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A OMISSÃO. 

19 de março 2024. 

“Todo poder emana do povo e em nome dele será exercido, diretamente ou através de seus representantes, nos termos desta Constituição”. Isso está posto no parágrafo único do artigo primeiro da Constituição Federal. Mas, há quem diga que no Brasil o exercício do poder não se dá desse modo nem por essa gente. Discordo. 

O voto é o instrumento principal para o exercício do poder, seja diretamente, seja pela escolha de representantes. Na última eleição para Presidente da República, 118 milhões de eleitores votaram. Eu posso, então, afirmar que exerceram o poder – agiram para exercer o poder. No entanto, 31 milhões não votaram. Não deram as caras na zona eleitoral. Esses exercerão o poder por omissão deliberada. Naquele eleição, dois candidatos foram ao segundo turno, Lula e Bolsonaro. Lula venceu pois obteve 2 milhões de votos a mais. O resultado seria o mesmo se os 31 milhões de omissos tivessem votado? É possível. 

Estamos a caminho de mais uma eleição, agora para escolher vereadores e prefeitos. Novamente, o povo exercerá o poder, alguns por ação outros por omissão. Os resultados obtidos serão, portanto, fruto da decisão de todos. Tanto dos que agirão como dos que irão se omitir. 

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PESQUISAR O ÓBVIO PARA CRIAR FAKE NEWS. 

01.03.2024. 

O Sistema Globo calculou 185 mil pessoas, o Governo do Estado de São Paulo chegou aos 850 mil presentes. O Estadão, a Folha de São Paulo e outros adivinhadores apresentaram cálculos diversos sobre o evento ocorrido no domingo passado em São Paulo, na Avenida Paulista. 

Mas lamento dizer que a quantidade exata de pessoas não tem importância, pois quando a gente fala sobre disputas políticas, vale a imagem, a percepção e jamais a realidade. Eis aí uma lição da estratégia de comunicação. Isso dito, fica claro que a imagem apresentada do evento mostrou um número quase infinito de pessoas na Avenida Paulista, gente que compôs num campo vestido de verde e amarelo. 

Jair Bolsonaro, o astro, o mito, o cara, o doido, o marido de Michele, pai do destrambelhado Carlos, fez um discurso ameno e pediu pacificação. Vejam vocês! É possível que até ele, mestre de confusões, tenha se cansado das brigas. Será? Na linha da pacificação, Jair Bolsonaro pediu que o Congresso Nacional anistie os brasileiros punidos pela Suprema (com todo o poder que tem a palavra) Corte, por terem participado da mobilização de 8 de janeiro do ano passado. 

Após o evento na Paulista, o Instituto de Pesquisa Genial Quaest entregou à imprensa uma pesquisa com a avaliação de 2 mil pessoas sobre o acontecimento. Duas mil pessoas residentes em 120 cidades. O que diz a pesquisa? Vamos lá. Prepare o seu espírito para algo curioso. 

  1. Você acha que a manifestação foi grande, média ou pequena? 46% dos eleitores do Lula acharam-na grande e 13% pequena. E os eleitores do Bolsonaro, hein? 89% disseram que ela foi grande. Nossa! 
  2. A manifestação esteve dentro dos limites da lei? 51% dos eleitores do Lula disseram não. 87% dos eleitores do Bolsonaro disseram sim. 

Tem mais. Calma! 

  1. Bolsonaro está sofrendo uma perseguição? 75% dos eleitores do Lula disseram que sim, mas 72% dos eleitores do Bolsonaro disseram que não. Que novidade, hein? 
  2. Seria justo ou injusto prender Bolsonaro? Adivinhem o que deu. 79% dos eleitores do Lula acham justo, mas 82% dos eleitores do Bolsonaro acham injusto. 

Só mais uma para não encher a paciência de vocês. Vamos lá: 

  1. A Justiça acertou ou errou ao tornar Bolsonaro inelegível? A turma do Lula: acertou! Os eleitores do Bolsonaro: errou!

Apurou-se o óbvio, para se oferecer à imprensa assuntos para ocupar a pauta. O noticiário concluiu: “Metade dos brasileiros defende a prisão de Bolsonaro” (Revista Veja). “Para 47%, Bolsonaro participou de plano de golpe e 40% acham que não”. 

Cabe lembrar que Lula venceu a eleição com 50,9% dos votos. Jair Bolsonaro obteve 49,10%. Precisa dizer mais? Por isso, é preciso cuidado quando se lê pesquisas e notícias, para que não se seja enganado. 

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“Sexta-Feira, 13…”

14 de fevereiro de 2024. 

“Passado o episódio do Estado de Sítio, parecia que o Presidente João Goulart iria nortear o seu Governo mais para o predomínio do fato administrativo, sobrepondo-se ao fato político que já consumira mais de metade do seu mandato…JK havia sacudido o país de norte a sul com obras monumentais, Jânio Quadros foi apenas o ético, consumindo todos os seus sete meses  de Governo com inquéritos e bilhetinhos. Em mais de um ano de governo parlamentarista, o Presidente não marcara nenhum tento administrativo. Estava na estaca zero…”. Essas são passagens do livro que ocupou o meu tempo no carnaval: “Sexta-Feira, 13 – Os últimos dias do Governo João Goulart”, do deputado Abelardo Jurema, que foi Ministro da Justiça naquele tempo. Eu consegui a obra no sebo Estante Virtual. 

No livro, “Seu Jurema” dedicou um capítulo ao momento em que o Presidente João Goulart decidiu colocar o Brasil em Estado de Sítio, em resposta às greves e à entrevista ofensiva aos militares concedida pelo governador da Guanabara, Carlos Lacerda. Jango tentou, mas depois das reações do Congresso Nacional e dos governadores, desistiu. Há poucos dias, voltou-se a falar em Estado de Sítio, sendo agora uma tentativa atribuída ao ex-presidente Jair Bolsonaro, nas confusões armadas em torno dele. A imprensa divulgou que a Polícia Federal encontrou uma minuta de um documento destinado a decretar Estado de Sítio, na sala que o ex-presidente ocupa na sede do PL. 

Quem examina a história da política no Brasil verifica que ela é uma repetição cansativa de maquinações de quem está no poder para manter-se nele e de quem está fora dele para lá chegar sem considerar a vontade do povo. Jango foi eleito duas vezes Vice-Presidente da República. No tempo dele, os vice-presidentes não participavam das chapas dos presidentes como acontece atualmente, O povo escolhia os presidentes e quem ele desejaria que governasse o Brasil na falta do selecionado. Hoje, um é eleito grudado no outro. Bem, Jango foi eleito, primeiro, para ser vice-presidente de Juscelino, momento em que viveu a paz oferecida pelo titular. “Houve tropeços, houve ranhuras, houve mal-entendidos, tudo, porém, facilmente corrigido e neutralizado pelas lideranças partidárias”, relata “Seu Jurema”. A segunda experiência de Jango como Vice-Presidente levou-o à Presidência pela renúncia de Jânio Quadros, numa trajetória tumultuada em que militares e Congresso Nacional fizeram de tudo para que não se cumprisse. Uma vez presidente, primeiro num parlamentarismo arranjado e depois num presidencialismo muito próprio dos brasileiros, Jango foi defenestrado pelos mesmos agentes: Congresso e Caserna. “Seu Jurema” conta que, “num dos momentos de depressão, o presidente chegou a me dizer: “Não sei, Seu Jurema, como Juscelino ainda quer voltar para isto aqui”. 

A Constituição? Ah! minha gente, essa nunca teve valor, nem naquele tempo, nem na Monarquia e menos ainda hoje em dia. Assim segue a nossa relação com a política. A relação dos imperadores e dos presidentes com a política sempre foi cruel, pois dele o povo quase nunca está presente. Quem queira conferir que vá à história de cada um deles. 

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OITO DE JANEIRO. DIA DA VERGONHA. 

05.01.2024

O mundo está transformado num grande e maldito manicômio onde os loucos se sentem com liberdade para tudo e os sãos têm medo de qualquer espirro. 

No Brasil, a primeira semana do ano de 2024 é de comemorações para quem venceu a eleição, julgou sumariamente os adversários inconformados, os prendeu e os condenou a longas penas. 

Mas, a semana deveria servir também para reaquecer a vergonha e a dor daqueles perdedores que, mesmo diante dos sinais de insanidade do líder, resolveram, em nome dele e encorajados por ele, peitar os vencedores com a ilusão de que poderiam, na raça, mudar o resultado do pleito. 

Essa gente custou a perceber – e alguns ainda não perceberam – que o Leão avistado na Avenida Paulista no dia da Independência de 2021 era um gato domesticado, ajudado na imagem pelo som de excelente qualidade que fez o povo ouvir rugidos enfurecidos e encorajados no lugar de um rosnar que se transformou num grunhir de medo no primeiro grito da passa-fora. 

No final da peleja, vencedores e perdedores enterraram um pouco mais a democracia numa cova em que ela resiste entrar. 

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“NA CABEÇA DE PUTIN”. 

01.01.2024. 

Abri o novo ano encerrando a leitura do livro “Na cabeça de Putin”, escrito por Michel Eltchaninoff, doutor em filosofia e especialista na história do pensamento russo.  Eu li o livro com paciência e pesquisas e como se assistisse a uma série, capítulo após capítulo – são dez. Ao me dar o livro de presente, Denise Frossard abriu-me a oportunidade de tê-lo como a continuidade de outro livro, bom também, “Os sete chefes soviéticos”, este escrito por um general russo, Dmitri Volkogonov. Li “Os sete chefes” há bastante tempo. O general passeia pela vida e experiência de governo de Lênin, Stalin, Khrushchev, Brejnev, Andropov, Chernenko  e Gorbachev. Ele os define no prólogo: 

“Todos os sete chefes vieram das províncias. Nenhum deles emergiu de organizações do partido de Moscou ou de São Petersburgo. O provincialismo tende a ser conservador e ortodoxo. Nenhum deles era um proletário “puro” de origem, mesmo que todos reconhecessem e exaltassem o papel de ponta da classe operária. Mas, não foi a classe operária que governou, e sim uma “partidocracia” burocrática que rapidamente se formou. Os chefes sempre mantiveram grande distância dos trabalhadores, dos camponeses e da intelligentsia, exatamente por terem saído da profundeza do núcleo dos “partidocratas profissionais”. Afora o último deles,(Gorbachev) o nível intelectual, educacional e cultural dos chefes foi baixo. Mesmo Lênin, sem dúvida uma cabeça poderosa, em termos intelectuais foi estritamente unidimensional; cabeça puramente política, o que por certo muito o empobreceu como pessoa. Tinha pouco apreço pela cultura russa e por seus expoentes”. 

A leitura do livro presenteado pela Denise provocou-me o desejo de conhecer um pouco mais sobre Boris – ir além das notícias e dos fatos de fácil localização pelo Google –  uma vez que Putin chegou ao poder por ele e após a renúncia dele. Li, então, a biografia feita pelo putinista Vladimir Solovyov e pela jornalista Elena Klepikova. Vladimir é defensor da III Guerra Mundial, (evidentemente garantida a vitória da Rússia) é favorável à invasão plena da Ucrânia e à recuperação da União Soviética pela reconquista dos países, que se separaram. Boris, primeiro presidente eleito diretamente pelo povo russo, se deu mal e, antes de encerrar o segundo mandato, renunciou e entregou o poder a Putin, seu primeiro-ministro. 

Putin é mais letrado que seus colegas. É cínico. Conservador, religioso, leitor de Dostoiévski, de Kant e de Soljenitsin. Isso mesmo. Leitor e admirador do autor de O Arquipélago Gulag, que ao retornar do exílio foi recebido por Putin em casa. Relata Michel Eltchaninoff: “Apesar das reservas de Soljenítsin em relação a esse homem, um puro produto do regime soviético, da sua nomenklatura, da violência política do KGB, o escritor é partidário de um poder forte e de uma via específica para a Rússia. Não quer que a democracia russa se torne uma mera cópia do modelo ocidental. Preocupa-se com o “cerco” da Rússia pela NATO. Os dois homens discutem durante um bom par de horas. Soljenitsin prodigaliza-lhe os seus conselhos sobre como “reorganizar a nossa Rússia”. Putin diz-lhe que vai ter em conta os conselhos sobre a autogestão do poder local.”

Soljenítsin decepcionou-se. Continua Michel Eltchaninoff: “Dois anos depois, porém, Soljenítsin mostra-se amargo: “Dei-lhe bons conselhos, mas ele não seguiu nenhum”, lamenta ele numa entrevista concedida ao Moscow News no início de 2002(…). O que não impede Putin de elogiar e citar frequentemente o seu novo amigo. Concede-lhe um prêmio de Estado em junho de 2007, proclamando: “Milhões de pessoas por todo o mundo ligam o nome e a obra de Aleksandr Issaevich Soljenítsin ao destino da própria Rússia.”

Michel Eltchaninoff cita vários filósofos lidos por Putin e levanta a questão: “Será Putin um apaixonado pela filosofia?”. Ele mesmo responde: “Nem pensar! O presidente prefere a história, a literatura e acima de tudo o desporto. Não é um intelectual. Adora contar histórias sobre a sua juventude como trapaceiro e espião, mais do que evocar os seus estudos na Faculdade de Direito de São Petersburgo”. 

Mas, o que quer Putin, ao final das contas, segundo Eltchaninoff? Ele quer que a Rússia lidere uma União Euroasiática (Europa e Ásia). Volte a ter a dimensão que teve a União Soviética. “A Rússia é um país original, porque parte do seu território está na Ásia e uma parte significativa na Europa. Na base da cultura russa estão, antes de mais, os valores cristãos. Nesse aspecto, a Rússia é um país europeu. Mas vivem no país 15 milhões de muçulmanos, e grande parte do território situa-se na Ásia. Também temos, portanto, os nossos interesses na Ásia”, declara Putin. 

Putin quer um “mundo russo”, onde serão considerados cidadãos todos os indivíduos russos residentes fora do país, inclusive os descendentes dos russos. “A Rússia, claramente, deve cuidar dos russos que vivem noutros estados, mesmo que não tenham cidadania russa”, diz Putin. E diz mais, segundo Michel Eltchaninoff: “Putin enfatiza a importância de proteger o cidadão russo em todo o lado, no país e fora das fronteiras dele”. 

Em resumo: o livro é esclarecedor, pois mostra a face de Putin, um homem que tenta se utilizar da política para submeter o mundo todo à vontade dele. Michel Eltchaninoff encontrou espaço para citar as jovens componentes do Pussy Riot, um grupo de rock que tem contestado Putin. O resultado da contestação foi a prisão e perseguição. “A  21 de fevereiro de 2012, durante a campanha de Putin pela Presidência, o grupo apresentou-se na Catedral Cristo Salvador de Moscou: “Maria Mãe de Deus está conosco no protesto”. As componentes, encapuzadas, foram presas numa colônia penal da Mordóvia. 

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Os caçadores de ratos e de marajás. 

16.12.2023. 

O Senador Sérgio Moro rebolou para explicar as imagens do abraço efusivo que deu no colega Flávio, o Dino e a alegria com que fez isso. Ele não precisava explicar, pois “Inês é morta”. Os eleitores e admiradores dele já entenderam que ele é, e do que é capaz. 

Sérgio Moro tornou-se o símbolo do combate à corrupção, num momento em que isso teve algum significado para o povo brasileiro, assim como teve, no rol das profissões, a de caçador de ratos. Sim, houve um tempo em que eles faziam sucesso com as donas de casa. Atualmente, o povo brasileiro convive bem com os roedores, aceita que eles passem entre as suas pernas e até os visitam em seus esconderijos. Mas, no momento em que os ratos foram abominados e causavam asco, Sérgio Moro tornou-se um dos caçadores mais talentosos. 

O talento deu fama ao juiz e a fama antecedeu-lhe a vaidade. O cara ficou pimpão! Achou-se com autoridade para colocar o dedo na cara de qualquer um, fazer troça, sentenciar, prender e até torturar tendo os processos como meros detalhes. Ele ficou tão confiante que largou o ofício em busca de outro que lhe desse mais fama e mais prestígio. Foi ser ministro. 

Ele justificou o ato com uma cutucada no coração do povo, que a tudo estava disposto para combater os ratos. Afinal, aos olhos do povo, o juiz tinha duas qualidades essenciais para “emendar os latrocínios: o saber, para os apanhar, e o poder para os emendar”( Carta de um Anônimo a Dom Teodósio, príncipe de Portugal, exposta no livro A Arte de Furtar, obra que chegou às minhas mãos em 2005, com o prefácio de João Ubaldo, o imortal corajoso que em vida questionou-nos a todos: “Somos todos ladrões?”). Tanto o livro, como o artigo em separado merecem leitura. 

A soma de atitudes do juiz fez o povo sentir-se enganado. A empáfia do herói derreteu o enredo. O “caçador de ratos” tomou o rumo do “caçador de Marajás” na história. Tudo por vaidade. No fim das contas, os marajás continuam por aí e os ratos também. Uns e outros perderam o medo e partiram para cima dos seus caçadores.  

Flávio, o Dino, foi juiz; Sérgio Moro também. Flávio, o Dino, é senador. Sérgio Moro chegou lá. Sérgio Moro foi Ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio, o Dino, o é. Sérgio Moro quis ser membro do Supremo Tribunal Federal. Não conseguiu. Flávio, o Dino, sentará na cadeira em fevereiro. Flávio, o Dino preservou quem poderia colocá-lo lá. Sérgio Moro ajudou a destruir quem poderia fazer o mesmo por ele. 

Já que estamos a falar sobre vaidades, busquemos a ajuda do Pregador, autor de Eclesiastes. Ele ensina: “Quando o tolo vai pelo caminho, falta-lhe o entendimento; e assim, a todos mostra que é estúpido…Quem abre uma cova nela cairá…”. (Eclesiastes 10). 

Vocês têm notícia do caçador de Marajás? E do caçador de ratos? Eu soube que estão ambos no Senado Federal. É fato ou é fake? 

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Lula, gato escaldado. 

01 de dezembro de 2023. 

Reclama-se que Lula dê preferência aos advogados que lhe prestaram serviços e aos mais leais escudeiros, quando indica componentes para o Supremo Tribunal Federal. Mas, não se poderia esperar outro comportamento de quem, ao adotar um critério diferente, o da diversidade, encarou Joaquim Barbosa. Lembram? Lula obedece os ditos populares: “Seguro morreu de velho”, e “Gato escaldado tem medo de água fria”. 

Joaquim Barbosa foi escolhido por Lula e se tornou estrela de primeira grandeza quando Roberto Jefferson derrubou a porta do Palácio do Planalto e jogou alguns velhos companheiros pela janela. Lula quase foi. Por um fio, Lula sobreviveu. O histrionismo de Joaquim Barbosa levantou a nação brasileira e ela empurrou as decisões de todos os demais ministros da corte. De quase todos. Quem ousou argumentar contra as teses meio doidas de Joaquim Barbosa, apanhou do povo. Joaquim Barbosa foi o Zorro. Gilmar Mendes, o Capitão Garcia.  

Mas, se não bastasse ao Lula a figura do Joaquim Barbosa, ele tem o exemplo do antecessor Jair Bolsonaro, que indicou dois ministros para compor o Supremo Tribunal Federal e o resultado está posto. Os dois nem parece que foram indicados por ele.  

Lula aprendeu. Ele sabe que na Constituição Brasileira ( artigo primeiro, parágrafo único), todo o poder emana do povo e por ele é exercido diretamente ou por intermédio de seus representantes, para os agentes isso se dá de modo diferente. Para eles, todo o poder emana do Supremo Tribunal Federal e é, pelos ministros, exercido diretamente, sem representantes. Lula tem consciência disso e não precisa que os ministros Barroso e Gilmar fiquem repetindo isso como uma ladainha. 

O tempo passou e Joaquim Barbosa converteu-se à seita do Lula. Uma conversão tardia, que Lula desprezou por ser totalmente inútil. Lula tem noção de utilidade. Sabe como usar as pessoas em seu próprio benefício. E como sabe…

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O MOVIMENTO “MSB”. 

14.11.2023. 

Eita! Vejam só a notícia publicada na primeira página do jornal Estado de São Paulo, no domingo: 

“Na elite da era espacial, a Índia, país das startups, sofre com falta de banheiros. Parte da população de 1,4 bilhão de pessoas no país das startups faz suas necessidades a céu aberto. O pouso na face oculta da Lua, realizado em agosto pela missão Chandrayaan-3, colocou a Índia na elite da corrida espacial e a inseriu num mercado que deve movimentar US$1 trilhão em 2040. Mas, no país de 1,4 bilhão de habitantes, que tem 90 mil startups e mais de 100 empresas unicórnio – aquelas avaliadas em mais de US$ 1 bilhão antes de abrir capital em bolsas de valores -, grande parte das pessoas mora em favelas, não têm acesso a banheiros e faz suas necessidades a céu aberto, informa o enviado especial Felipe Frazão. Em 2014, o governo lançou um plano para erradicar a prática, mas ela não foi extinta. Nas cidades de Agra, Nova Délhi, Faridabad e Hyderabad, o Estadão viu fezes humanas em calçadas e testemunhou pessoas urinando na beira da estrada.” 

Há, na Índia, de fato, 1 bilhão e 400 milhões de habitantes e 20 línguas diferentes. Novecentos milhões são eleitores e usam urnas eletrônicas com emissão de comprovante de voto. Um traço feito num dos dedos dos eleitores, com uma tinta que não se consegue tirar antes de 30 dias,  impede que eles votem mais de uma vez. E tem mais, para o exercício da soberania popular: a Comissão Eleitoral garante a existência de urnas eletrônicas a uma distância de pelo menos 2 quilômetros de cada comunidade, obrigação que implica o uso de uma logística dificílima, que envolve camelos, jumentos e escaladores de montanhas, mas que mesmo assim é rigorosamente observada.  

A democracia é, portanto, o regime vigente sustentado por um sistema parlamentarista bicameral. O povo escolhe pelo voto direto os membros das duas câmaras e parlamentares regionais, que juntos decidem quem preside o país. Na eleição de 2020 foi eleita uma mulher, Draupadi Murmu, a primeira oriunda de uma comunidade tribal. 

Então, está certo o autor da matéria. A população local prefere ir à Lua a ter banheiros e dá aos governos a obrigação de construir banheiros.  

Em 2014, diz a matéria, o governo instalou 100 milhões de banheiros para beneficiar 600 milhões de pessoas. Um banheiro para cada seis seres humanos. Tem-se, então, que para atender com banheiros os 157 milhões de habitantes, que cagam e urinam nas ruas e estradas, serão necessários pelo menos mais 26 milhões de banheiros. Ocorre que na Índia nascem, por ano, 23 milhões de pessoas, dado que exigirá do governo a construção de pelo menos 3.800.000 banheiros a cada ano. Na rotina dos gestores públicos brasileiros, mais de 3 milhões, quase 4, de oportunidades para inaugurações com corte de fitas. 

O Partido dos Trabalhadores teria lá um campo fértil para atuação, sendo oposição ou sendo governo. Como oposição poderia estimular a criação do MSB, Movimento dos Sem Banheiros. Se governo, teria a chance de criar o “Meu Banheiro, Minha Vida” e uma campanha publicitária: “Cagar e mijar com dignidade”, slogan em cores vermelhas e exibido numa bandeira com o número 13 estampado no centro. 

Deixo aqui a contribuição para o povo indiano. 

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Adélio e Ronnie Lessa. A lei da compensação. 

29.10.2023. 

Só recentemente assisti ao documentário “Lei da Selva – A História do Jogo do Bicho”, obra da Globoplay, que estreou há mais de um ano, no dia 29 de abril de 2022, quando se deu a largada na disputa pela Presidência da República. Os autores do trabalho levam os espectadores para um ambiente onde estão ligados o jogo do bicho, as milícias, o ex-presidente Jair Bolsonaro, o filho dele, Flávio e o assassinato da vereadora Marielle Franco. Só no final, fica-se sabendo que o documentário representa uma homenagem à vereadora.  A percepção é de ser um documentário propositadamente exibido no tempo da campanha presidencial para influenciar o resultado. 

Desconheço se naquele momento a Justiça Eleitoral foi provocada para impedir a veiculação do documentário, mas se foi e decidiu deixar correr, fez bem, pois observou o que diz a Constituição Brasileira, que registra, expressamente: “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. De modo diferente, no entanto, decidiu a Justiça Eleitoral, quando o canal Brasil Paralelo anunciou o documentário, “Quem mandou matar Jair Bolsonaro”. O TSE proibiu a exibição até a proclamação do resultado da eleição e puniu o canal com a suspensão do fluxo financeiro que o mantém de pé. É dispensável dizer mais qualquer coisa para entender as frases polêmicas, “perdeu mané” e “vencemos o Bolsonarismo”.  

“Lei da Selva – A História do Jogo do Bicho” dá sentido às tormentas do povo carioca com as milícias. Nele se vê materializada a coragem de uma mulher que não mediu riscos para interromper a valsa livre nos salões da elite carioca da turma que comanda o jogo do bicho. A sentença de Denise Frossard sacudiu a hipocrisia da elite e da classe política carioca, mas não deu jeito nela. Aí estão as milícias a frequentar os mesmos salões. O documentário não toca no tráfico de drogas. Sabe-se lá o motivo.

“Quem mandou matar Jair Bolsonaro” foi exibido após a proclamação do resultado da eleição para a Presidência da República, como desejou a Justiça Eleitoral. A dúvida sobre o mandante do assassinato do candidato à Presidência dá sentido ao documentário e faz o contraponto com outra interrogação: quem remunerou Ronnie Lessa, o matador de aluguel, para que ele assassinasse a vereadora? 

No fim das contas, os dois documentários se compensam e em conjunto explicam como funcionam no Brasil, a Justiça, os crimes e a investigação quando se misturam com a política. É a lei da compensação, que o povo brasileiro ainda não compreende como funciona.  O confuso escritor Ralph Waldo Emerson, pelo menos nisso mostrou convicção: “Tudo na vida e na natureza gira em torno da dualidade e se compensa”. Nada melhor do que isso para um povo que se sente bem num ambiente polarizado. 

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“Picadeiro de qualidade”

02.10.2023.

De novo? Novamente, o governo federal aparece com um programa para combater as organizações criminosas, o Enfoc, que prevê R$900 milhões em investimentos para atuação em cinco eixos principais: “integração institucional e informacional; eficiência dos órgãos policiais; portos, aeroportos, fronteiras e divisas; eficiência da Justiça Criminal e cooperação entre União, Estados, Municípios e órgãos estrangeiros.”  E há um tempo estabelecido para a apresentação das metas, investimentos e estratégias: 60 dias. Não pode ser algo sério. Por que não entregam o pacote completo? Porque pode ser que em 60 dias, a onda já tenha quebrado na praia e o governo dedique seu tempo a outros temas mais caros a ele, como acontece com a rotina de nomear e exonerar gente para a máquina pública. 

Tomei conhecimento do projeto ao ler ontem, domingo, o Estadão. O editor deu à notícia destaque na primeira página e pelo modo como construiu a manchete, ele também não acredita que o programa tenha algum resultado. Ele escreveu: “Pressionado, governo lança plano para tentar conter facções”. O “tentar” diz tudo sobre a esperança do editor no sucesso da proposta. O “pressionado”, mostra o modo como funciona um governo que não planeja. Ele não está sozinho. O histórico de programas e projetos que visam só tirar a União do tema não autoriza o crédito. 

O Ministro Super-Herói, Flávio, o Dino, para rebater as críticas que tem recebido afirmou que no pouco tempo em que está na equipe do Presidente Lula conseguiu reduzir as armas, desmontar o garimpo ilegal e tem dado apoio às vítimas de violência. Citou também a visita que fez a 21 estados para entregar equipamentos e liberar recursos para os governadores. Não dá para levar isso a sério! 

Bem que Deus avisou que a relação entre os agentes do Estado e a sociedade seria desse modo, mas ninguém quis ouvir. Disse Deus, quando respondeu ao desejo do povo de Israel de ter um rei: “Este será o costume do rei que houver de reinar sobre vós: (…). Ele tomará o melhor das vossas terras, e das vossas vinhas, e dos vossos olivais, e os dará aos seus servos. E as vossas sementes, e as vossas vinhas dizimará, para dar aos seus oficiais (…)”. Ao Estado tudo; à sociedade, a conta. 

Thomas Hobbes deu ao Estado a representação correta de um monstro marinho, o Leviatã,  que no livro de Jó está descrito com um alerta: “Eis que é vã a esperança de apanhá-lo; pois não será o homem derrubado só ao vê-lo? Ninguém é tão atrevido, que a despertá-lo se atreva…”(Jó 41: 9 e 10). Para Hobbes o Estado só tem uma finalidade, uma só: garantir a segurança de quem renunciou a muita coisa para poder dormir em paz. Quando o Estado não garante a Segurança Pública – diz Hobbes – ele rompe o contrato que tem com a sociedade que, então, fica liberada para não cumprir a parte que lhe cabe. Quem dera, pudéssemos agir assim. Por aqui, nem criticar se está mais autorizado. Confrontado, o agente do Estado responde: “Perdeu mané. Não amola!”. 

No Brasil, com relação à segurança vivemos no “Estado de Natureza”, definido por Hobbes, onde o desejo e a força são suficientes para a satisfação de todas as vontades dos indivíduos. Tempo vai, tempo vem, e ninguém na União move uma palha para, de verdade, melhorar a qualidade das polícias, das investigações e desarmar os criminosos. 

O lançamento do programa ENFOC será só mais um dia de espetáculo no picadeiro montado em Brasília, pois a União foge às léguas da obrigação que deveria ter. Flávio, o Dino, deixou claro: “O governo não concorda com teses absurdas que propõem a federalização da segurança pública em todo o país”. Para a União quase todos os crimes são estaduais. Federais são somente aqueles ainda não tipificados pela lei, chamados de atos golpistas e antidemocráticos. 

Flávio, o Dino, encerrou a entrevista na CNN Brasil com uma pérola: “Para melhor aquilatar o que isso significa, sugiro comparar com outros momentos do Ministério da Justiça, onde criminosos lá habitavam ou eram lá protegidos…”. Desnecessário comentar.  

A União abriga malabaristas, engolidores de fogo, palhaços e trapezistas. Por isso, defendo que “O Circo”, uma das belezas compostas por Nara Leão, seja o nosso Hino Nacional. Faz mais sentido, no momento, que o louvor à liberdade composto por Duque Estrada.  

Enfim, sigamos.