Jackson Vasconcelos. 17.06.2023.
A revista VEJA abriu a semana que termina hoje, sábado, com a notícia do “Roteiro do Golpe”. A matéria, assinada pelo jornalista Robson Bonin, revela que no celular do ajudante de ordens do ex-Presidente da República, Jair Bolsonaro, está anotado um itinerário de providências que anularia a eleição de 22, afastaria ministros do STF e colocaria o país sob intervenção militar.
Em abril de 1964, sem base legal, o Presidente do Senado Federal considerou vaga a Presidência da República e autorizou o Presidente da Câmara, deputado paulista Ranieri Mazzili, a assumir a cadeira. Ele, todo pimpão, se achou Presidente da República até descobrir que os ministros que deveriam despachar com ele foram prestar obediência e continência ao Ministro da Guerra.
O pau comeu! Instalou-se a ditadura com torturas, prisões, mandatos parlamentares cassados, imprensa censurada. Como a Constituição não suportava afrontas, deram-lhe os Atos Institucionais e um remendo enorme.
Alguns ministros do STF rebelaram-se: Evandro Lins e Silva, Victor Nunes Leal, Hermes Lima, Gonçalves de Oliveira e Lafayette de Andrada. Evandro, Victor e Hermes foram aposentados na marra. Gonçalves de Oliveira e Lafayette de Andrada não viram sentido em continuar ministros e bateram em retirada. Quem ficou se rendeu aos ditadores, esperou o tempo passar e a tempestade refluir.
O Brasil viveu 24 anos sob a batuta dos ditadores e quando nos livramos disso, nem memória daquele tempo queríamos ter. Só que em 2018, 30 anos após o fim do regime, a imagem do golpe voltou, quando um capitão, para fazer graça e ter votos, aplaudiu os atos de um torturador, convocou generais e militares de todas as patentes para o governo e ameaçou os ministros do STF.
Para fechar a cena, o capitão, depois de perder a reeleição, fez cara de paisagem e um discurso sem pé nem cabeça, pegou o avião da Presidência da República e partiu para os arredores da Disneylândia. Um número grande de eleitores dele foi pedir bis – um novo 64 – nos portões e cercanias dos quartéis, mas, com o tempo, percebeu que lá dentro pouco caso ou caso nenhum se fazia do acontecimento.
A turma cansou e entrou em transe; adquiriu o sentimento de um poder invencível e de anonimato e, num momento de contágio de influência, tudo como previsto por Freud e Le Bon (Psicologia das Massas) foi tomado por fúria e saiu como uma manada de elefantes enfurecida atropelando tudo e todos.
A situação ficou esquisita. O povo levou um tranco, foi preso e processado, cumprindo um rito instituído no país pelos impacientes heróis da Lava-Jato, que pareceu entender que a Constituição é algo complexa demais para ser observada de pronto.
“Às favas com todos os escrúpulos!” disse um coronel em 1967, a um marechal presidente, para avisar que eles dois e quem mais tivesse disposição para tanto, poderiam mandar a democracia para o espaço em nome da ordem. A farsa de 67 fez-se uma tragédia em 23 ou, sem o risco de perder o sentido e a paciência de Marx ou Engels, a frase pode ser invertida.
Chegamos a um ponto ruim na vida política nacional que parece não ter reversão. Só parece, pois eu acredito que tenha, desde que, como demonstra a história das nações, se consiga um líder capaz de convencer o povo que do jeito que estamos indo boa coisa não encontraremos adiante. Mas, quem será esse líder? Já estará por aí. Já terá nascido?