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ALGUÉM ME DEVE UMA EXPLICAÇÃO. 

Chegou novamente o tempo de prestar contas à Receita Federal, órgão de um Estado que presta conta de coisa alguma. Eis aí mais uma prova de uma relação desigual, a favor de agentes privilegiados, apartados da sociedade, autores de uma “espoliação legalizada”, conceito de Frédéric Bastiat, presente na magnífica obra “A Lei”. 

Então, enquanto eu presto contas a quem não se julga obrigado a fazer o mesmo nas relações que tem comigo, o Presidente da República parte para dentro de um Senador, porque quer vingança e deseja “fuder”, o sujeito. O Senador reage e está aí formada uma nova polarização, do jeitinho que o marketing político adora. Afinal, somos seres acostumados a torcer para vilões e heróis autorizados a classificar os personagens ao nosso talante. 

O Senador é Sérgio Moro; Lula, o Presidente da República. Sérgio condenou Lula e com a ajuda do Supremo Tribunal Federal alojou o cara numa sala confortável da Polícia Federal, designada, a partir do fato, como cadeia. Depois, com a ajuda do mesmo Supremo Tribunal Federal, Lula conseguiu ser  solto e considerado inocente pela anulação dos processos. Sérgio não gostou. Bateu aqui, bateu lá, foi aos Estados Unidos, tentou ser presidente do Brasil e tornou-se senador com os votos do povo paranaense. Lula, com os votos significativos do povo baiano, tornou-se Presidente da República. Sim, pois a diferença de votos entre ele e Jair Bolsonaro no cômputo nacional foi de 2.139.645, quando na Bahia, só lá, a diferença alcançou 3.740.787. Portanto, não fossem os baianos, Lula não seria o Presidente com a missão auto-designada de vingar-se. 

Este ir e vir, prender e soltar, condenar e anular, custou uma fábula. Com certeza, custou, mas não aos bolsos dos autores do ir e vir, mas às contas dos contribuintes, chamados, todos os anos, a prestar satisfação à Receita Federal a respeito dos valores obrigados a entregar aos agentes públicos, entre eles, Lula e Sérgio. A questão entre o Senador Sérgio Moro e o Presidente Lula é um exemplo de um dos males da administração pública no Brasil: os agentes públicos erram e o cidadão paga a conta. Certamente, deve ser alto o volume de indenizações que o Estado é obrigado a pagar aos indivíduos por erros cometidos pelos agentes públicos. E paga com o dinheiro saído do esforço laboral dos mesmos indivíduos. 

Em paralelo, no Congresso Nacional, formado por deputados federais e senadores eleitos pelo povo, debate-se a reforma tributária, que tem relação direta com os impostos que eu e todas as pessoas entregamos aos agentes do Estado Brasileiro. Sabe-se que, em razão dos impostos chamados indiretos, não há uma alma viva no Brasil, seja pobre, rica ou remediada, que consiga fugir ao pagamento de impostos. Junte-se tudo o que escrevi neste texto até aqui e temos a melhor representação do Estado Brasileiro: agentes perdulários que não prestam contas ao alheio do que fazem com o dinheiro dele. 

Daí vem uma dúvida: haverá na proposta de reforma tributária um espaçozinho para esse tema? E tem mais. Desde 1988, os agentes do Estado Brasileiro estão incumbidos de usar com a educação, 25% do que está nos Orçamentos e 15% com a saúde e eu só ouço dizer que a educação é um droga e a saúde assassina. Será que na reforma no modo de arrecadar impostos existirá espaço para obrigar os agentes do Estado a comprovarem que o que é gasto é bem gasto? 

Aqui encerro, com Lula reclamando que os economistas confundem investimento com gastos. Mas, que sentido tem o verbo “investir” para Lula? E o verbo gastar? Fui ao livro de Deonísio da Silva, “A Vida Íntima das Palavras”. Lá ele lembra que o uso mais comum para o verbo “investir” é o atacar: “Uma ação de homens e animais em luta”. Uau! Eis o Lula! Eis o governo dele! Não encontrei o verbo gastar, mas nem preciso dele, pois a gente tem conhecimento dos resultados alcançados pelos governos quando gastam o nosso dinheiro. Certo? 

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O MARAJÁ CABRAL.  

Algumas coisas neste país me fazem muito mal. O marajá Cabral é uma dessas coisas. Deve ter sido difícil a vida para ele na prisão, por vários motivos, um deles certamente, o fato de ele não ter alguém que ouvisse suas histórias. Ele é falastrão e fala bonito, organiza bem os cenários onde atua. Estive frente a frente com ele algumas vezes na vida e sinto-me mal quando lembro. 

Ele saiu da cela falante. Uma das falações dele bateu na minha conta de Whatsapp, pois não sai atrás do que ele está falando. Recebi um corte que alguém fez de uma entrevista que ele deu ao canal Metrópoles. O trecho é curto: “Esse Bretas usava o nome de Deus; um falso evangélico. Eu sei o que é Deus. Se não fosse Deus eu não estaria vivo hoje” e chora sem perder a voz, “Eu sei o que é Deus. O que é Deus, estando sozinho na cela, 22 horas por dia…”. E seguiu falando e chorando. Referiu-se às mulheres presas de presos da Lava-Jato. “Quantos filhos; quantos irmãos!” 

Sérgio Cabral foi deputado estadual, Presidente poderoso da Assembleia Legislativa, Senador da República e eleito duas vezes Governador do Estado do Rio de Janeiro. E fez o sucessor. Ele sempre fez. Na Assembleia Legislativa deixou um sujeito chamado Jorge Picciani, no Senado, Régis Fichtner, no governo do estado, Pezão. É provável, bem provável, que nenhum outro político do estado tenha tido mais poder e relevância que ele. O que ele fez com todo o poder que teve? Cabe a cada pessoa que conheceu Cabral de perto e de longe, avaliar e responder. Para o povo do Estado do Rio de Janeiro e eu sou parte dele, Cabral foi um desastre. E muita gente que, certamente, votou nele, sabia, exatamente, o que ele pretendia da vida política. Falava-se à boca pequena das artes do Cabral, à boca não tão pequena que não coubesse a denúncia que dele fez o ex-governador Marcello Alencar, padrinho dele quase toda a vida. 

Sérgio Cabral pode queixar-se do Juiz que o condenou, pode lamentar as penas que sofreu, mas seria bom que percebesse que mesmo tendo passado o que passou pelas circunstâncias que escolheu viver, ele ainda é um ser privilegiado, por contar com um sistema de Justiça que não está disponível para a maioria da população brasileira, que mora num país que tem a terceira maior população carcerária do mundo, onde 41% dos presos – 337.126 pessoas permanecem presas sem julgamento, sem definição de culpa. Para essas pessoas não tem o papo furado de condenação só depois do trânsito em julgado. Para essa turma, nem a segunda instância conta. Cabral está solto. Disseram para nós que ele jamais sairia da cela, mas ele está aí, um marajá todo pimpão. 

Sérgio Cabral mora bem. Vive bem e começa a receber em casa os amigos que ficaram pelo caminho envergonhados com ele. Alguns até não tinham motivo para envergonhar-se, mas a vida é assim mesmo. A maior parte do povo que deu a Sérgio Cabral o poder de fazer e desfazer o que bem entendesse, vive mal, não vê o mar da janela, não frequenta os lugares que ele, a maior representação de um marajá, vive e curte. Portanto, Cabral não deveria se lamentar. E sobre as relações dele com Deus, Almir Guineto explica melhor: 

Os habitantes da Terra estão abusando, ao nosso Supremo Divino sobrecarregando

Fazendo o quê?

Fazendo mil besteiras

E o mal sem ter motivo

E só se lembram de Deus

Quando estão em perigo…

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AS FEITICEIRAS. 

A primeira-dama do Brasil anda com a agenda cheia. Mas, não no mesmo estilo das agendas tradicionais das primeiras-damas. Ela faz política partidária. Ótimo que assim seja. Os casais Ortega e Lula da Silva se parecem. A semelhança está no modo de agir das primeiras-damas, as senhoras Rosario Murillo e Rosângela da Silva. Rosário é protagonista no governo de Daniel Ortega, Rosário não é só primeira-dama, é também vice-presidente da Nicarágua. A primeira-dama do Brasil, claramente, busca o mesmo protagonismo. 

Dizem que Lula é amigo de Daniel Ortega. E, de fato, parece ser. Ortega é um ditador e Rosario Murillo, uma mulher que o estimula.  Mas, o fato de Lula ser amigo dele e os dois estarem casados com esposas que amam o poder faz do Presidente do Brasil um ditador? Não, necessariamente. 

Ora, um ditador não existe por si mesmo, pois um ditador, para fazer o que quer e bem entende, precisa de quem cumpra as ordens que ele dá. Não lhe basta a índole autoritária e o conselho das esposas, que nas ditaduras têm sempre papel marcante. Sem alguém, covarde ou venal o suficiente para cumprir-lhe as ordens, um ditador fracassa. Esteja na presidência de uma república, no trono de um império ou num gabinete hermético de onde olha o mundo à sua volta como uma propriedade privada. 

Na Nicarágua há quem obedeça cegamente às ordens do carrasco Ortega e da sua esposa, Rosário. Quem não o tolera tenta enfrentá-lo, mas quem o obedece leva todos os demais para os cárceres, cemitérios e para fora do país. Os covardes à serviço dos ditadores matam as oposições e fazem das leis utensílios para uso pessoal.  Isso considerado, existe no Brasil quem obedece cegamente ao Presidente Lula ou a qualquer dos poderes que formam o Estado Brasileiro? Se existir, independente das relações pessoais que há entre Lula e Ortega, vivemos o risco de uma ditadura, como outras tantas que tivemos, de Vargas a João Figueiredo. 

Num país onde todos os cidadãos e instituições são obedientes, exclusivamente, às leis e elas são legítimas, pois fruto da vontade do povo, não há espaços para os ditadores, nem para feiticeiras que os enfeitiçam.  Mas, somos, afinal, um país onde as leis são legítimas? Onde só a elas se deve obediência cega e fora delas não há ordens a cumprir? A respostas a essas perguntas define que tipo de regime político temos por aqui e se não é ainda uma democracia, deveríamos procurar alcançá-la e o caminho não é, com certeza, pelo cumprimento cego das ordens ao arrepio da lei. 

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Wanda Engel afirma: “Pobreza e desigualdade. Dá para superar”. 

Hoje, Dia Internacional da Mulher, eu trago o exemplo de uma mulher admirável, Wanda Engel, qualidade que lhe deu Ricardo Paes e Barros. Ele buscou o conceito de admirável no cineasta Rupert Gould: “Uma pessoa é realmente admirável quando ela torna o mundo seu devedor; quando faz algo para o mundo que o mundo precisava e, que ninguém fez antes ou sabia como fazer. A Wanda Engel é uma dessas pessoas”.  Apoiado! 

Conheci a Wanda sem muita proximidade pessoal, mas apropriei-me da história dela ao ler “Pobreza e desigualdade”. Dá para superar”, publicado pela Livros Ilimitados. Vejam vocês essas duas passagens: 

“O Centro Cultural Comunitário de São Cristóvão (CCCSC), conhecido como Brizolão da Mangueira, foi inaugurado em 12 de outubro de 1983, Dia da Criança, com grande festa. Em seu discurso, o governador Leonel Brizola ressaltou: “Meninos da Mangueira, este Centro pertence a vocês!” No dia seguinte o espaço havia sido “esvaziado” de tudo que pudesse ser carregado pelos meninos. Afinal, foi dito que era deles!” Wanda registra que no Centro estavam “salas-ambientes, bem equipadas, onde não faltava material pedagógico de primeira linha, incluindo microscópios, herbários, instrumentos musicais e esportivos”. 

“Duas características chamavam a atenção nesse projeto arquitetônico (CIEP). A primeira era a primazia do concreto, não deixando lugar para que se incluísse um pouco de verde no ambiente. A segunda, talvez a mais polêmica, era a proposta de meias paredes entre as salas. Além de facilitar a circulação do ar, Niemeyer dizia que a intenção era que as crianças aprendessem a falar mais baixo e de forma mais educada. Esta proposta gerou centenas de pedidos de licença médica de professores, por conta de calos nas cordas vocais”.  

O livro é magnífico e, enquanto conta a história de vida de uma mulher admirável, passeia pela política, em especial, pela política carioca, porque Wanda é daqui. Nasceu no Méier. Nos primeiros capítulos ela fala das dificuldades dela na infância e adolescência e de modo magistral, enquanto conta suas histórias, cria políticas públicas que ela tem aplicado ao longo da vida com base em algo concreto: a própria vida de uma menina adolescente muito pobre, que, em determinado momento da vida viu-se, com a família, despejada da casa onde morava.  

Compareci  ao evento de lançamento do livro na Livraria da Travessa em Ipanema. Agarrei o meu exemplar com a dedicatória gentil da autora, coloquei-o na estante e voltei a ele a cada instante que o tempo permitiu. Encerrei a leitura no final de semana, com várias anotações e uma convicção: dá mesmo para superar a pobreza e desigualdade crônicas que há na sociedade brasileira e que travam, pela repercussão na violência, o desenvolvimento, principalmente, o do Rio de Janeiro. É tudo uma questão de fazer e ter disposição para enfrentar uma cultura ruim presente tanto nos pobres, como na classe média e entre os ricos. 

É um livro e tanto! 

Estão presentes nele, Fernando Henrique Cardoso, dona Ruth, José Serra, vários governadores, André Urani, que partiu cedo e faz uma falta danada por aqui; gente com nome e gente anônima. Paulo Freire é citado em uma aula magna, onde ele identificou um terceiro componente para o binômio, sonho e dinâmica da realidade: “uma certa dose de loucura”. Os projetos criados e trabalhados por Wanda Engel estão ali, com análises técnicas, avaliação de resultado e demonstração dos entraves e vitórias. 

César Maia é citado com carinho em especial por causa do primeiro tempo dele no governo ( de fato, memorável!). Luiz Paulo Conde também, assim como a disputa que houve entre os dois pelo mesmo poder. Sobre isso, diz Wanda Engel: “A equipe parecia um time harmonioso e duradouro. Tudo levava a crer que a grande orquestra (formada por César Maia) permaneceria afinada por muito tempo. Ledo engano! Dali a dois anos, César Maia se candidatou a governador do Rio e perdeu. No pleito seguinte, para a eleição de prefeito, voltou a se candidatar, desta vez competindo com o próprio Conde, que já tinha condições legais para pleitear a reeleição. O grupo se dividiu. César Maia acabou vencendo com base em muitos acordos políticos, perdendo grande parte da autonomia de que desfrutava no primeiro mandato.” E, evidente, com prejuízos para a população carioca, como toda gente percebeu. 

Wanda fala sobre crianças, adolescentes, jovens e idosos, fala sobre “Gestão do Conhecimento”, quando trata da evasão escolar, um problemão até hoje, que nem a reforma do Ensino Médio – isso digo eu – ainda não plenamente implantada – conseguiu resolver. A violência e o crime que a descontinuidade de políticas públicas bem formuladas faz crescer no Brasil todo e sacrifica o Rio de Janeiro também estão na pauta do livro.  

Encerro este artigo sobre o livro sem vontade de encerrar, porque eu gostaria de compartilhar toda a obra. Mas, não posso encerrar sem trazer uma passagem que pode falar mais de perto com as eleições que estão por vir: 

“A consciência do poder do território é essencial para entendermos a importância das políticas públicas municipais. Em educação, o município é responsável pela educação fundamental e pela Educação Infantil, ou seja, pela base da formação das novas gerações; em saúde, pelo atendimento básico e, em assistência, pela rede de proteção social, destinada a diminuir a pobreza e a desigualdade. Está também nas mãos dos municípios o saneamento básico; a promoção da cultura, do esporte e do turismo; a política habitacional e urbanística; além do incremento do mercado de trabalho. Sempre que se aproximam as eleições municipais, a pergunta de um milhão de dólares deveria ser: Nas mãos de qual prefeito e de que vereadores vamos depositar toda esta responsabilidade???”

Parabéns às mulheres pelo dia! 

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SOU EXTORQUIDO – SEGUNDA PARTE 

A capa da revista VEJA traz uma foto do Ministro Fernando Haddad com a chamada: “A Primeira Vitória –  O ministro Fernando Haddad crava uma decisiva (e importante ) conquista frente à ala política do PT em torno dos impostos sobre combustíveis – mas a guerra está só começando”. 

Peraí. Como assim? Fernando Haddad eleito prefeito de São Paulo, candidato à Presidência da República pelo PT não faz parte da ala política do partido? Onde, então, estará ele posicionado? A revista dá a ele um papel novo, o de um técnico em confronto com os políticos, o que não é verdade e, portanto, se constitui numa coisa que a própria imprensa chama de fake news. 

Indo adiante, temos o fato principal: a desoneração dos combustíveis, fato que representa a devolução de impostos ao preço dos combustíveis, retirados pelo governo anterior para evitar que todos os danos financeiros da guerra entre a Rússia e a Ucrânia fossem transferidos para o preço dos combustíveis pago pelos brasileiros. Temos, então, que a notícia aplaudida pela revista VEJA é a do aumento no preço dos combustíveis e, em sendo isso, não é a ala política do PT que perde. Um grupo composto, certamente, por pessoas que não pagam os combustíveis do próprio bolso. Com a medida do governo, perde o povo, o mané, na definição de um dos agentes relevantes do Estado Brasileiro. 

A revista informa que a medida representa a transferência de 34 bilhões de reais do bolso do contribuinte para os cofres da União. Nesse ponto entramos em outra seara: o que a União fará com todo esse dinheiro? Ele será distribuído entre os 37 ministérios. Ou não é isso? 

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SOU EXTORQUIDO E ROUBADO. PRIMEIRA PARTE.

Que diabos é o Estado no Brasil? Que tipo de governos ele estabelece? Quanto ele deve custar? Que papel ele deve desempenhar? Para responder a essas questões, livros e mais livros foram e têm sido escritos e há no mundo das conversas, papos para mais de metros e quilômetros. Mas, as respostas estão todas num clássico de leitura fácil e magnífica, escrito por um cara, “o cara”,  nascido no dia 5 de abril de 1588, na Inglaterra e publicado em Paris, em 1651. Faz tempo, não? “O cara” recebeu de seu pai, um clérigo anglicano, vigário de Westport, o nome de Thomas – Thomas Hobbes. O livro? “Leviatã”, que no subtítulo anuncia: “Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil”. 

Para chegar ao papel que cabe ao Estado moderno, Thomas Hobbes imaginou a existência antes, de um Estado de Natureza, ambiente onde só vale o desejo do mais forte e as relações entre os seres humanos são regidas pelo binômio força e desejo. Tudo o que os mais fortes desejarem, da alimentação para o corpo às paixões da alma, alcançam pela força. O sujeito desejou, consumiu. Portanto, no Estado de Natureza, vale a vontade do mais forte imposta aos mais fracos. 

Ser o mais forte é, contudo, um conceito relativo, pois, por mais forte que um sujeito seja, há que existir alguém mais forte que ele e caso não, existe o momento em que o sujeito mais forte é uma criança, cansa da luta e envelhece. Então, no Estado de Natureza, o mais forte, numa situação qualquer pode vir a ser o mais fraco e desse modo, sucessivamente, até chegar-se ao ponto em que todos desapareçam, pois uns engoliram outros: “uma guerra de um contra todos e de todos entre si…o verdadeiro lobo do homem é o próprio homem”, escreveu Hobbes. 

Para sair deste Estado de Natureza, diz Hobbes, o homem constituiu a sociedade civil, um ambiente onde todos os seres, por meio de um “contrato social” (a lei), aceitam transferir as suas liberdades naturais a um só homem: ao rei absoluto, que terá o monopólio da violência, com o objetivo único de estabelecer o bem geral da comunidade. Está posto, portanto, o “Leviatã” que Hobbes chama “Estado, ou Cidade ( em latim Civitas )”. Escreveu Hobbes: “Estado que não é senão um homem artificial, embora de maior estatura e força do que o homem natural, para cuja proteção e defesa foi projetado…Salus Populi (a segurança do povo) é seu objetivo…a concórdia é a saúde; a sedição é a doença; a guerra civil é a morte…”. 

Para Thomas Hobbes, o Estado, representado por seus agentes e servidores, tem como papel único garantir a segurança de todas as pessoas que vivem numa sociedade. E, se para garantir a segurança de todos for preciso usar a violência, o Estado, somente ele, está autorizado, por todos, a utilizá-la. Com o Estado está, portanto, o monopólio da força. E antes que eu me apresse, é bom deixar claro: O Estado detém o monopólio da força para garantir a segurança do povo e com ela o direito de  todos ao bem-estar. O monopólio da força, usado a favor da manutenção dos interesses dos agentes do Estado, perde o sentido que lhe dá Hobbes. 

O Estado, autorizado por todos, limita o resultado do binômio desejo e força que está nos fortes, nos mais fortes e também nos fracos e mais fracos. Por decisão de todos, fortes e fracos, o binômio que está em todos passou a ser limitado pelo Estado a favor de todos e não apenas dos mais fortes, como querem os anarquistas, nem dos mais fracos, como almejam os socialistas. 

Sobre o Leviatã, tratou o filósofo e professor Clóvis de Barros Filhos, numa de suas aulas disponíveis na internet, onde navegou, como sempre faz, de Sócrates a Nietzsche. O poder e seu significado foram o tema do encontro. 

“O homem decidiu sair do Estado de Natureza para viver algo diferente, mais civilizado. E para isso, ele cria uma força, que é o resultado da somatória de todas as forças que os diversos membros da coletividade abdicaram em favor do Estado. E essa força é o “Leviatã”, ou o Estado moderno. Para Hobbes, o Estado moderno só tem uma função”, afirmou o professor, “garantir a segurança. E Hobbes explica: O Estado funciona bem quando você pode dormir com a porta aberta. Por quê? Porque você abriu mão de quase tudo a favor do Estado. Se você quiser saber do que você abriu mão para poder dormir com a porta de casa aberta, é só pegar os códigos da sua sociedade. Pega lá, o Código Penal, o Código Civil, o Código Comercial e você verá a lista de prerrogativas que você entregou ao Leviatã”. 

“A perspectiva do poder no Leviatã”, continuou Clóvis, é a perspetiva da transferência dos poderes individuais para um poder central. Um deslocamento de poder, que, como diz Hobbes, é uma verdadeira troca, uma troca que pode ser desequilibrada, mas que todos toparam trocar. E Hobbes é muito claro nesse ponto: no momento em que o Estado não garante a segurança, ele rompeu o contrato do Leviatã. Teoricamente, você está liberado, porque a contrapartida deixou de existir”. Magnífico! 

Isso considerado, eu pergunto: o Estado Brasileiro cumpre o único papel que justifica a existência dele, como está definido no Leviatã? Não cumpre. Nem preciso me alongar com os exemplos de cercas, grades, armas na cintura, carros blindados e troços semelhantes. 

O Estado Brasileiro não garante a segurança, nem física, nem jurídica, de quem abdicou a favor dele de boa parte da liberdade pessoal. Então, não resta dúvida: eu não pago impostos, mas sou extorquido. Não obedeço de livre vontade, mas sou coagido a obedecer. Coagido, extorquido e enganado, quando os agentes do Estado, eleitos, concursados ou aboletados nele por um campeonato de bajulação, dizem que me prestam outros tantos serviços em substituição à segurança que não entregam. Como resolver? Pela substituição dos agentes públicos com o uso do único instrumento que eles ainda deixam à minha disposição: o voto. 

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Uma nota que denota constrangimento. 

Uma boa notícia não precisa ser anunciada com constrangimento, como fez o Partido Novo quando comunicou a decisão de utilizar os rendimentos do Fundo Partidário. A deliberação do partido indica que seus dirigentes reconheceram, finalmente, que os partidos, nas eleições, disputam um lugar no poder para que o que pregam não seja mera poesia ou carta de intenções. 

Ora, o povo brasileiro decidiu financiar os partidos e as campanhas eleitorais com o dinheiro dos impostos. Está na lei. Há quem defenda a ignorância do eleitor sobre o fato. Não sou desses. Mas, se a decisão do povo é consciente ou não, o próprio Partido Novo pode dizer pelos resultados eleitorais obtidos por seus candidatos quando levam para as ruas o discurso de purificação do modelo pelo uso exclusivo do dinheiro privado. 

Quando o Partido Novo, com os princípios que defende para a gestão do dinheiro do povo, entra no ambiente de uso do recurso para o financiamento do partido e das campanhas, certamente, a população perceberá que, de fato, há um problema quando os partidos usam o dinheiro dela: o modo como usam. Tenho certeza, que o Partido Novo, no modo como usará o dinheiro que o povo disponibiliza para os partidos e campanhas, demonstrará, pela diferença de comportamento, que o problema não está no financiar, mas na transparência sobre o que é financiado e com quais objetivos. 

Ora, para que haja democracia, há que existirem eleições e elas são disputas no campo da comunicação convincente, algo que não se faz sem recursos. Então, alguém precisa disponibilizar esses recursos e se sabe, ao cansaço, que aqui e na mais festejada democracia do mundo, a americana, quem financia as campanhas exerce o poder conquistado através delas. Não é melhor que o povo cumpra esse papel? Eu, por isso, dispenso o constrangimento presente na comunicação que fez o Partido Novo. Há motivo para se festejar. 

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FAZ SENTIDO TER UMA CONSTITUIÇÃO?

CONSTITUIÇÃO? PRA QUÊ? 

No Brasil o povo não tem interesse nem tempo para conhecer as leis e menos ainda a Constituição. Os legisladores não se incomodam com isso, pois, para eles é suficiente fazer leis ao cansaço e dizer que as fazem, porque isso lhes garante algum lugar ao sol. Como também se tem conhecimento pleno do costume da elite política de aproveitar-se desse desconhecimento e desinteresse para adaptar as leis às próprias conveniências e desse comportamento nem a Constituição está livre.   

Durante um tempo nas escolas brasileiras ensinou-se o que chamavam de “Moral e Cívica” e OSPB, Organização Social e Política Brasileira. Eu sou desse tempo e por conseguinte, nas aulas dessas matérias eu aprendi que no Brasil existiam leis que compõem uma Constituição e aprendi também, no mesmo momento, que um Presidente da República, feito presidente com base na Constituição vigente, foi apeado da Presidência por uma decisão monocrática do Presidente do Senado Federal, algo não autorizado pela Constituição. 

Entendi também o que eram os Atos Institucionais, que os professores chamavam de apensos à Constituição. Com base nesses tais apensos, houve gente presa, desaparecida, cassada e assassinada. Eu soube também que um Presidente da República eleito adoeceu e que a Constituição determinava que fosse empossado o Vice-Presidente, mas ele não foi, pois uma Junta Militar assumiu o governo. Mas, vivíamos uma ditadura nascida de uma revolução, que se diz feita pelo povo para evitar uma outra ditadura. Então, vá lá, o desrespeito à Constituição era algo próprio de um regime de exceção. 

Fui vencendo meu tempo nos estudos da organização social e política do Brasil tendo informações sobre várias outras situações em que a Constituição, por si mesma, valeu coisa alguma, quando bateu de frente com as conveniências da elite política. A elite venceu todas as vezes e às  essa vitória deram o nome de golpe. Houve, portanto, um golpe quando a elite não gostou da ideia de se acabar com a escravidão, houve outro quando Getúlio Vargas não se conformou com o resultado de uma eleição e outro ainda para se ter o parlamentarismo e outros mais.  

Mas, existiu um tempo que eu achei que seria diferente. Eu estava na posição de assessor parlamentar do Banco do Brasil na Constituinte e, espectador privilegiado, assisti uma Constituição ser escrita, artigo a artigo, parágrafo a parágrafo em todos os seus incisos. O povo esteve lá não só representado, mas em carne e osso com voz e poder para pressionar. Como um intruso no plenário do Congresso, vi e ouvi o deputado federal Ulysses Guimarães discursar um discurso belíssimo que deu vigência à nova Constituição, que ele chamou de “Cidadã”. 

O Congresso que fez o trabalho nasceu na eleição de 1986, quando eu tive a oportunidade de votar em Afonso Arinos de Mello Franco, que naquele tempo, sabia o que dizia quando se referia a uma Constituição. Tive também o privilégio de ser, naqueles dias, membro da Direção Executiva do partido de Afonso Arinos e com ele conversei algumas prosas sobre o momento novo na vida do país. Ele foi eleito Senador da República com a obrigação de emprestar colaboração à composição da Nova Carta e assim fez, como fizeram todos os demais senadores e deputados federais. 

Acreditei que seria para valer. Que nada! Para valer, nem mesmo foram as tais “ordens pétreas”, assim chamadas para não serem mudadas, mas, ao que se vê, não pela obrigação de serem cumpridas fielmente. Aqui e ali elas cedem para atenderem a discursos frágeis de defesa da democracia, como se, com elas em vigor, a democracia estivesse ameaçada. Com o tempo, quase todos os duzentos e poucos artigos foram mexidos para atender às conveniências. Ah! essas tais conveniências! A Constituição aclamada e promulgada por Ulysses virou uma colcha de retalhos. Quase duzentas emendas em um pouco mais de duzentos artigos. Tudo feito em nome das conveniências, como aconteceu quando se quis dar elegibilidade a uma ex-presidente que a Constituição tornava inelegível, em razão do impeachment. 

Gente, será que somos, de fato, um povo que precisa de uma Constituição e se precisamos, gostamos dela o suficiente para exigir que seja respeitada por todos? Ou somos um povo que não gosta dessa coisa de cumprir leis? Eu entendo que para ser respeitada e observada, uma lei precisa ser do conhecimento de todo o povo a ponto de ele saber o quanto ela é garantidora da sua segurança e da solução, por meios pacíficos, dos conflitos inevitáveis que há no meio de uma sociedade. 

Saímos faz pouquíssimo tempo de uma campanha para eleger deputados federais e senadores, gente que faz leis. E mais: gente com poder para mudar a Constituição ao seu bel-prazer. O povo votou e não me parece que o respeito à Constituição ou a melhora dela tenha feito parte do debate. O povo, me parece, nem sabe o poder que transfere aos procuradores que elege. 

Quando um povo compreende o valor da Constituição que lhe serve, luta por ela e passa a entender a relevância de um tribunal vigilante que a defenda. Não sendo assim, a Constituição e o Tribunal que a defende, só servem para azucrinar a vida do povo, que com o território (aprendi nas minhas aulas de OSPB) forma uma nação. 

Temos ainda muita estrada a caminhar até chegar à terra prometida, onde a liberdade seja um direito de todas as pessoas e esteja plenamente garantida na Lei Maior. Mas, para sair nessa caminhada, precisamos de líderes e parece que não os temos mais. É urgente tê-los  antes de pensar em todo o resto.   

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Claudio Castro, com paciência, vai vencendo as paradas. 

O governador Cláudio Castro venceu a queda de braço pela presidência da Assembleia Legislativa. É mais uma vitória na coleção que ele já acumula. A série teve início quando Cláudio Castro aceitou ser candidato a Vice-Governador, para uma vitória impossível, por todos os fatores que se pode considerar ao analisar as chances de um candidato. O que levou Cláudio Castro a aceitar o convite? Aceitou e foi eleito, no mesmo momento em que, é possível, tenha sido avisado que o governador ficaria pouco tempo, mordido pela mosca azul da Presidência da República. O que deve ter passado pela cabeça do Cláudio Castro ao saber disso? 

Depois tivemos a crise, que começou com o vírus e virou escândalo. Como terá sido o dia-dia do Vice-Governador Cláudio Castro naquele momento? Em seguida, o governador subiu no telhado e atirou-se de lá. Espatifou-se no chão. Cláudio Castro assumiu provisoriamente e com paciência, aguardou o desfecho do caso, estando no comando de uma estrutura literalmente dilacerada. O que será que passou pela cabeça dele? Como terão sido os dias no gabinete dele e na vida pessoal? 

Por fim, entregaram-lhe o governo. Ele assumiu vulnerável, num ambiente em que sobraram acusações e boatos de prisão e condenação. Cláudio Castro era um governador frágil diante de uma Assembleia Legislativa empavonada, de sapato alto e cheia de si mesma. O que será que passou pela cabeça dele? O que deu a ele a convicção de estar certo ao filiar-se no PL e apoiar Jair Bolsonaro? 

Então, começou a campanha de 2022. Cláudio Castro preparava-se para disputar a reeleição numa encruzilhada, onde o Prefeito Eduardo Paes, com a força política que ele e a Capital têm, selecionava candidatos para o governo do estado com o objetivo de derrotar o governador. Eduardo começou com o ex-presidente da OAB, Felipe Santa Cruz e quando concluiu que a escolha era a pior opção para eleger deputados federais, apertou a mão do ex-prefeito de Niterói, Rodrigo Neves e demarcou o terreno contra Cláudio Castro ao assumir integralmente a campanha do ex-presidente Lula no estado, para somar forças tendo dois candidatos, Neves e Freixo.

Bem, Cláudio Castro venceu a eleição no primeiro turno depois de atravessar uma forte turbulência na composição da chapa e na escolha que fez para o Tribunal de Contas do Estado. Ao vencer a eleição no primeiro turno, Cláudio derrotou, no estado, de uma vez só, Lula, Eduardo Paes e o sapato alto que a ALERJ calçava. Com uma vantagem estratégica: demarcou o terreno para 2024, ano em que o adversário deliberado, Eduardo Paes, terá que disputar a reeleição com a garantia adicional de ter na vaga de vice alguém com quem ele possa deixar a prefeitura e continuar no comando.

Tudo parecia calmo e arrumado, quando veio a disputa pela Presidência da ALERJ, uma situação que parecia resolvida. Cláudio Castro venceu sem precisar disputar, pois conseguiu que o candidato que disputaria com o deputado Rodrigo Bacelar, preferência dele, renunciasse. 

Em cada vitória do governador durante todo o processo que, neste momento, dá ao governo dele estabilidade, se viu a atuação plena de um exercício bem dosado da ferramenta mais magnífica para a ação política: a estratégia. Ou Cláudio Castro é um excepcional estrategista ou tem um muito bom ao lado dele. 

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Que loucura, é essa?

Dizem que o Tribunal Superior Eleitoral quer impedir a posse dos deputados que ele mesmo, Tribunal, considera golpistas. Que loucura é essa de defender uma democracia onde o voto do povo tem menos poder que a caneta de um Juiz? É hora de voltar à racionalidade, às decisões que fazem sentido. 

Não sabe exatamente o que é uma democracia quem defende a decisão, se verídica, pois na confusão armada na comunicação entre as pessoas a verdade, por vezes é mentira e a mentira, verdade. O poder do povo define a democracia. Nela todo o poder emana do povo e por ele é exercido diretamente ou por seus representantes eleitos para cumprir, exclusivamente, esta finalidade. 

O voto para escolher os representantes é uma das poucas manifestações do povo brasileiro ainda autorizada. Após o voto nos representantes, o povo brasileiro não é mais chamado a opinar sobre seja o que for na administração pública. Os representantes eleitos recebem carta branca até que o povo, se entender por bem, resolva substituí-los. Durante o exercício do mandato, os representantes decidem o que fazer com o dinheiro do povo, com as leis e até mesmo com a Constituição, sem serem importunados. 

Mas, esse direito, o de votar, único instrumento de exercício do poder dado ao povo, lhe é tirado quando suspende ou toma os mandatos dos eleitos sem que o povo seja ouvido. O Estado toma a decisão de anular o voto considerado legítimo e legal como se fosse ele, o Estado, o poder soberano numa democracia e não o povo. 

No livro “Isso de política, meu caro…”, que escrevi com Rubem Medina, está a experiência dele com os movimentos que devolveram ao povo a prerrogativa de escolher seus representantes com liberdade, do povo retirada pelo golpe de 1964. Eu me lembro da alegria do povo brasileiro quando, em 1989, a ele foi entregue uma Constituição nova, instrumento que reconheceu a democracia e criou os instrumentos para consolidá-la. Naquele dia anotei nos meus cadernos – eu os tinha para registrar passagens e ensinamentos importantes – uma frase de Afonso Arinos: “A mocidade de hoje não tem ideia do que foram aquelas horas de frenético entusiasmo, em que assistimos a democracia brasileira ressurgir, límpida e nua, dos andrajos de uma escravidão de tantos anos. As divergências, as cobiças, as disputas e manobras foram aparecendo depois, triste tributo de nossa condição humana”. Afonso Arinos fez referência à queda da ditadura de Getúlio. 

A democracia nos custou caro, então, não deveríamos abrir mão dela, ainda que seja sob o argumento de defendê-la.