CONSTITUIÇÃO? PRA QUÊ?
No Brasil o povo não tem interesse nem tempo para conhecer as leis e menos ainda a Constituição. Os legisladores não se incomodam com isso, pois, para eles é suficiente fazer leis ao cansaço e dizer que as fazem, porque isso lhes garante algum lugar ao sol. Como também se tem conhecimento pleno do costume da elite política de aproveitar-se desse desconhecimento e desinteresse para adaptar as leis às próprias conveniências e desse comportamento nem a Constituição está livre.
Durante um tempo nas escolas brasileiras ensinou-se o que chamavam de “Moral e Cívica” e OSPB, Organização Social e Política Brasileira. Eu sou desse tempo e por conseguinte, nas aulas dessas matérias eu aprendi que no Brasil existiam leis que compõem uma Constituição e aprendi também, no mesmo momento, que um Presidente da República, feito presidente com base na Constituição vigente, foi apeado da Presidência por uma decisão monocrática do Presidente do Senado Federal, algo não autorizado pela Constituição.
Entendi também o que eram os Atos Institucionais, que os professores chamavam de apensos à Constituição. Com base nesses tais apensos, houve gente presa, desaparecida, cassada e assassinada. Eu soube também que um Presidente da República eleito adoeceu e que a Constituição determinava que fosse empossado o Vice-Presidente, mas ele não foi, pois uma Junta Militar assumiu o governo. Mas, vivíamos uma ditadura nascida de uma revolução, que se diz feita pelo povo para evitar uma outra ditadura. Então, vá lá, o desrespeito à Constituição era algo próprio de um regime de exceção.
Fui vencendo meu tempo nos estudos da organização social e política do Brasil tendo informações sobre várias outras situações em que a Constituição, por si mesma, valeu coisa alguma, quando bateu de frente com as conveniências da elite política. A elite venceu todas as vezes e às essa vitória deram o nome de golpe. Houve, portanto, um golpe quando a elite não gostou da ideia de se acabar com a escravidão, houve outro quando Getúlio Vargas não se conformou com o resultado de uma eleição e outro ainda para se ter o parlamentarismo e outros mais.
Mas, existiu um tempo que eu achei que seria diferente. Eu estava na posição de assessor parlamentar do Banco do Brasil na Constituinte e, espectador privilegiado, assisti uma Constituição ser escrita, artigo a artigo, parágrafo a parágrafo em todos os seus incisos. O povo esteve lá não só representado, mas em carne e osso com voz e poder para pressionar. Como um intruso no plenário do Congresso, vi e ouvi o deputado federal Ulysses Guimarães discursar um discurso belíssimo que deu vigência à nova Constituição, que ele chamou de “Cidadã”.
O Congresso que fez o trabalho nasceu na eleição de 1986, quando eu tive a oportunidade de votar em Afonso Arinos de Mello Franco, que naquele tempo, sabia o que dizia quando se referia a uma Constituição. Tive também o privilégio de ser, naqueles dias, membro da Direção Executiva do partido de Afonso Arinos e com ele conversei algumas prosas sobre o momento novo na vida do país. Ele foi eleito Senador da República com a obrigação de emprestar colaboração à composição da Nova Carta e assim fez, como fizeram todos os demais senadores e deputados federais.
Acreditei que seria para valer. Que nada! Para valer, nem mesmo foram as tais “ordens pétreas”, assim chamadas para não serem mudadas, mas, ao que se vê, não pela obrigação de serem cumpridas fielmente. Aqui e ali elas cedem para atenderem a discursos frágeis de defesa da democracia, como se, com elas em vigor, a democracia estivesse ameaçada. Com o tempo, quase todos os duzentos e poucos artigos foram mexidos para atender às conveniências. Ah! essas tais conveniências! A Constituição aclamada e promulgada por Ulysses virou uma colcha de retalhos. Quase duzentas emendas em um pouco mais de duzentos artigos. Tudo feito em nome das conveniências, como aconteceu quando se quis dar elegibilidade a uma ex-presidente que a Constituição tornava inelegível, em razão do impeachment.
Gente, será que somos, de fato, um povo que precisa de uma Constituição e se precisamos, gostamos dela o suficiente para exigir que seja respeitada por todos? Ou somos um povo que não gosta dessa coisa de cumprir leis? Eu entendo que para ser respeitada e observada, uma lei precisa ser do conhecimento de todo o povo a ponto de ele saber o quanto ela é garantidora da sua segurança e da solução, por meios pacíficos, dos conflitos inevitáveis que há no meio de uma sociedade.
Saímos faz pouquíssimo tempo de uma campanha para eleger deputados federais e senadores, gente que faz leis. E mais: gente com poder para mudar a Constituição ao seu bel-prazer. O povo votou e não me parece que o respeito à Constituição ou a melhora dela tenha feito parte do debate. O povo, me parece, nem sabe o poder que transfere aos procuradores que elege.
Quando um povo compreende o valor da Constituição que lhe serve, luta por ela e passa a entender a relevância de um tribunal vigilante que a defenda. Não sendo assim, a Constituição e o Tribunal que a defende, só servem para azucrinar a vida do povo, que com o território (aprendi nas minhas aulas de OSPB) forma uma nação.
Temos ainda muita estrada a caminhar até chegar à terra prometida, onde a liberdade seja um direito de todas as pessoas e esteja plenamente garantida na Lei Maior. Mas, para sair nessa caminhada, precisamos de líderes e parece que não os temos mais. É urgente tê-los antes de pensar em todo o resto.