Publicado em

CAMPEONATO TRAGICÔMICO. 

Começou o Campeonato Carioca de Futebol, um evento sem sentido para o esporte. Todos os anos, os quatro grandes clubes do Rio de Janeiro, Fluminense, Flamengo, Vasco e Botafogo, disputam o título entre eles, mas obrigados a entrar em campo contra clubes sem expressão, que existem, exclusivamente, para manter o poder na Federação nas mãos do feudo político, hoje – e desde de 2006 – representado pelo senhor Rubem Lopes. A Federação existe há 45 anos e em todo esse tempo só três homens passaram pela presidência e nenhum deles tem vínculo anterior com o futebol. 

Quando os quatro grandes clubes jogam contra os “sem expressão”, gastam dinheiro, colocam em risco o preparo físico de seus jogadores e ainda se aborrecem com as bizarrices patrocinadas pelo presidente da Federação. Tudo em razão de vaidades. Cá entre nós, qual o sentido de manter um campeonato disputado, hoje, por nove clubes, quando se sabe, antecipadamente, que só quatro são competitivos. E, olha que, fora os quatro maiores, 23 outros clubes já participaram do campeonato carioca. Bangu foi campeão em 1966 e nunca mais. O América acumulou sete vitórias, a última delas, em 1960. A Federação nem existia. Ela foi criada em 1976. 

Vi de perto, de bem perto, como funciona essa geringonça e lutei contra ela. Do final do ano de 2010 a abril ou maio de 2013, fui Diretor-Executivo do Fluminense. Misericórdia! O que se gastava de dinheiro caro com a participação do clube no campeonato carioca, principalmente, pela obrigação de jogar contra clubes inexpressivos que só existem no calendário da FERJ para garantir a presidência da Federação nas mãos de um mesmo cara. 

Enfim, fazer o quê, num país onde as coisas funcionam de ponta-cabeça e num estado onde a coisa toda é pior? Bem pior. O torcedor iludido torce por seus times, mesmo sabendo que os jogos estariam melhor se realizados cobertos por uma lona de circo. 

Publicado em

O POVO SABE O QUE QUER? 

Houve um dia em que o povo brasileiro foi para as ruas para pedir que os generais tomassem o governo das mãos do presidente. Conseguiu ser atendido. Depois, o povo voltou para as ruas para pedir que os generais deixassem que ele escolhesse os presidentes. Conseguiu ser atendido.

Então, o povo escolheu Collor, pois Lula era comunista. Depois, o povo quis se livrar do Collor. Conseguiu. Então, escolheu Fernando Henrique Cardoso, pois Lula continuava comunista. Depois, o povo entendeu que Lula não era mais comunista e o escolheu para ser o presidente. Veio Dilma, a comunista, por vontade do povo. O povo enjoou, então, dispensou a Dilma e votou no Bolsonaro. Depois, escolheu Lula, que voltou a ser comunista. Parte do povo voltou aos quartéis para pedir que os generais tirassem o presidente. Os generais entenderam que têm coisa melhor para fazer do que ficar atendendo ao povo que não sabe o que quer.

É o resumo da recente história política do Brasil. A pergunta é: o que virá depois? 

O povo sabe o que quer? Isso não importa, pois a vontade dele deve prevalecer sempre. 

Publicado em

OITO DE JANEIRO. DIA DA VERGONHA. 

05.01.2024

O mundo está transformado num grande e maldito manicômio onde os loucos se sentem com liberdade para tudo e os sãos têm medo de qualquer espirro. 

No Brasil, a primeira semana do ano de 2024 é de comemorações para quem venceu a eleição, julgou sumariamente os adversários inconformados, os prendeu e os condenou a longas penas. 

Mas, a semana deveria servir também para reaquecer a vergonha e a dor daqueles perdedores que, mesmo diante dos sinais de insanidade do líder, resolveram, em nome dele e encorajados por ele, peitar os vencedores com a ilusão de que poderiam, na raça, mudar o resultado do pleito. 

Essa gente custou a perceber – e alguns ainda não perceberam – que o Leão avistado na Avenida Paulista no dia da Independência de 2021 era um gato domesticado, ajudado na imagem pelo som de excelente qualidade que fez o povo ouvir rugidos enfurecidos e encorajados no lugar de um rosnar que se transformou num grunhir de medo no primeiro grito da passa-fora. 

No final da peleja, vencedores e perdedores enterraram um pouco mais a democracia numa cova em que ela resiste entrar. 

Publicado em

“NA CABEÇA DE PUTIN”. 

01.01.2024. 

Abri o novo ano encerrando a leitura do livro “Na cabeça de Putin”, escrito por Michel Eltchaninoff, doutor em filosofia e especialista na história do pensamento russo.  Eu li o livro com paciência e pesquisas e como se assistisse a uma série, capítulo após capítulo – são dez. Ao me dar o livro de presente, Denise Frossard abriu-me a oportunidade de tê-lo como a continuidade de outro livro, bom também, “Os sete chefes soviéticos”, este escrito por um general russo, Dmitri Volkogonov. Li “Os sete chefes” há bastante tempo. O general passeia pela vida e experiência de governo de Lênin, Stalin, Khrushchev, Brejnev, Andropov, Chernenko  e Gorbachev. Ele os define no prólogo: 

“Todos os sete chefes vieram das províncias. Nenhum deles emergiu de organizações do partido de Moscou ou de São Petersburgo. O provincialismo tende a ser conservador e ortodoxo. Nenhum deles era um proletário “puro” de origem, mesmo que todos reconhecessem e exaltassem o papel de ponta da classe operária. Mas, não foi a classe operária que governou, e sim uma “partidocracia” burocrática que rapidamente se formou. Os chefes sempre mantiveram grande distância dos trabalhadores, dos camponeses e da intelligentsia, exatamente por terem saído da profundeza do núcleo dos “partidocratas profissionais”. Afora o último deles,(Gorbachev) o nível intelectual, educacional e cultural dos chefes foi baixo. Mesmo Lênin, sem dúvida uma cabeça poderosa, em termos intelectuais foi estritamente unidimensional; cabeça puramente política, o que por certo muito o empobreceu como pessoa. Tinha pouco apreço pela cultura russa e por seus expoentes”. 

A leitura do livro presenteado pela Denise provocou-me o desejo de conhecer um pouco mais sobre Boris – ir além das notícias e dos fatos de fácil localização pelo Google –  uma vez que Putin chegou ao poder por ele e após a renúncia dele. Li, então, a biografia feita pelo putinista Vladimir Solovyov e pela jornalista Elena Klepikova. Vladimir é defensor da III Guerra Mundial, (evidentemente garantida a vitória da Rússia) é favorável à invasão plena da Ucrânia e à recuperação da União Soviética pela reconquista dos países, que se separaram. Boris, primeiro presidente eleito diretamente pelo povo russo, se deu mal e, antes de encerrar o segundo mandato, renunciou e entregou o poder a Putin, seu primeiro-ministro. 

Putin é mais letrado que seus colegas. É cínico. Conservador, religioso, leitor de Dostoiévski, de Kant e de Soljenitsin. Isso mesmo. Leitor e admirador do autor de O Arquipélago Gulag, que ao retornar do exílio foi recebido por Putin em casa. Relata Michel Eltchaninoff: “Apesar das reservas de Soljenítsin em relação a esse homem, um puro produto do regime soviético, da sua nomenklatura, da violência política do KGB, o escritor é partidário de um poder forte e de uma via específica para a Rússia. Não quer que a democracia russa se torne uma mera cópia do modelo ocidental. Preocupa-se com o “cerco” da Rússia pela NATO. Os dois homens discutem durante um bom par de horas. Soljenitsin prodigaliza-lhe os seus conselhos sobre como “reorganizar a nossa Rússia”. Putin diz-lhe que vai ter em conta os conselhos sobre a autogestão do poder local.”

Soljenítsin decepcionou-se. Continua Michel Eltchaninoff: “Dois anos depois, porém, Soljenítsin mostra-se amargo: “Dei-lhe bons conselhos, mas ele não seguiu nenhum”, lamenta ele numa entrevista concedida ao Moscow News no início de 2002(…). O que não impede Putin de elogiar e citar frequentemente o seu novo amigo. Concede-lhe um prêmio de Estado em junho de 2007, proclamando: “Milhões de pessoas por todo o mundo ligam o nome e a obra de Aleksandr Issaevich Soljenítsin ao destino da própria Rússia.”

Michel Eltchaninoff cita vários filósofos lidos por Putin e levanta a questão: “Será Putin um apaixonado pela filosofia?”. Ele mesmo responde: “Nem pensar! O presidente prefere a história, a literatura e acima de tudo o desporto. Não é um intelectual. Adora contar histórias sobre a sua juventude como trapaceiro e espião, mais do que evocar os seus estudos na Faculdade de Direito de São Petersburgo”. 

Mas, o que quer Putin, ao final das contas, segundo Eltchaninoff? Ele quer que a Rússia lidere uma União Euroasiática (Europa e Ásia). Volte a ter a dimensão que teve a União Soviética. “A Rússia é um país original, porque parte do seu território está na Ásia e uma parte significativa na Europa. Na base da cultura russa estão, antes de mais, os valores cristãos. Nesse aspecto, a Rússia é um país europeu. Mas vivem no país 15 milhões de muçulmanos, e grande parte do território situa-se na Ásia. Também temos, portanto, os nossos interesses na Ásia”, declara Putin. 

Putin quer um “mundo russo”, onde serão considerados cidadãos todos os indivíduos russos residentes fora do país, inclusive os descendentes dos russos. “A Rússia, claramente, deve cuidar dos russos que vivem noutros estados, mesmo que não tenham cidadania russa”, diz Putin. E diz mais, segundo Michel Eltchaninoff: “Putin enfatiza a importância de proteger o cidadão russo em todo o lado, no país e fora das fronteiras dele”. 

Em resumo: o livro é esclarecedor, pois mostra a face de Putin, um homem que tenta se utilizar da política para submeter o mundo todo à vontade dele. Michel Eltchaninoff encontrou espaço para citar as jovens componentes do Pussy Riot, um grupo de rock que tem contestado Putin. O resultado da contestação foi a prisão e perseguição. “A  21 de fevereiro de 2012, durante a campanha de Putin pela Presidência, o grupo apresentou-se na Catedral Cristo Salvador de Moscou: “Maria Mãe de Deus está conosco no protesto”. As componentes, encapuzadas, foram presas numa colônia penal da Mordóvia. 

Publicado em Deixe um comentário

Os caçadores de ratos e de marajás. 

16.12.2023. 

O Senador Sérgio Moro rebolou para explicar as imagens do abraço efusivo que deu no colega Flávio, o Dino e a alegria com que fez isso. Ele não precisava explicar, pois “Inês é morta”. Os eleitores e admiradores dele já entenderam que ele é, e do que é capaz. 

Sérgio Moro tornou-se o símbolo do combate à corrupção, num momento em que isso teve algum significado para o povo brasileiro, assim como teve, no rol das profissões, a de caçador de ratos. Sim, houve um tempo em que eles faziam sucesso com as donas de casa. Atualmente, o povo brasileiro convive bem com os roedores, aceita que eles passem entre as suas pernas e até os visitam em seus esconderijos. Mas, no momento em que os ratos foram abominados e causavam asco, Sérgio Moro tornou-se um dos caçadores mais talentosos. 

O talento deu fama ao juiz e a fama antecedeu-lhe a vaidade. O cara ficou pimpão! Achou-se com autoridade para colocar o dedo na cara de qualquer um, fazer troça, sentenciar, prender e até torturar tendo os processos como meros detalhes. Ele ficou tão confiante que largou o ofício em busca de outro que lhe desse mais fama e mais prestígio. Foi ser ministro. 

Ele justificou o ato com uma cutucada no coração do povo, que a tudo estava disposto para combater os ratos. Afinal, aos olhos do povo, o juiz tinha duas qualidades essenciais para “emendar os latrocínios: o saber, para os apanhar, e o poder para os emendar”( Carta de um Anônimo a Dom Teodósio, príncipe de Portugal, exposta no livro A Arte de Furtar, obra que chegou às minhas mãos em 2005, com o prefácio de João Ubaldo, o imortal corajoso que em vida questionou-nos a todos: “Somos todos ladrões?”). Tanto o livro, como o artigo em separado merecem leitura. 

A soma de atitudes do juiz fez o povo sentir-se enganado. A empáfia do herói derreteu o enredo. O “caçador de ratos” tomou o rumo do “caçador de Marajás” na história. Tudo por vaidade. No fim das contas, os marajás continuam por aí e os ratos também. Uns e outros perderam o medo e partiram para cima dos seus caçadores.  

Flávio, o Dino, foi juiz; Sérgio Moro também. Flávio, o Dino, é senador. Sérgio Moro chegou lá. Sérgio Moro foi Ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio, o Dino, o é. Sérgio Moro quis ser membro do Supremo Tribunal Federal. Não conseguiu. Flávio, o Dino, sentará na cadeira em fevereiro. Flávio, o Dino preservou quem poderia colocá-lo lá. Sérgio Moro ajudou a destruir quem poderia fazer o mesmo por ele. 

Já que estamos a falar sobre vaidades, busquemos a ajuda do Pregador, autor de Eclesiastes. Ele ensina: “Quando o tolo vai pelo caminho, falta-lhe o entendimento; e assim, a todos mostra que é estúpido…Quem abre uma cova nela cairá…”. (Eclesiastes 10). 

Vocês têm notícia do caçador de Marajás? E do caçador de ratos? Eu soube que estão ambos no Senado Federal. É fato ou é fake? 

Publicado em

JAVIER VENCEU. E AGORA? 

02.12.2023. 

Se Javier Milei, Donald Trump e Jair Bolsonaro forem semelhantes em algo mais além da imagem cômica, já se tem claro o futuro do presidente eleito da Argentina. 

Ferino nas declarações sobre o presidente Lula durante a campanha, Milei estendeu a mão a ele com a proposta de conciliação. numa carta onde está dito:  “(…) que nosso tempo juntos como presidentes e chefes de governo seja uma etapa de trabalho frutífera e de construção de laços que consolidem o papel que Argentina e Brasil podem e devem desempenhar na comunidade internacional”. 

A carta mostra que Javier Milei não deseja ser o líder de uma seita, opção que fizeram Donald Trump e Jair Bolsonaro. Nisso pode estar a prova de que a semelhança entre os três é apenas pela fisionomia engraçada. 

No dia 22 de outubro, quando ainda corria o primeiro turno da eleição na Argentina, escrevi: “A Casta está com medo”, onde mostrei confiança na vitória dele e registrei: Para despedir de vez os políticos que derrotará, Javier Milei terá a necessidade de dialogar com os eleitores que derrotou sem perder os que conquistou, algo que só a estratégia como instrumento de trabalho na comunicação poderá garantir. 

Torço para que ele consiga. Jair Bolsonaro e Trump não conseguiram, pois preferiram espezinhar os eleitores vencidos por eles. Radicalizaram. O resultado está posto. 

Publicado em

Lula, gato escaldado. 

01 de dezembro de 2023. 

Reclama-se que Lula dê preferência aos advogados que lhe prestaram serviços e aos mais leais escudeiros, quando indica componentes para o Supremo Tribunal Federal. Mas, não se poderia esperar outro comportamento de quem, ao adotar um critério diferente, o da diversidade, encarou Joaquim Barbosa. Lembram? Lula obedece os ditos populares: “Seguro morreu de velho”, e “Gato escaldado tem medo de água fria”. 

Joaquim Barbosa foi escolhido por Lula e se tornou estrela de primeira grandeza quando Roberto Jefferson derrubou a porta do Palácio do Planalto e jogou alguns velhos companheiros pela janela. Lula quase foi. Por um fio, Lula sobreviveu. O histrionismo de Joaquim Barbosa levantou a nação brasileira e ela empurrou as decisões de todos os demais ministros da corte. De quase todos. Quem ousou argumentar contra as teses meio doidas de Joaquim Barbosa, apanhou do povo. Joaquim Barbosa foi o Zorro. Gilmar Mendes, o Capitão Garcia.  

Mas, se não bastasse ao Lula a figura do Joaquim Barbosa, ele tem o exemplo do antecessor Jair Bolsonaro, que indicou dois ministros para compor o Supremo Tribunal Federal e o resultado está posto. Os dois nem parece que foram indicados por ele.  

Lula aprendeu. Ele sabe que na Constituição Brasileira ( artigo primeiro, parágrafo único), todo o poder emana do povo e por ele é exercido diretamente ou por intermédio de seus representantes, para os agentes isso se dá de modo diferente. Para eles, todo o poder emana do Supremo Tribunal Federal e é, pelos ministros, exercido diretamente, sem representantes. Lula tem consciência disso e não precisa que os ministros Barroso e Gilmar fiquem repetindo isso como uma ladainha. 

O tempo passou e Joaquim Barbosa converteu-se à seita do Lula. Uma conversão tardia, que Lula desprezou por ser totalmente inútil. Lula tem noção de utilidade. Sabe como usar as pessoas em seu próprio benefício. E como sabe…

Publicado em

Será Javier ou Massa?Jair ou Lula? 

19 de novembro de 2023. Dia de eleição na Argentina. 

Hoje decide-se quem será o vencedor na disputa pela presidência da Argentina, Javier ou Massa e saberemos se aqui no Brasil Bolsonaro venceu Lula ou se Lula venceu Bolsonaro, uma vez que por aqui, no céu, na terra, no alto do mar, nos tribunais, nas igrejas e em todo canto, no inferno, inclusive, o mundo está resumido à saga dos dois. 

Torço por Javier. “Abrir-se com alguém, isto sim é coisa de louco”. Pirandello. 

Na Argentina, haverá críticas aos eleitores do candidato que vencer, assim como aos eleitores do candidato derrotado. Mas, é difícil, bem difícil mesmo, ser eleitor, porque para escolher um entre dois ou mais candidatos, os eleitores precisam ter tempo e liberdade para trabalhar as informações que recebem e criar uma relação de confiança com quem fornece as informações. Nesse ponto, as campanhas na Argentina cumpriram a tarefa. 

Seja Javier, seja Massa, a campanha na Argentina ampliou a dificuldade de escolha para os eleitores com a entrada da Inteligência Artificial, utilizada com criatividade cruel, tanto por Javier como por Sérgio. Mas, ninguém tentou fazer o trabalho do eleitor, impedindo o uso da ferramenta. 

Para Pirandello, “Assim é se lhe parece”, não existe verdade, mas pontos de vista e faz parte da indumentária humana o uso de diversas máscaras, cada uma para uma ocasião precisa. As campanhas eleitorais são assim, por definição. Elas são exercícios de magia. 

Os mágicos trabalham com técnicas teatrais, manuais e de psicologia para fazerem com que o público só veja o que lhes interessa mostrar. É trabalho dos mágicos entregarem um monte de informações ao mesmo tempo, para dar destaque exclusivamente às que precisam para obter sucesso. Os mágicos manipulam a percepção, assim como fazem os candidatos e seus ajudantes. 

Então, há um meio para facilitar a vida do eleitor de tal modo que ele tenha menos chances de errar ao escolher em quem votar? Há quem possa selecionar as informações para que os eleitores tenham acesso, exclusivamente, às confiáveis? Tem gente que acredita ter esse dom. Mas, é democrático decidir pelos eleitores quanto às informações que eles precisam ter para decidir? A imprensa? Evidente que não. Ela tem lado. Tem algum mal nisso? Não vejo. E se tiver, para isso não existe conserto.  

O jeito certo de ajudar o eleitor a decidir melhor é dar liberdade às campanhas, para chamar ao jogo outro mágico que denuncie os truques do concorrente, fato que no campo da comunicação tem nome: contraditório e contraponto. Os candidatos e seus adversários devem ter liberdade para oferecerem aos eleitores as informações que desejarem, deixando com o juízo do eleitor a decisão sobre quais usar e como usá-las no processo de decisão. 

Quando não há liberdade para as campanhas, mesmo com o uso da lei ou da Justiça com a lei e, por vezes até sem ela, como se faz por aqui com algo que apelidaram de fake news, o eleitor é tutelado, é castrado naquilo que o diferencia dos animais: a capacidade de decidir por si próprio com liberdade para formular as decisões que toma e acertar e errar por si mesmo. Ora, por que razão o exercício do voto está limitado às idades onde se pode pensar por si mesmo? Exatamente, para que a decisão seja consciente e não tutelada. 

Por isso, sou um eleitor inconformado com o tipo de campanha eleitoral que se tem no Brasil, onde quase todo tipo de exposição é proibido e a exposição autorizada é imbecil. Assisti muitas peças da campanha na Argentina, inclusive as que usaram a  Inteligência Artificial. Os candidatos que disputaram a eleição tiveram liberdade para expor suas qualidades e até para inventá-las como tiveram para expor os defeitos de seus adversários e até para criá-los. Por aqui, alguém, certamente, com a lei e com a Justiça que temos, iria censurar as peças e os veículos por onde elas seriam veiculadas. A Inteligência Artificial seria algo abominável, com certeza. A turma do Tribunal Eleitoral ficaria com medo de ser enganada. 

Como eleitor, desejo ter acesso às informações e resolver por mim mesmo a quais devo dar crédito, para depois de confrontá-las decidir a quem devo dar o meu voto ou se não devo escolher um entre todos. É esse o preço da democracia, que fugimos para não pagar. 

Publicado em

O MOVIMENTO “MSB”. 

14.11.2023. 

Eita! Vejam só a notícia publicada na primeira página do jornal Estado de São Paulo, no domingo: 

“Na elite da era espacial, a Índia, país das startups, sofre com falta de banheiros. Parte da população de 1,4 bilhão de pessoas no país das startups faz suas necessidades a céu aberto. O pouso na face oculta da Lua, realizado em agosto pela missão Chandrayaan-3, colocou a Índia na elite da corrida espacial e a inseriu num mercado que deve movimentar US$1 trilhão em 2040. Mas, no país de 1,4 bilhão de habitantes, que tem 90 mil startups e mais de 100 empresas unicórnio – aquelas avaliadas em mais de US$ 1 bilhão antes de abrir capital em bolsas de valores -, grande parte das pessoas mora em favelas, não têm acesso a banheiros e faz suas necessidades a céu aberto, informa o enviado especial Felipe Frazão. Em 2014, o governo lançou um plano para erradicar a prática, mas ela não foi extinta. Nas cidades de Agra, Nova Délhi, Faridabad e Hyderabad, o Estadão viu fezes humanas em calçadas e testemunhou pessoas urinando na beira da estrada.” 

Há, na Índia, de fato, 1 bilhão e 400 milhões de habitantes e 20 línguas diferentes. Novecentos milhões são eleitores e usam urnas eletrônicas com emissão de comprovante de voto. Um traço feito num dos dedos dos eleitores, com uma tinta que não se consegue tirar antes de 30 dias,  impede que eles votem mais de uma vez. E tem mais, para o exercício da soberania popular: a Comissão Eleitoral garante a existência de urnas eletrônicas a uma distância de pelo menos 2 quilômetros de cada comunidade, obrigação que implica o uso de uma logística dificílima, que envolve camelos, jumentos e escaladores de montanhas, mas que mesmo assim é rigorosamente observada.  

A democracia é, portanto, o regime vigente sustentado por um sistema parlamentarista bicameral. O povo escolhe pelo voto direto os membros das duas câmaras e parlamentares regionais, que juntos decidem quem preside o país. Na eleição de 2020 foi eleita uma mulher, Draupadi Murmu, a primeira oriunda de uma comunidade tribal. 

Então, está certo o autor da matéria. A população local prefere ir à Lua a ter banheiros e dá aos governos a obrigação de construir banheiros.  

Em 2014, diz a matéria, o governo instalou 100 milhões de banheiros para beneficiar 600 milhões de pessoas. Um banheiro para cada seis seres humanos. Tem-se, então, que para atender com banheiros os 157 milhões de habitantes, que cagam e urinam nas ruas e estradas, serão necessários pelo menos mais 26 milhões de banheiros. Ocorre que na Índia nascem, por ano, 23 milhões de pessoas, dado que exigirá do governo a construção de pelo menos 3.800.000 banheiros a cada ano. Na rotina dos gestores públicos brasileiros, mais de 3 milhões, quase 4, de oportunidades para inaugurações com corte de fitas. 

O Partido dos Trabalhadores teria lá um campo fértil para atuação, sendo oposição ou sendo governo. Como oposição poderia estimular a criação do MSB, Movimento dos Sem Banheiros. Se governo, teria a chance de criar o “Meu Banheiro, Minha Vida” e uma campanha publicitária: “Cagar e mijar com dignidade”, slogan em cores vermelhas e exibido numa bandeira com o número 13 estampado no centro. 

Deixo aqui a contribuição para o povo indiano. 

Publicado em

Adélio e Ronnie Lessa. A lei da compensação. 

29.10.2023. 

Só recentemente assisti ao documentário “Lei da Selva – A História do Jogo do Bicho”, obra da Globoplay, que estreou há mais de um ano, no dia 29 de abril de 2022, quando se deu a largada na disputa pela Presidência da República. Os autores do trabalho levam os espectadores para um ambiente onde estão ligados o jogo do bicho, as milícias, o ex-presidente Jair Bolsonaro, o filho dele, Flávio e o assassinato da vereadora Marielle Franco. Só no final, fica-se sabendo que o documentário representa uma homenagem à vereadora.  A percepção é de ser um documentário propositadamente exibido no tempo da campanha presidencial para influenciar o resultado. 

Desconheço se naquele momento a Justiça Eleitoral foi provocada para impedir a veiculação do documentário, mas se foi e decidiu deixar correr, fez bem, pois observou o que diz a Constituição Brasileira, que registra, expressamente: “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. De modo diferente, no entanto, decidiu a Justiça Eleitoral, quando o canal Brasil Paralelo anunciou o documentário, “Quem mandou matar Jair Bolsonaro”. O TSE proibiu a exibição até a proclamação do resultado da eleição e puniu o canal com a suspensão do fluxo financeiro que o mantém de pé. É dispensável dizer mais qualquer coisa para entender as frases polêmicas, “perdeu mané” e “vencemos o Bolsonarismo”.  

“Lei da Selva – A História do Jogo do Bicho” dá sentido às tormentas do povo carioca com as milícias. Nele se vê materializada a coragem de uma mulher que não mediu riscos para interromper a valsa livre nos salões da elite carioca da turma que comanda o jogo do bicho. A sentença de Denise Frossard sacudiu a hipocrisia da elite e da classe política carioca, mas não deu jeito nela. Aí estão as milícias a frequentar os mesmos salões. O documentário não toca no tráfico de drogas. Sabe-se lá o motivo.

“Quem mandou matar Jair Bolsonaro” foi exibido após a proclamação do resultado da eleição para a Presidência da República, como desejou a Justiça Eleitoral. A dúvida sobre o mandante do assassinato do candidato à Presidência dá sentido ao documentário e faz o contraponto com outra interrogação: quem remunerou Ronnie Lessa, o matador de aluguel, para que ele assassinasse a vereadora? 

No fim das contas, os dois documentários se compensam e em conjunto explicam como funcionam no Brasil, a Justiça, os crimes e a investigação quando se misturam com a política. É a lei da compensação, que o povo brasileiro ainda não compreende como funciona.  O confuso escritor Ralph Waldo Emerson, pelo menos nisso mostrou convicção: “Tudo na vida e na natureza gira em torno da dualidade e se compensa”. Nada melhor do que isso para um povo que se sente bem num ambiente polarizado.