Dizem que o Tribunal Superior Eleitoral quer impedir a posse dos deputados que ele mesmo, Tribunal, considera golpistas. Que loucura é essa de defender uma democracia onde o voto do povo tem menos poder que a caneta de um Juiz? É hora de voltar à racionalidade, às decisões que fazem sentido.
Não sabe exatamente o que é uma democracia quem defende a decisão, se verídica, pois na confusão armada na comunicação entre as pessoas a verdade, por vezes é mentira e a mentira, verdade. O poder do povo define a democracia. Nela todo o poder emana do povo e por ele é exercido diretamente ou por seus representantes eleitos para cumprir, exclusivamente, esta finalidade.
O voto para escolher os representantes é uma das poucas manifestações do povo brasileiro ainda autorizada. Após o voto nos representantes, o povo brasileiro não é mais chamado a opinar sobre seja o que for na administração pública. Os representantes eleitos recebem carta branca até que o povo, se entender por bem, resolva substituí-los. Durante o exercício do mandato, os representantes decidem o que fazer com o dinheiro do povo, com as leis e até mesmo com a Constituição, sem serem importunados.
Mas, esse direito, o de votar, único instrumento de exercício do poder dado ao povo, lhe é tirado quando suspende ou toma os mandatos dos eleitos sem que o povo seja ouvido. O Estado toma a decisão de anular o voto considerado legítimo e legal como se fosse ele, o Estado, o poder soberano numa democracia e não o povo.
No livro “Isso de política, meu caro…”, que escrevi com Rubem Medina, está a experiência dele com os movimentos que devolveram ao povo a prerrogativa de escolher seus representantes com liberdade, do povo retirada pelo golpe de 1964. Eu me lembro da alegria do povo brasileiro quando, em 1989, a ele foi entregue uma Constituição nova, instrumento que reconheceu a democracia e criou os instrumentos para consolidá-la. Naquele dia anotei nos meus cadernos – eu os tinha para registrar passagens e ensinamentos importantes – uma frase de Afonso Arinos: “A mocidade de hoje não tem ideia do que foram aquelas horas de frenético entusiasmo, em que assistimos a democracia brasileira ressurgir, límpida e nua, dos andrajos de uma escravidão de tantos anos. As divergências, as cobiças, as disputas e manobras foram aparecendo depois, triste tributo de nossa condição humana”. Afonso Arinos fez referência à queda da ditadura de Getúlio.
A democracia nos custou caro, então, não deveríamos abrir mão dela, ainda que seja sob o argumento de defendê-la.