Recentemente, durante uma reunião do conselho do Instituto Atlântico estive em um debate caloroso e duríssimo com meu colega economista, empresário e presidente do instituto, Rafael Vecchiatti. Para ilustrar detalhes de sua opinião, ele me sugeriu a leitura de um dos seus artigos que expressa uma visão crítica e contundente sobre o atual papel do Supremo Tribunal Federal no Brasil. Ele questiona a independência entre os poderes e faz uma chamada enfática para que outros atores políticos e instituições do país atuem contra o que ele considera uma violação de liberdades e princípios constitucionais.
Compartilho com vocês o artigo do Rafael Vecchiatti, publicada originalmente no site do Instituto Atlântico, e os diálogos que compartilhamos após esta reunião.
GOLPISTAS e HOMENS DE CARÁTER
14/02/2024
Rafael Vecchiatti
“Numa nação livre, os cidadãos decidem os limites de poder que concedem ao Estado e aos seus dirigentes; num país que não o é, os governantes resolvem as liberdades que concedem aos seus cidadãos”. J. Goldsmith.
Vivemos um momento inusitado da nossa história política. Nos últimos anos, o comportamento do Supremo Tribunal Federal tornou-se absolutamente irracional. A Instituição, que deveria ser o espelho fiel da Constituição, tem se comportado como um tribunal de inquisição medieval e interferido ilegitimamente nas prerrogativas do Legislativo. Na prática, em decisões monocráticas ou coletivas, oprimem, cerceiam e condenam cidadãos, ao arrepio da LEI. E mais, anulam processos legítimos e soltam condenados quando os integrantes fazem parte da atual oligarquia dominante. Isso não é apenas insegurança jurídica: é o caos da ordem legal vigente!
A sanha de arbitrariedades que vêm sendo cometidas pela Suprema Corte do Brasil não deixa dúvidas sobre QUEM são os autores “do golpe” de que tanto falam em suas narrativas. Ou como diz aquele que se acha “o supremo do Supremo”, contra “o estado democrático de direito…”
Seria hilário se não fosse absolutamente trágico para a Nação Brasileira!
À luz da civilidade e dos verdadeiros princípios de justiça, tal comportamento é tão inacreditável e desprezível, quanto fere e sufoca a liberdade individual daqueles que têm caído nas suas vingativas e ditatoriais garras.
O verdadeiro “Estado de Direito”, que suas excelências ignoram, mas tanto proclamam em absurdas e cansativas narrativas, significa a adoção de 3 princípios fundamentais que a Civilização Ocidental aprendeu após longa experiência: o primeiro, que todos os órgãos de um Sistema de Governo devem ter perfeitamente definidas e claramente limitadas as suas funções; o segundo requisito é que as leis, para serem verdadeiras, devem possuir os seguintes atributos: serem normas gerais de justa conduta, iguais para todos (inclusive para quem as fez) e aplicáveis a um número indefinido de casos futuros; e o terceiro é o princípio constitucional da autonomia e independência entre os poderes. Para o atual STF, além de não respeitarem essa autonomia e independência, as leis não precisam ser iguais para todos, podem ser discricionárias ante este ou aquele seguimento da sociedade, e até retroativas.
Por outro lado, tem sido encorajador ver a evolução da quantidade de artigos e pronunciamentos sobre este sombrio momento político que estamos vivendo. Entretanto, fico abismado com o excesso de eufemismos em muitas dessas manifestações, que chegam a configurar clara covardia dos seus autores. A cuidadosa manifestação dos cidadãos privados é compreensível diante do receio de que as arbitrariedades os atinjam. Mas, e os membros das outras Instituições, eleitos ou escolhidos, justamente para manter o equilíbrio constitucional de um Sistema de Governo?
Onde estão os homens e mulheres de caráter deste País para se contrapor, legalmente, aos abusos da Suprema Corte? Certamente há muitos, mas ONDE ESTÃO?
Como Servidores Públicos, além de honrar as suas dignas funções, deveriam se importar seriamente com o seu comportamento à sombra da Constituição, a fim de evitar a verdadeira PREVARICAÇÃO.
E a prevaricação NÃO É caracterizada por se descumprir ordens emanadas por qualquer indivíduo de órgão superior, só porque o Estado lhes EMPRESTA poder numa hierarquia maior. Como o vernáculo nos ensina, PREVARICAR É: “ABUSAR DO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES, COMETENDO INJUSTIÇAS OU LESANDO OS INTERESSES QUE DEVIA ACAUTELAR” (dicionário Porto Editora). Sentido ao qual o artigo 319 do Código Penal acrescentou a penalidade omissiva, ao punir aquele que “DEIXA DE” praticar ato de ofício.
Em primeiro lugar, ONDE ESTÃO os magistrados das demais cortes e instâncias do País? Vão permitir que a “Instituição Justiça”, já tão criticada, desmorone? Onde está o CARÁTER e a CONVICÇÃO desses, diante do juramento de se cumprir a LEI? Tão ciosos de suas prerrogativas e vantagens profissionais, mas quietos e SUBJUGADOS por algum algoz desmoralizador da sua própria casa? Será preciso recordá-los que a VERDADEIRA JUSTIÇA é o último bastião da civilidade? E que depois dela só restará a barbárie?
ONDE ESTÃO os políticos de todas as esferas? Principalmente os do Congresso Nacional, que foram eleitos para representar o POVO! E o povo, na sua IMENSA MAIORIA, não quer este atual estado de coisas. Essa violação do processo legal, esse arbítrio ideológico, essa afronta à nossa ainda imperfeita Constituição. Os congressistas não só têm o PODER LEGAL (o Senado em particular), mas a OBRIGAÇÃO de cumprirem a Constituição e AGIREM em nome dos cidadãos que os elegeram! ESSA INAÇÃO, na verdade, demonstra claramente como é frágil e deturpado o nosso SISTEMA de REPRESENTAÇÃO atual, e porque necessitamos de uma NOVA Constituição.
ONDE ESTÃO os governadores E A SUA AUTONOMIA POLÍTICA? Ah! Somos uma república de mentirinha? Não têm autonomia ou moral para se afastarem do governo central? Esperem as PRÓXIMAS ELEIÇÕES (se houverem) para ver como o POVO os julgará pela covardia e OMISSÃO das suas responsabilidades. E esperem também a consolidação desse estado totalitário para ver como vai ser… A começar pela centralização de impostos, aprovada recentemente numa ABSURDA “Reforma Tributária” que os senhores, de fato, desconhecem.
E finalmente, ONDE ESTÃO os militares das 3 ARMAS, que juraram defender a Constituição? Estão esperando mais o quê? Concordam com o atual estado de coisas, onde um condenado comunista voltou ao Poder pelas mãos sujas do STF? E em conluio, estão executando um premeditado projeto de poder ditatorial, emanado do Foro S. Paulo? Nossas Instituições pereceram, e, com elas, a própria política. Se não há mais instituições minimamente confiáveis, aplica-se a famosa fórmula de Von Clausewitz: “a guerra é a continuação da política por outros meios.” Então, onde está o vosso discernimento? ONDE está a vossa HONRA? ONDE ESTÁ O VOSSO JURAMENTO?
São servidores públicos que também PREVARICAM? OU SÃO cidadãos HONRADOS que, por serem o Poder Coercitivo Legal vão defender a Constituição e a Nação desses abusos inomináveis?
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NOSSO DIÁLOGO:
Jackson:
Meu caro presidente, eu já conhecia o texto, mas de qualquer modo, agradeço a deferência. Dele discordo em um ponto – exclusivamente, quando vc chama os generais para uma conversa que não precisa deles, um equívoco que nossa gente já cometeu e eu, certamente também vc, não gostamos do resultado. Sim, há exageros nas decisões do STF, mas isso é coisa para o Congresso resolver. Há defeitos no Congresso, sim, mas isso é assunto para o povo resolver e ele não está impedido nem limitado para encontrar a solução. Por isso, discordo veementemente, com todas as minhas forças, da sua tese e da Katia (pessoa também brilhante), de estarmos sob a égide de uma ditadura. Não estamos. Já estivemos, quando os generais que vc convoca, estiveram na direção. Esse é o ponto. E ao entrar nele, chamo a sua atenção para o papel que entendo seja o nosso como componentes de uma organização de ponta como o é o Atlântico. Cabe-nos a tarefa de levar e defender diante do povo, as nossas idéias com força suficiente para convencê-lo, pois, pode ser que o povo na sua “IMENSA MAIORIA”, citado desse modo em seu texto, não tenha o sentimento que vc acredita que já tenha. É perigoso falar em nome do povo antes que ele se pronuncie. Concordo que precisamos de uma noca Constituição, sim pois a que o povo construiu eem 1988 não existe mais. Vc já me afirmou reconhecer que ela é uma colcha de retalhos. Meu caro presidente, há sim uma democracia vigente no país. Pode não ser a que gostaríamos que fosse, pois a democracia (poder exercido pelo povo) não nos atende, pelo fato do povo não nos compreender, daí a importância do Atlântico, no meu entendimento. Ele é um elemento estratégico para o convencimento daquele a quem cabe, de fato, decidir o destino do país: o povo. Vc cita o general Von Clausewitz, no ponto frágil dos argumentos dele: ” a guerra é a continuação da política por outros meios”. ERRADO. A política é o instrumento que oferece uma solução pacífica para os conflitos humanos. Onde há guerra, desaparece a política, que só retorna quando os povos sentam para o tratado de paz. Mas, já que estamos com “Da Guerra”, de Clausewitz, vou a uma passagem do prefácio oferecido ao livro por Anatole Rapoport: ” não possuímos nem desejamos possuir uma classe militar na qual os assuntos sejam delegados com plenos poderes. As nossas forças armadas, incluindo o corpo de oficiais, são recrutadas numa base democrática. É assim que deve ser, visto existir um único responsável nacional de um Estado democrático: o povo todo”. Desejo-lhe um bom dia.
Rafael Vecchiatti:
Obrigado pelas observações. Como bem notou, as Forças Armadas vem por último porque eles também tem a função (constitucional) de defender a Constituição. E são os que detém o poder coercitivo legal. Apenas por isso são chamados. É a última instância, quando todos os demais responsáveis falham.
O que chama de “exageros” do STF são, de fato, atrocidades à democracia e IMPEDEM o seu funcionamento constitucional. E o Congresso NÃO resolveu, até hoje. Diferentemente do que afirma, o povo está impedido de resolver simplesmente porque NÃO está representado como deveria. Nosso sistema partidário/eleitoral é uma FARSA. SEM voto distrital; recall; coeficiente eleitoral correto; fidelidade partidária e outros quesitos, jamais seremos representados corretamente. É isso por ora, meu caro Jackson. Quiçá tenhamos sempre tempo, disposição e liberdade para dialogar e contribuirmos, sempre melhor, para o nosso país. Um bom dia para tí também.
Jackson:
Meu caro, gosto do bom debate e como percebo que vc tem o mesmo prazer, ouso esticar a nossa conversa com um alerta sobre o papel dos militares, que, ao contrário do que vc expõe aqui não têm o dever constitucional de defender a CF, pelo menos não é o que diz o artigo 142, da CF, usado como argumento dos que pediram o golpe. Eis o artigo: “Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.” Está bem clara a subordinação suprema ao Presidente da República e garantidores da lei e da ordem só por iniciativa dos poderes constitucionais: Executivo, Legislativo e Judiciário. O povo tem acesso às ações das Forças Armadas quando escolhe o presidente. O sistema eleitoral e político é falho? Cabe ao Congresso refazê-lo. Ah! mas o povo é ludibriado quando escolhe os membros do Congresso? Pode ser, mas em sendo, retorno ao nosso papel como gente esclarecida: esclarecer o povo e criar os instrumentos para isso. Um dia, por aqui, um grupo de indignados fez o certo: criou um partido e disputou eleições. Eu me filiei a esse partido. Em 2018, votei, no primeiro turno, no candidato desse partido – Amoedo. em 2022, no primeiro turno, fiz o mesmo, votei no Luiz Felipe. É assim que entendo o jogo político