Algumas coisas neste país me fazem muito mal. O marajá Cabral é uma dessas coisas. Deve ter sido difícil a vida para ele na prisão, por vários motivos, um deles certamente, o fato de ele não ter alguém que ouvisse suas histórias. Ele é falastrão e fala bonito, organiza bem os cenários onde atua. Estive frente a frente com ele algumas vezes na vida e sinto-me mal quando lembro.
Ele saiu da cela falante. Uma das falações dele bateu na minha conta de Whatsapp, pois não sai atrás do que ele está falando. Recebi um corte que alguém fez de uma entrevista que ele deu ao canal Metrópoles. O trecho é curto: “Esse Bretas usava o nome de Deus; um falso evangélico. Eu sei o que é Deus. Se não fosse Deus eu não estaria vivo hoje” e chora sem perder a voz, “Eu sei o que é Deus. O que é Deus, estando sozinho na cela, 22 horas por dia…”. E seguiu falando e chorando. Referiu-se às mulheres presas de presos da Lava-Jato. “Quantos filhos; quantos irmãos!”
Sérgio Cabral foi deputado estadual, Presidente poderoso da Assembleia Legislativa, Senador da República e eleito duas vezes Governador do Estado do Rio de Janeiro. E fez o sucessor. Ele sempre fez. Na Assembleia Legislativa deixou um sujeito chamado Jorge Picciani, no Senado, Régis Fichtner, no governo do estado, Pezão. É provável, bem provável, que nenhum outro político do estado tenha tido mais poder e relevância que ele. O que ele fez com todo o poder que teve? Cabe a cada pessoa que conheceu Cabral de perto e de longe, avaliar e responder. Para o povo do Estado do Rio de Janeiro e eu sou parte dele, Cabral foi um desastre. E muita gente que, certamente, votou nele, sabia, exatamente, o que ele pretendia da vida política. Falava-se à boca pequena das artes do Cabral, à boca não tão pequena que não coubesse a denúncia que dele fez o ex-governador Marcello Alencar, padrinho dele quase toda a vida.
Sérgio Cabral pode queixar-se do Juiz que o condenou, pode lamentar as penas que sofreu, mas seria bom que percebesse que mesmo tendo passado o que passou pelas circunstâncias que escolheu viver, ele ainda é um ser privilegiado, por contar com um sistema de Justiça que não está disponível para a maioria da população brasileira, que mora num país que tem a terceira maior população carcerária do mundo, onde 41% dos presos – 337.126 pessoas permanecem presas sem julgamento, sem definição de culpa. Para essas pessoas não tem o papo furado de condenação só depois do trânsito em julgado. Para essa turma, nem a segunda instância conta. Cabral está solto. Disseram para nós que ele jamais sairia da cela, mas ele está aí, um marajá todo pimpão.
Sérgio Cabral mora bem. Vive bem e começa a receber em casa os amigos que ficaram pelo caminho envergonhados com ele. Alguns até não tinham motivo para envergonhar-se, mas a vida é assim mesmo. A maior parte do povo que deu a Sérgio Cabral o poder de fazer e desfazer o que bem entendesse, vive mal, não vê o mar da janela, não frequenta os lugares que ele, a maior representação de um marajá, vive e curte. Portanto, Cabral não deveria se lamentar. E sobre as relações dele com Deus, Almir Guineto explica melhor:
Os habitantes da Terra estão abusando, ao nosso Supremo Divino sobrecarregando
Fazendo o quê?
Fazendo mil besteiras
E o mal sem ter motivo
E só se lembram de Deus
Quando estão em perigo…