O Boletim da Liberdade, no dia 28 de junho, noticiou: “Fachin propõe aprovar cassação por abuso de poder religioso já em 2020”. Isso não me desceu bem. “Abuso de poder religioso?” O que poderia ser isso? Um poder sobre as almas? A garantia de entrar no céu? O abuso do poder religioso estaria, então, no rol onde já se colocam o abuso do poder econômico e do poder político? É provável, mas difícil saber, porque a criatividade do Estado Brasileiro para encontrar meios e modos de tutelar a sociedade é infinita.
A notícia diz que um Ministro do Supremo Tribunal Federal estaria a cuidar do caso da vereadora e pastora Valdirene Tavares dos Santos, de Luziânia (GO), punida pela Justiça Eleitoral por pedir votos num dos cultos da catedral local da Assembleia de Deus. Ou seja, no culto ela, uma pastora, pode pregar, cantar, cumprimentar efusivamente os “irmãos e irmãs em Cristo”, entregar e cobrar o dízimo, operar milagres, ato corriqueiro na vida dos líderes pentecostais, mas não pode pedir o voto de quem congrega com ela, nem avisar que é candidata. O laborioso Estado Brasileiro, através de seus agentes, não quer que os eleitores, ignorantes como são, corram o risco de acreditar que Deus chancela a candidatura da vereadora.
Quase tudo na legislação eleitoral brasileira é trágico e cômico. Para os candidatos, um inferno! O pior nesse quadro é ser deles, candidatos hoje, legisladores ontem e amanhã, a autoria de tamanha maluquice. Os agentes do Estado Brasileiro são tutores da vontade dos eleitores, talvez por nos considerarem idiotas o suficiente para cairmos nas armadilhas dos candidatos.
Com esse argumento, a legislação eleitoral criou a figura esquisita do pré-candidato, aquela pessoa que é candidata, mas não pode dizer que é, enquanto não for. O Estado tutor acredita que o eleitor pode ser levado a votar em quem não é candidato e em algum momento, disse que seria. Com o mesmo intuito os agentes do Estado criaram a pré-campanha. Afinal, se temos pré-candidatos, havemos de ter, pré-campanhas, que são campanhas sem o pedido de voto ou declaração de candidatura. Qual o sentido disso?
O Estado tutor, formado por gente que se imagina com inteligência acima da média, gente que lá chegou por eleição, concurso público, indicação de padrinhos e militância política – pouco importa – acha-se com a obrigação de orientar os eleitores para que eles, com inteligência abaixo da média, não sejam enganados pelos candidatos com esperteza além do limite.
Com o mesmo objetivo cuidador, o Estado tutor, esfriou as campanhas eleitorais, quando acabou com as festas e shows nos comícios, com a distribuição de material publicitário, que chamavam de brindes e com as reuniões onde se podia comer, beber e conversar sobre o voto. Hoje, o candidato pode estar presente aos churrascos, aos encontros, desde que prove que não foi ele quem pagou a conta, porque se ele pagar, os comilões, idiotas como são, se sentirão obrigados a votar no pagante. Quem sabe o eleitor, idiota como é, não possa ser enganado a ponto de votar num cantor de showmício acreditando ser ele o candidato?
O legislador, agente do Estado tutor, se defende com o argumento de igualdade de condições para todos os candidatos. Se é isso, como explicar as incongruências, por exemplo, da lei de desincompatibilização. Ela exige que quem exerce cargos públicos se afaste com antecedência para não usar a máquina pública a favor da campanha pessoal. Vejam como isso funciona: se um prefeito for candidato à reeleição poderá seguir no cargo campanha adentro, mas se for candidato a vereador, precisará deixar a prefeitura algum tempo antes. Faz sentido isso? E o mesmo acontece com os governadores e presidentes.
Outra situação curiosa no campo da igualdade de condições se dá com a veiculação gratuita da campanha na televisão e rádio e presença nos debates, quando a uns é garantido mais tempo que a outros e somente a alguns a presença nos debates. O Estado manda nos debates. Onde fica o cuidado com a igualdade de condições? O Estado tutor poderá responder que as campanhas são dos partidos e ele, Estado, precisa reconhecer a representatividade de cada um deles. Então, não é o cuidado com a igualdade, mas o desejo de não permitir que os pequenos ameacem os grandes.
Por essas situações e tantas outras, eu não gosto de um Estado que tenha o poder de orientar a minha consciência ou tentar mandar nela. Num discurso em 1854, o Presidente Abraham Lincoln declarou:
“Nenhum ser humano é bom o suficiente para governar outro ser humano sem o consentimento deste último”.
Eu acredito nisso. E acredito mais: que só os liberais têm a exata compreensão do papel que o Estado deve exercer numa democracia. Os demais são e serão sempre pacientes demais com os agentes do Estado que se acham no direito de se intrometer na vida da população. Para os liberais o Estado não é patrão, é servidor.
*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.
Por Jackson Vasconcelos