou as expectativas, pois posicionou-se constrangido diante de Cristiano Zanin, pedindo-lhe desculpas por ter que cumprir a missão de questioná-lo. 

O Senado ouviu Cristiano Zanin para cumprir o rito que a Constituição Federal determina, quando há vaga no Supremo Tribunal Federal a preencher e o Presidente da República tenha escolhido quem ele deseja que a ocupe. Desta vez, o critério adotado pelo Presidente da República foi o mesmo de 2009, quando ele indicou o advogado José Dias Toffoli. Em 2009 e agora, Lula retribuiu com uma cadeira vitalícia no STF o desempenho dos advogados pessoais. 

A Constituição Federal colocou os senadores no meio desse processo para garantir à sociedade brasileira que o indicado preencha as condições determinadas pela lei para ocupar a função e que, além disso, ele saiba ser o guardião da Constituição e julgador em última instância das demandas que o povo leva à Justiça. 

Para além disso, no presente, existe uma situação incômoda na vida política do país, criada pelo desequilíbrio de forças entre os poderes da República, situação que favorece o Supremo Tribunal Federal por ação dos ministros da Corte e omissão do Senado Federal. Era de se esperar, portanto, que os senadores não perdessem a oportunidade da sabatina para deixar claro o papel que lhes cabe de regulação das funções dos membros da Corte. Por respeito aos eleitores, o legislador constitucional colocou os senadores como julgadores dos supremos julgadores.  

Não foi o que aconteceu. Tivemos um desfile de senadores preocupados mais com a imagem pessoal diante das câmeras, do que com a oportunidade de colocarem as relações institucionais entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário no seu devido lugar.  

O Senador Rogério Marinho avisou ao futuro Ministro do STF que os senadores e deputados estão com medo da Corte. Isso mesmo, medo. Disse ele, literalmente: “Estamos vivendo um momento em que parlamentares estão amedrontados de se expressarem, de falarem o que pensam, de dizerem o que vai no coração…”. Santo Deus!. E não ficou por aí. Antes, ele curvou-se à excepcionalidade institucional criada pelos ministros do STF. Disse ele: “as medidas excepcionais podem e devem ser implementadas por um tempo restrito”. 

Representando o outro lado, o do governo, o Senador Randolfe Rodrigues citou uma passagem bíblica, não os dez mandamentos, mais algo que, na interpretação dele, justifica o “Inquérito do Fim do Mundo”, algo abominável para o Senador Esperidião Amin. Amin, um esgrimista, colocou a espada verbal no ponto certo, touchê! Colocou-a na consciência do advogado. Quem sabe ele não tem uma? 

“A minha pergunta principal, eu lhe antecipei, senhor Zanin”, disse o Senador: “Reconhecendo que o senhor é, historicamente, um garantista, não apenas por tendência, mas pelo viés que a carreira de advogado reforçou, como o garantismo enxerga o inquérito 4781? O garantismo ideologicamente, filosoficamente, considera isso um atentado contra o estado democrático de direito. Um inquérito que já foi apelidado de AI-5. Um inquérito que desde 19 de março de 2019 – quatro anos e três meses – está aberto. Eu não posso ficar sereno e tranquilo ao me dirigir a um garantista sem perguntar o que é isso. Pois, eu não conheço na legislação democrática do mundo, uma situação como essa, de se ter um inquérito aberto com base num artigo do regimento do Supremo, e esse inquérito não acabar mais. Um inquérito sem sorteio do julgador! Cadê a imparcialidade? Nem em Bangalore, nem na ONU, nem na Constituição, nem no Código de Ética da Magistratura Brasileira existe um artigo, que concede essa vitaliciedade de quatro anos e três meses contra qualquer apenado futuro – pois depois de apenado, o cidadão recorrerá a quem? O senhor fale como quiser, mas é um fato presente demais para ser ignorado num momento desses…”. As câmeras apresentaram o advogado Zanin com uma fisionomia perplexa, incomodada. 

No mais, o advogado Zanin passou pela sabatina sem problemas e, por isso, pode ter se arrependido de perder tempo com preparações, se as adotou. Para não deixar dúvida que a sessão era meramente protocolar, o Presidente da Comissão, Senador Alcolumbre, autorizou o voto dos presentes bem antes do fim das interpelações. 

Eis o  Senado da República! 

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Dei-nos um líder, meu Senhor !  

Jackson Vasconcelos. 17.06.2023.

A revista VEJA abriu a semana que termina hoje, sábado, com a notícia do “Roteiro do Golpe”. A matéria, assinada pelo jornalista Robson Bonin, revela que no celular do ajudante de ordens do ex-Presidente da República, Jair Bolsonaro, está anotado um  itinerário de providências que anularia a eleição de 22, afastaria ministros do STF e colocaria o país sob intervenção militar. 

Em abril de 1964, sem base legal, o Presidente do Senado Federal considerou vaga a Presidência da República e autorizou o Presidente da Câmara, deputado paulista Ranieri Mazzili, a assumir a cadeira. Ele, todo pimpão, se achou Presidente da República até descobrir que os ministros que deveriam despachar com ele foram prestar obediência e continência ao Ministro da Guerra. 

O pau comeu! Instalou-se a ditadura com torturas, prisões, mandatos parlamentares cassados, imprensa censurada. Como a Constituição não suportava afrontas, deram-lhe os Atos Institucionais e um remendo enorme.  

Alguns ministros do STF rebelaram-se: Evandro Lins e Silva, Victor Nunes Leal, Hermes Lima, Gonçalves de Oliveira e Lafayette de Andrada. Evandro, Victor e Hermes foram aposentados na marra. Gonçalves de Oliveira e Lafayette de Andrada não viram sentido em continuar ministros e bateram em retirada. Quem ficou se rendeu aos ditadores, esperou o tempo passar e a tempestade refluir. 

O Brasil viveu 24 anos sob a batuta dos ditadores e quando nos livramos disso, nem memória daquele tempo queríamos ter. Só que em 2018, 30 anos após o fim do regime, a imagem do golpe voltou, quando um capitão, para fazer graça e ter votos, aplaudiu os atos de um torturador, convocou generais e militares de todas as patentes para o governo e ameaçou os ministros do STF. 

Para fechar a cena, o capitão, depois de perder a reeleição, fez cara de paisagem e um discurso sem pé nem cabeça, pegou o avião da Presidência da República e partiu para os arredores da Disneylândia. Um número grande de eleitores dele foi pedir bis – um novo 64 – nos portões e cercanias dos quartéis, mas, com o tempo, percebeu que lá dentro pouco caso ou caso nenhum se fazia do acontecimento. 

A turma cansou e entrou em transe; adquiriu o sentimento de um poder invencível e de anonimato e, num momento de contágio de influência, tudo como previsto por Freud e Le Bon (Psicologia das Massas) foi tomado por fúria e saiu como uma manada de elefantes enfurecida atropelando tudo e todos. 

A situação ficou esquisita. O povo levou um tranco, foi preso e processado, cumprindo um rito instituído no país pelos impacientes heróis da Lava-Jato, que pareceu entender que a Constituição é algo complexa demais para ser observada de pronto.  

“Às favas com todos os escrúpulos!” disse um coronel em 1967, a um marechal presidente, para avisar que eles dois e quem mais tivesse disposição para tanto, poderiam mandar a democracia para o espaço em nome da ordem. A farsa de 67 fez-se uma tragédia em 23 ou, sem o risco de perder o sentido e a paciência de Marx ou Engels, a frase pode ser invertida. 

Chegamos a um ponto ruim na vida política nacional que parece não ter reversão. Só parece, pois eu acredito que tenha, desde que, como demonstra a história das nações, se consiga um líder capaz de convencer o povo que do jeito que estamos indo boa coisa não encontraremos adiante. Mas, quem será esse líder? Já estará por aí. Já terá nascido? 

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O que acontece quando alguém deseja agradar a todos.  

14.06.2023.

O historiador Will Durant, no livro “Nossa Herança Oriental”, conta uma história: “Um abastado morador da cidade em que vivia o filósofo Teng Shih afogou-se no rio Wei e seu corpo foi apanhado por um homem, que exigiu uma enorme quantia da família para entregá-lo. A família pediu orientação ao Teg, que sugeriu: “Esperem, pois nenhuma outra família pagará qualquer coisa pelo cadáver e ele, no final, será entregue a vocês sem custo”. Assim fez a família. 

O sujeito que estava com o corpo, ao perceber que a família não retornou com o dinheiro, foi pedir conselho ao Teg, que respondeu: “Espere, pois de ninguém mais, senão de você, a família poderá obter o corpo”. Will não conta, mas eu acredito que o cadáver deve ter sido jogado em algum lugar após apodrecer.