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OBRIGADO, JOSÉ SAUD

Jackson, 12 de outubro de 2024

Sem muito desejar o trabalho com campanhas eleitorais, depois de ter participado de 30 desde 1982, bateu na minha porta o convite para a campanha de reeleição do Prefeito de Taubaté e lá fui eu.

Foi um trabalho árduo durante todo o tempo e o resultado foi ruim. Contudo, conheci um ser humano que tem poucos semelhantes na política. Os bons seguem desaparecendo porque os eleitores votam por votar e municiados com ódio. Em um ambiente assim, prevalece a irracionalidade.

Quero deixar aqui o meu depoimento sobre José Saud, Prefeito de Taubaté. Ele é um ser humano que a política leva tempo para compreender, mas que um dia, ao olhar para trás, entenderá, certamente, com arrependimento. Ele diz que não é político. Eu discordo. Ele representa a política sadia, onde a paixão pelas pessoas que precisam dele está na flor da pele e onde os conflitos são resolvidos sempre de forma pacífica, sem rancor e sem ódio. Por mais ingratos que fossem os que dele receberam gestos de confiança, ele nunca, nunca mesmo, os destratou ou demonstrou mágoas.

Por ser bom, ele acredita que todos são capazes de uma bondade simples: honrar o que combinam, mas quase nunca é assim.

Muitas vezes, pensei sugerir a ele que desse a alguns um tratamento diferente. Parei, pensei e concluí que seria inútil. Ele é incapaz de devolver as ingratidões ou de articular estratégias para destruir alguém. Até mesmo, com relação ao Ortiz Júnior que lhe fez todo o mal, ele nunca levantou acusações pessoais. Tudo o que Saud fez foi com o intuito de colocar a verdade na pauta e Ortiz esteve nela por representar o outro lado da verdade: a mentira.

Numa das suas melhores obras, Machado de Assis criou Quincas Borba e construiu um diálogo entre Quincas e Rubião, que ouso usar aqui para traduzir o sentimento que guardo da minha participação na campanha do Saud:

“Ah, meu caro Rubião, isto de política pode ser comparado à paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo; não falta nada, nem o discípulo que nega, nem o discípulo que vende, coroa de espinhos, bofetadas, madeiro, e afinal morre-se na cruz de ideias, pregado pelos cravos da inveja, da calúnia e da ingratidão”.

Gosto tanto dessa passagem que com ele escrevi um livro: “Isto de política, meu caro…Uma vida pela democracia”, sobre outro herói da política com quem vivi grandes momentos da trajetória do Brasil do tempo dos generais até o retorno da democracia. Tudo isso, entremeado por várias campanhas eleitorais que deram solidez à minha paixão. Escrevi sobre Rubem Medina.

Bem, sou muito grato ao Saud, por ele ter feito reviver em mim a paixão pela política, que andava morna no meu coração.

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É PRECISO MUITO CUIDADO

Jackson, 7 de outubro de 2024

O momento do encontro do eleitor com a urna é delicadíssimo. Qualquer passo em falso pode provocar um tombo. Assim aconteceu na véspera da eleição para a Presidência da República em 2022. Os aliados de Jair Bolsonaro, Roberto Jefferson e Carla Zambelli produziram cenas que, certamente, mexeram com o sentimento dos eleitores indecisos. 

Este ano deu-se o mesmo com a campanha do candidato à Prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal. Ele abriu bem a campanha, conseguiu dominar o cenário durante quase todo o tempo, até que extrapolou os limites da arrogância engraçada para a arrogância insuportável. Mas, ainda assim, mantinha-se com certa vantagem para uma disputa com dois turnos. 

Na reta final, Marçal apareceu com um atestado para reafirmar a acusação que vinha fazendo ao Boulos de ser viciado em cocaína. Em poucos minutos a farsa caiu, provando-se que o atestado era um estelionato. Certamente, o fato tirou Marçal do segundo turno. 

Como política é um cipoal de fatos repetidos, muitos até iguais, lembro aqui do episódio de 1988 que, em razão do assassinato de operários da CSN, em Volta Redonda, por tropas do Exército, com repercussão nacional, Luiza Erundina, uma candidata com tendência para a derrota, terminou por ser eleita Prefeita de São Paulo. 

Os momentos próximos do dia da eleição são momentos bem delicados. Um erro derruba todo o prédio. 

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A DEMOCRACIA CONVENIENTE

Jackson.  09 de setembro de 2024

O ex-presidente Jair Bolsonaro voltou à Avenida Paulista, em 7 de setembro, com o propósito de sempre queixar-se do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, dando ao evento o apelido de ato em defesa da democracia. Jair Bolsonaro discursava quando alguém, ao longe, provavelmente na mesma avenida, começou a gritar palavras de ordem. Jair Bolsonaro bradou: “Se for possível parar esse som, a gente agradece, ou então eu peço para alguém sabotar; arrancar o cabo da bateria desse carro. Se esse picareta quiser fazer um evento, anuncie, convoque o povo e faça. Não atrapalhe pessoas que estão lutando por algo muito sério em nosso país.”

O “chato” continuou. Jair Bolsonaro também: “Desculpe. Eu não sou o governador, mas eu peço a PM: arranquem o cabo da bateria desse carro. Essa é uma atitude canalha. Vagabundo, que não tem compromisso com o seu país. Quer fazer política, vá fazer em outro lugar”. O cara não parou. Jair Bolsonaro afastou o microfone para dizer: “É foda, cara, é foda!” Ao lado dele, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, falava ao telefone, certamente, homologando o comando antecipado pelo ex-presidente.

Moral da história: Para bastante gente, a democracia ideal é a democracia sem o contraditório. Mas, nisso, esbarramos numa questão: é certo definir como democracia um regime onde não se autoriza o contraditório?

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O “CARA” É UM SÁDICO IMBECIL. 

19.02.2024. 

No encontro dos países do G-20 em 2017, Barack Obama, naquele tempo, presidente dos Estados Unidos, referiu-se a Lula, presidente do Brasil, numa roda de chefes de Estado, do seguinte modo: “Esse é o cara! Eu adoro esse cara! Ele é o político mais popular da Terra”. Lembrei-me da passagem, quando me deparei, hoje, com a declaração desse “cara” sobre Gaza, Genocídio, Hitler e Judeus. 

Pedi socorro ao escritor Amós Oz. Ele disse, na palestra que fez na manhã do dia seguinte aos ataques terroristas em Paris, no ano de 2015: “Tenho mantido uma discussão amarga com um compatriota muito famoso e meu correligionário judeu, Jesus Cristo, que diz: “Perdoa-lhes Pai, pois eles não sabem o que fazem”. Às vezes concordo com a primeira parte da sentença, a parte do perdão, mas eu rejeito energicamente a segunda parte, que implica que devamos ser todos, ou a maioria de nós, perdoamos porque somos moralmente imbecis. Não somos. Sabemos o que significa a dor. Sabemos que é errado infringir a dor. Toda e cada vez que infligimos dor aos outros, sabemos o que estamos fazendo”. 

Lamentavelmente, o “cara”, razão do apreço do Presidente Obama é hoje, comprovadamente um imbecil sádico. Em que ponto da história do Lula se deu a transformação? 

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“Sexta-Feira, 13…”

14 de fevereiro de 2024. 

“Passado o episódio do Estado de Sítio, parecia que o Presidente João Goulart iria nortear o seu Governo mais para o predomínio do fato administrativo, sobrepondo-se ao fato político que já consumira mais de metade do seu mandato…JK havia sacudido o país de norte a sul com obras monumentais, Jânio Quadros foi apenas o ético, consumindo todos os seus sete meses  de Governo com inquéritos e bilhetinhos. Em mais de um ano de governo parlamentarista, o Presidente não marcara nenhum tento administrativo. Estava na estaca zero…”. Essas são passagens do livro que ocupou o meu tempo no carnaval: “Sexta-Feira, 13 – Os últimos dias do Governo João Goulart”, do deputado Abelardo Jurema, que foi Ministro da Justiça naquele tempo. Eu consegui a obra no sebo Estante Virtual. 

No livro, “Seu Jurema” dedicou um capítulo ao momento em que o Presidente João Goulart decidiu colocar o Brasil em Estado de Sítio, em resposta às greves e à entrevista ofensiva aos militares concedida pelo governador da Guanabara, Carlos Lacerda. Jango tentou, mas depois das reações do Congresso Nacional e dos governadores, desistiu. Há poucos dias, voltou-se a falar em Estado de Sítio, sendo agora uma tentativa atribuída ao ex-presidente Jair Bolsonaro, nas confusões armadas em torno dele. A imprensa divulgou que a Polícia Federal encontrou uma minuta de um documento destinado a decretar Estado de Sítio, na sala que o ex-presidente ocupa na sede do PL. 

Quem examina a história da política no Brasil verifica que ela é uma repetição cansativa de maquinações de quem está no poder para manter-se nele e de quem está fora dele para lá chegar sem considerar a vontade do povo. Jango foi eleito duas vezes Vice-Presidente da República. No tempo dele, os vice-presidentes não participavam das chapas dos presidentes como acontece atualmente, O povo escolhia os presidentes e quem ele desejaria que governasse o Brasil na falta do selecionado. Hoje, um é eleito grudado no outro. Bem, Jango foi eleito, primeiro, para ser vice-presidente de Juscelino, momento em que viveu a paz oferecida pelo titular. “Houve tropeços, houve ranhuras, houve mal-entendidos, tudo, porém, facilmente corrigido e neutralizado pelas lideranças partidárias”, relata “Seu Jurema”. A segunda experiência de Jango como Vice-Presidente levou-o à Presidência pela renúncia de Jânio Quadros, numa trajetória tumultuada em que militares e Congresso Nacional fizeram de tudo para que não se cumprisse. Uma vez presidente, primeiro num parlamentarismo arranjado e depois num presidencialismo muito próprio dos brasileiros, Jango foi defenestrado pelos mesmos agentes: Congresso e Caserna. “Seu Jurema” conta que, “num dos momentos de depressão, o presidente chegou a me dizer: “Não sei, Seu Jurema, como Juscelino ainda quer voltar para isto aqui”. 

A Constituição? Ah! minha gente, essa nunca teve valor, nem naquele tempo, nem na Monarquia e menos ainda hoje em dia. Assim segue a nossa relação com a política. A relação dos imperadores e dos presidentes com a política sempre foi cruel, pois dele o povo quase nunca está presente. Quem queira conferir que vá à história de cada um deles. 

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“NA CABEÇA DE PUTIN”. 

01.01.2024. 

Abri o novo ano encerrando a leitura do livro “Na cabeça de Putin”, escrito por Michel Eltchaninoff, doutor em filosofia e especialista na história do pensamento russo.  Eu li o livro com paciência e pesquisas e como se assistisse a uma série, capítulo após capítulo – são dez. Ao me dar o livro de presente, Denise Frossard abriu-me a oportunidade de tê-lo como a continuidade de outro livro, bom também, “Os sete chefes soviéticos”, este escrito por um general russo, Dmitri Volkogonov. Li “Os sete chefes” há bastante tempo. O general passeia pela vida e experiência de governo de Lênin, Stalin, Khrushchev, Brejnev, Andropov, Chernenko  e Gorbachev. Ele os define no prólogo: 

“Todos os sete chefes vieram das províncias. Nenhum deles emergiu de organizações do partido de Moscou ou de São Petersburgo. O provincialismo tende a ser conservador e ortodoxo. Nenhum deles era um proletário “puro” de origem, mesmo que todos reconhecessem e exaltassem o papel de ponta da classe operária. Mas, não foi a classe operária que governou, e sim uma “partidocracia” burocrática que rapidamente se formou. Os chefes sempre mantiveram grande distância dos trabalhadores, dos camponeses e da intelligentsia, exatamente por terem saído da profundeza do núcleo dos “partidocratas profissionais”. Afora o último deles,(Gorbachev) o nível intelectual, educacional e cultural dos chefes foi baixo. Mesmo Lênin, sem dúvida uma cabeça poderosa, em termos intelectuais foi estritamente unidimensional; cabeça puramente política, o que por certo muito o empobreceu como pessoa. Tinha pouco apreço pela cultura russa e por seus expoentes”. 

A leitura do livro presenteado pela Denise provocou-me o desejo de conhecer um pouco mais sobre Boris – ir além das notícias e dos fatos de fácil localização pelo Google –  uma vez que Putin chegou ao poder por ele e após a renúncia dele. Li, então, a biografia feita pelo putinista Vladimir Solovyov e pela jornalista Elena Klepikova. Vladimir é defensor da III Guerra Mundial, (evidentemente garantida a vitória da Rússia) é favorável à invasão plena da Ucrânia e à recuperação da União Soviética pela reconquista dos países, que se separaram. Boris, primeiro presidente eleito diretamente pelo povo russo, se deu mal e, antes de encerrar o segundo mandato, renunciou e entregou o poder a Putin, seu primeiro-ministro. 

Putin é mais letrado que seus colegas. É cínico. Conservador, religioso, leitor de Dostoiévski, de Kant e de Soljenitsin. Isso mesmo. Leitor e admirador do autor de O Arquipélago Gulag, que ao retornar do exílio foi recebido por Putin em casa. Relata Michel Eltchaninoff: “Apesar das reservas de Soljenítsin em relação a esse homem, um puro produto do regime soviético, da sua nomenklatura, da violência política do KGB, o escritor é partidário de um poder forte e de uma via específica para a Rússia. Não quer que a democracia russa se torne uma mera cópia do modelo ocidental. Preocupa-se com o “cerco” da Rússia pela NATO. Os dois homens discutem durante um bom par de horas. Soljenitsin prodigaliza-lhe os seus conselhos sobre como “reorganizar a nossa Rússia”. Putin diz-lhe que vai ter em conta os conselhos sobre a autogestão do poder local.”

Soljenítsin decepcionou-se. Continua Michel Eltchaninoff: “Dois anos depois, porém, Soljenítsin mostra-se amargo: “Dei-lhe bons conselhos, mas ele não seguiu nenhum”, lamenta ele numa entrevista concedida ao Moscow News no início de 2002(…). O que não impede Putin de elogiar e citar frequentemente o seu novo amigo. Concede-lhe um prêmio de Estado em junho de 2007, proclamando: “Milhões de pessoas por todo o mundo ligam o nome e a obra de Aleksandr Issaevich Soljenítsin ao destino da própria Rússia.”

Michel Eltchaninoff cita vários filósofos lidos por Putin e levanta a questão: “Será Putin um apaixonado pela filosofia?”. Ele mesmo responde: “Nem pensar! O presidente prefere a história, a literatura e acima de tudo o desporto. Não é um intelectual. Adora contar histórias sobre a sua juventude como trapaceiro e espião, mais do que evocar os seus estudos na Faculdade de Direito de São Petersburgo”. 

Mas, o que quer Putin, ao final das contas, segundo Eltchaninoff? Ele quer que a Rússia lidere uma União Euroasiática (Europa e Ásia). Volte a ter a dimensão que teve a União Soviética. “A Rússia é um país original, porque parte do seu território está na Ásia e uma parte significativa na Europa. Na base da cultura russa estão, antes de mais, os valores cristãos. Nesse aspecto, a Rússia é um país europeu. Mas vivem no país 15 milhões de muçulmanos, e grande parte do território situa-se na Ásia. Também temos, portanto, os nossos interesses na Ásia”, declara Putin. 

Putin quer um “mundo russo”, onde serão considerados cidadãos todos os indivíduos russos residentes fora do país, inclusive os descendentes dos russos. “A Rússia, claramente, deve cuidar dos russos que vivem noutros estados, mesmo que não tenham cidadania russa”, diz Putin. E diz mais, segundo Michel Eltchaninoff: “Putin enfatiza a importância de proteger o cidadão russo em todo o lado, no país e fora das fronteiras dele”. 

Em resumo: o livro é esclarecedor, pois mostra a face de Putin, um homem que tenta se utilizar da política para submeter o mundo todo à vontade dele. Michel Eltchaninoff encontrou espaço para citar as jovens componentes do Pussy Riot, um grupo de rock que tem contestado Putin. O resultado da contestação foi a prisão e perseguição. “A  21 de fevereiro de 2012, durante a campanha de Putin pela Presidência, o grupo apresentou-se na Catedral Cristo Salvador de Moscou: “Maria Mãe de Deus está conosco no protesto”. As componentes, encapuzadas, foram presas numa colônia penal da Mordóvia. 

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Será Javier ou Massa?Jair ou Lula? 

19 de novembro de 2023. Dia de eleição na Argentina. 

Hoje decide-se quem será o vencedor na disputa pela presidência da Argentina, Javier ou Massa e saberemos se aqui no Brasil Bolsonaro venceu Lula ou se Lula venceu Bolsonaro, uma vez que por aqui, no céu, na terra, no alto do mar, nos tribunais, nas igrejas e em todo canto, no inferno, inclusive, o mundo está resumido à saga dos dois. 

Torço por Javier. “Abrir-se com alguém, isto sim é coisa de louco”. Pirandello. 

Na Argentina, haverá críticas aos eleitores do candidato que vencer, assim como aos eleitores do candidato derrotado. Mas, é difícil, bem difícil mesmo, ser eleitor, porque para escolher um entre dois ou mais candidatos, os eleitores precisam ter tempo e liberdade para trabalhar as informações que recebem e criar uma relação de confiança com quem fornece as informações. Nesse ponto, as campanhas na Argentina cumpriram a tarefa. 

Seja Javier, seja Massa, a campanha na Argentina ampliou a dificuldade de escolha para os eleitores com a entrada da Inteligência Artificial, utilizada com criatividade cruel, tanto por Javier como por Sérgio. Mas, ninguém tentou fazer o trabalho do eleitor, impedindo o uso da ferramenta. 

Para Pirandello, “Assim é se lhe parece”, não existe verdade, mas pontos de vista e faz parte da indumentária humana o uso de diversas máscaras, cada uma para uma ocasião precisa. As campanhas eleitorais são assim, por definição. Elas são exercícios de magia. 

Os mágicos trabalham com técnicas teatrais, manuais e de psicologia para fazerem com que o público só veja o que lhes interessa mostrar. É trabalho dos mágicos entregarem um monte de informações ao mesmo tempo, para dar destaque exclusivamente às que precisam para obter sucesso. Os mágicos manipulam a percepção, assim como fazem os candidatos e seus ajudantes. 

Então, há um meio para facilitar a vida do eleitor de tal modo que ele tenha menos chances de errar ao escolher em quem votar? Há quem possa selecionar as informações para que os eleitores tenham acesso, exclusivamente, às confiáveis? Tem gente que acredita ter esse dom. Mas, é democrático decidir pelos eleitores quanto às informações que eles precisam ter para decidir? A imprensa? Evidente que não. Ela tem lado. Tem algum mal nisso? Não vejo. E se tiver, para isso não existe conserto.  

O jeito certo de ajudar o eleitor a decidir melhor é dar liberdade às campanhas, para chamar ao jogo outro mágico que denuncie os truques do concorrente, fato que no campo da comunicação tem nome: contraditório e contraponto. Os candidatos e seus adversários devem ter liberdade para oferecerem aos eleitores as informações que desejarem, deixando com o juízo do eleitor a decisão sobre quais usar e como usá-las no processo de decisão. 

Quando não há liberdade para as campanhas, mesmo com o uso da lei ou da Justiça com a lei e, por vezes até sem ela, como se faz por aqui com algo que apelidaram de fake news, o eleitor é tutelado, é castrado naquilo que o diferencia dos animais: a capacidade de decidir por si próprio com liberdade para formular as decisões que toma e acertar e errar por si mesmo. Ora, por que razão o exercício do voto está limitado às idades onde se pode pensar por si mesmo? Exatamente, para que a decisão seja consciente e não tutelada. 

Por isso, sou um eleitor inconformado com o tipo de campanha eleitoral que se tem no Brasil, onde quase todo tipo de exposição é proibido e a exposição autorizada é imbecil. Assisti muitas peças da campanha na Argentina, inclusive as que usaram a  Inteligência Artificial. Os candidatos que disputaram a eleição tiveram liberdade para expor suas qualidades e até para inventá-las como tiveram para expor os defeitos de seus adversários e até para criá-los. Por aqui, alguém, certamente, com a lei e com a Justiça que temos, iria censurar as peças e os veículos por onde elas seriam veiculadas. A Inteligência Artificial seria algo abominável, com certeza. A turma do Tribunal Eleitoral ficaria com medo de ser enganada. 

Como eleitor, desejo ter acesso às informações e resolver por mim mesmo a quais devo dar crédito, para depois de confrontá-las decidir a quem devo dar o meu voto ou se não devo escolher um entre todos. É esse o preço da democracia, que fugimos para não pagar. 

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“A CASTA ESTÁ COM MEDO!”

22.10.2023. Jackson Vasconcelos 

Hoje tem eleição para presidente na Argentina. Três candidatos concorrem no primeiro turno, pois a legislação eleitoral de lá é mais inteligente que a nossa. Lá há prévias para que sejam expurgados os candidatos sem tamanho para a disputa. 

Pensa bem, gente, que maravilha será para a Argentina se a “casta política inútil e parasitária” do país estiver mesmo com medo do povo e, pelo medo, bater de vez em retirada, como proclama Javier Milei, candidato favorito à presidência da república. Pode ser que batam em retirada, afinal o presidente Alberto Fernández, a Vice, Cristina Kirchner e o ex-presidente Maurício Macri  desistiram de concorrer.

Pode ser também que a desistência seja uma estratégia que tenha como objetivo permitir que o povo coloque na presidência alguém que Fernández, Cristina e Macri julguem louco o suficiente para entornar o caldo de vez. Se isso acontecer, eles acreditam que o povo os  chamará de volta. A chance de sucesso do “pior” é o “pior ainda mais”. Os cariocas conhecem bem a estratégia, pois com ela Eduardo Paes construiu o retorno à prefeitura do Rio. 

Contudo, é possível que Fernández, Cristina e Macri estejam errados. Afinal, não se pode tomar um louco só pela cabeleira. Tudo indica que Javier Milei encontrou o discurso para vencer: devolver o Estado ao povo, decisão que ele sintetiza no grito de guerra: “Libertad!” O grito deu nome ao partido, “La Libertad Avanza”, que Javier precisou criar, por não contar com os existentes. Fez o que, por aqui, fizeram Brizola, Lula, Fernando Henrique, Marina Silva e outros. 

Javier faz uma campanha que tem estratégia. A campanha para deputado federal criou os instrumentos com os quais Javier e a equipe dele abriram caminho para a presidência. Tudo na campanha partiu do discurso inicial: 

  1. Slogan e grito de guerra, 
  2. A escolha do símbolo (Leão), que aproveita a cabeleira do candidato: “Eu não entrei nisso para pastorear cordeiros. Eu entrei nisso para despertar leões”. 
  3. Posicionamento: “E quando trouxermos os ideais de liberdade, o que o establishment nos dirá? O que os políticos nos dirão? O que os empresários gananciosos dirão? Que isso não é possível. Para o inferno o “não é possível”. 

Certamente, Javier vencerá a eleição. Mas, para despedir de vez os políticos que ele derrotará, Javier Milei terá a necessidade de dialogar com as forças políticas que ele execrou na campanha e contar plenamente com o apoio e pressões dos eleitores que lhe darão o mandato. Ele não poderá desperdiçar um dos apoios sequer, que recebeu para vencer. 

O ex-presidente Jair Bolsonaro declarou apoio a Javier Milei e pode ser-lhe útil, não só pelo que fez, mas pelo que deixou de fazer e pelas lições que recebeu daquilo que fez atabalhoadamente, sem estratégia, com ódio e demonstração de apoio ao fanatismo, exatamente, faz o presidente Lula no momento. 

Na palestra que fez no dia seguinte aos atos terroristas acontecidos em Paris no ano de 2015, o escritor Amós Oz, comentando sobre o fanatismo, afirmou. “Ideias ruins têm de ser superadas por ideais melhores…Afinal não se pode bater numa ferida que sangra para fazê-la parar de sangrar ou para fazê-la deixar de ser uma ferida…”. Lula e Bolsonaro batem nas nossas feridas sem dó nem piedade. E por isso, uma parte de nós odeia um e a outra parte odeia o outro. 

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“Picadeiro de qualidade”

02.10.2023.

De novo? Novamente, o governo federal aparece com um programa para combater as organizações criminosas, o Enfoc, que prevê R$900 milhões em investimentos para atuação em cinco eixos principais: “integração institucional e informacional; eficiência dos órgãos policiais; portos, aeroportos, fronteiras e divisas; eficiência da Justiça Criminal e cooperação entre União, Estados, Municípios e órgãos estrangeiros.”  E há um tempo estabelecido para a apresentação das metas, investimentos e estratégias: 60 dias. Não pode ser algo sério. Por que não entregam o pacote completo? Porque pode ser que em 60 dias, a onda já tenha quebrado na praia e o governo dedique seu tempo a outros temas mais caros a ele, como acontece com a rotina de nomear e exonerar gente para a máquina pública. 

Tomei conhecimento do projeto ao ler ontem, domingo, o Estadão. O editor deu à notícia destaque na primeira página e pelo modo como construiu a manchete, ele também não acredita que o programa tenha algum resultado. Ele escreveu: “Pressionado, governo lança plano para tentar conter facções”. O “tentar” diz tudo sobre a esperança do editor no sucesso da proposta. O “pressionado”, mostra o modo como funciona um governo que não planeja. Ele não está sozinho. O histórico de programas e projetos que visam só tirar a União do tema não autoriza o crédito. 

O Ministro Super-Herói, Flávio, o Dino, para rebater as críticas que tem recebido afirmou que no pouco tempo em que está na equipe do Presidente Lula conseguiu reduzir as armas, desmontar o garimpo ilegal e tem dado apoio às vítimas de violência. Citou também a visita que fez a 21 estados para entregar equipamentos e liberar recursos para os governadores. Não dá para levar isso a sério! 

Bem que Deus avisou que a relação entre os agentes do Estado e a sociedade seria desse modo, mas ninguém quis ouvir. Disse Deus, quando respondeu ao desejo do povo de Israel de ter um rei: “Este será o costume do rei que houver de reinar sobre vós: (…). Ele tomará o melhor das vossas terras, e das vossas vinhas, e dos vossos olivais, e os dará aos seus servos. E as vossas sementes, e as vossas vinhas dizimará, para dar aos seus oficiais (…)”. Ao Estado tudo; à sociedade, a conta. 

Thomas Hobbes deu ao Estado a representação correta de um monstro marinho, o Leviatã,  que no livro de Jó está descrito com um alerta: “Eis que é vã a esperança de apanhá-lo; pois não será o homem derrubado só ao vê-lo? Ninguém é tão atrevido, que a despertá-lo se atreva…”(Jó 41: 9 e 10). Para Hobbes o Estado só tem uma finalidade, uma só: garantir a segurança de quem renunciou a muita coisa para poder dormir em paz. Quando o Estado não garante a Segurança Pública – diz Hobbes – ele rompe o contrato que tem com a sociedade que, então, fica liberada para não cumprir a parte que lhe cabe. Quem dera, pudéssemos agir assim. Por aqui, nem criticar se está mais autorizado. Confrontado, o agente do Estado responde: “Perdeu mané. Não amola!”. 

No Brasil, com relação à segurança vivemos no “Estado de Natureza”, definido por Hobbes, onde o desejo e a força são suficientes para a satisfação de todas as vontades dos indivíduos. Tempo vai, tempo vem, e ninguém na União move uma palha para, de verdade, melhorar a qualidade das polícias, das investigações e desarmar os criminosos. 

O lançamento do programa ENFOC será só mais um dia de espetáculo no picadeiro montado em Brasília, pois a União foge às léguas da obrigação que deveria ter. Flávio, o Dino, deixou claro: “O governo não concorda com teses absurdas que propõem a federalização da segurança pública em todo o país”. Para a União quase todos os crimes são estaduais. Federais são somente aqueles ainda não tipificados pela lei, chamados de atos golpistas e antidemocráticos. 

Flávio, o Dino, encerrou a entrevista na CNN Brasil com uma pérola: “Para melhor aquilatar o que isso significa, sugiro comparar com outros momentos do Ministério da Justiça, onde criminosos lá habitavam ou eram lá protegidos…”. Desnecessário comentar.  

A União abriga malabaristas, engolidores de fogo, palhaços e trapezistas. Por isso, defendo que “O Circo”, uma das belezas compostas por Nara Leão, seja o nosso Hino Nacional. Faz mais sentido, no momento, que o louvor à liberdade composto por Duque Estrada.  

Enfim, sigamos.  

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UM GENERAL PARA CHAMAR DE SEU. 

27 de setembro de 2023. .

Ontem foi dia de ouvir o General Heleno, ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, quando Jair Bolsonaro foi presidente. Bem antes, no dia 31 de agosto, lá compareceu o General Gonçalves Dias, na intimidade, G.Dias, também ex-ministro-chefe do Gabinete Institucional da Presidência da República, nos governos do Presidente Lula. Heleno deixou o cargo quando Bolsonaro saiu da Presidência. G. Dias foi exonerado por ter sido flagrado estimulando a baderna. 

Divididos nas sessões da CPMI-8, os exércitos de ambos cumpriram o papel que lhes cabia de elogiar o general companheiro e esculhambar o general adversário. Em meio aos elogios e acusações, foram citados outros generais, coronéis e militares de outras patentes.  Alguns deles também chamados para prestar esclarecimentos aos enraivecidos torcedores de um lado e de outro. 

Enquanto assistia o depoimento do General Heleno, ainda tendo na lembrança a apresentação do General G. Dias, recorri a um livro – um bom trabalho – publicado pela editora Mauad em 2007: “O Uso Político das Forças Armadas e outras questões militares”. O livro me foi presenteado pelo autor, João Rodrigues Arruda, professor e promotor da Justiça Militar. O Dr. João foi-me apresentado pelo jornalista Maurício Dias, um grande amigo. 

O Dr. João faleceu poucos anos depois da publicação do livro, que recebi autografado por ele com um alerta: “Dê atenção especial, meu caro, ao capítulo sobre o “Tribunal Penal Internacional (Os réus assinalados)”. Com disciplina atendi. No capítulo, o Dr. João, com mais vigor do que no resto do trabalho, defende a existência da Justiça Militar, naquele tempo, contestada por ministros do STF, um deles, o decano Celso de Mello. O Dr. João não está mais por aqui, tempo em que o Tribunal Penal Internacional voltou a ter existência na mídia local e os ministros do STF…bem, deixa pra lá. 

Brilhante, Dr. João navegou por várias searas e ao fazer isso levantou questões que se ajustam como uma luva de tamanho certo às cenas oferecidas ao público pela CPMI-8, no momento das oitivas dos generais. Cabe lembrar que os dois compareceram como testemunhas, sabe lá exatamente de quê. Mas, certamente, testemunharam o resultado da falta de atenção deles com as recomendações do Dr. João, para que ficassem fora da política. Ele que abre a obra com a “Ciranda das Vivandeiras”, inspirado em Karl von Clausewitz: 

“Certamente Clausewitz, apesar de ter vivido numa época em que as guerras ainda não tinham o caráter nacional, ao escrever “Vom Kriege”, no século XIX e sob o impacto das guerras napoleônicas, interpretou a política nacional como os interesses de um estado em relação a outros estados soberanos(…). “Não imaginava Clausewitz que, nas longínquas terras brasileiras, a gente da guerra seria também utilizada no âmbito interno para atender a interesses políticos partidários e de oligarquias, manipulada pela astúcia das elites”. O Dr. João encerra o primeira página do seguinte modo: 

“Para os políticos nenhuma consequência, mas para os militares, que se deixaram ingenuamente seduzir e foram manipulados por políticos, as consequências foram danosas(…). Com os que os manipulam nada aconteceu”. 

Poderia eu parar o texto por aqui. Contudo, com segunda intenção, cito o capítulo em que o Dr. João descreveu a “Guerra na Rocinha”. Afinal, sou parte do povo de uma cidade que já assistiu vezes sem conta, o desmoronamento da imagem das Forças Armadas, por terem os generais atendido à convocação dos presidentes para resolver um problema que parece insolúvel pela qualidade das políticas aplicadas à Segurança Pública:  o crime nas ruas. 

A “Guerra na Rocinha”, citada pelo Dr. João, aconteceu na Semana Santa de 2004. Naquele ano, Lula estava na Presidência da República, a senhora Rosinha Garotinho estava no governo, Anthony Garotinho, na Secretaria de Segurança e o General Jorge Félix, no gabinete que depois foi ocupado pelos colegas G. Dias e Heleno. Denise Frossard preparava-se para a disputa pelo governo do estado, eleição que Sérgio Cabral venceu com a ajuda do político Eduardo Paes, senhor de todas as próprias conveniências. 

Em fevereiro de 2016, ainda como consequência da decisão dos eleitores na eleição de dez anos antes, o Presidente Michel Temer determinou que as Forças Armadas dessem um jeito na segurança do Rio de Janeiro. Não deram. 

Não direi sobre o livro para não fazer spoiler. Fiquem à vontade para conhecerem, por si mesmos, toda a obra. Mas, deixo como aperitivo o trecho relevante do capítulo “Guerra da Rocinha”: 

“(…) Em carta encaminhada ao Ministro da Justiça, Thomaz Bastos, o Secretário de Segurança, Anthony Garotinho definiu a ajuda que esperava do governo federal. Especificou, inclusive, o efetivo a ser empregado, que incluía duas brigadas estratégicas do Exército…”

Para quem desejar, o livro está à venda na Amazon.