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Delfim, mestre em estratégia

Eu assisti à entrevista do Delfim Netto ao canal do Bonfá no youtube e gostei. Delfim me ajudou a ter um pouco mais de paciência e ainda alguma esperança com relação ao governo Jair Bolsonaro que, no quesito comunicação, anda confuso. Delfim está com 90 anos de idade. Ele foi ministro em tempos diferentes, de três pastas, Fazenda, Agricultura e Planejamento. As passagens por elas foram um exemplo de estratégia.

Delfim Netto assumiu o Ministério da Fazenda, em 1967. Era presidente o general Costa e Silva, que morreu no governo. Delfim permaneceu. Falecido o presidente, uma Junta Militar formada por três ministros das Forças Armadas afastou o vice-presidente, um mineiro civil, e assumiu o governo até entregá-lo ao general Emílio Médici, que governou até 1974. O conjunto pertencia à linha-dura do regime. Os moderados voltaram ao poder com o general Ernesto Geisel. Tinham saído quando o Marechal Castelo Branco deixou o governo.

Geisel não tinha simpatia por Delfim Netto. Enviou o ministro para um exílio em Paris, como Embaixador do Brasil.

O general João Figueiredo chegou à Presidência. Híbrido, nem linha-dura, nem moderado, mas com simpatia por Delfim Netto, Figueiredo colocou Delfim na única pasta autorizada pelo antecessor: Ministério da Agricultura. Geisel impôs ao Figueiredo a equipe econômica e o chefe da Casa Civil, Golbery do Couto e Silva. No Ministério do Planejamento, Geisel autorizou Mário Henrique Simonsen. Na Fazenda, o presidente do Banco do Brasil no tempo dele, Karlos Rischbieter e etc.

Desesperado para voltar ao Brasil, Delfim aceitou a sina. Assim que assumiu, iniciou o processo para substituir a turma do Geisel. O enfrentamento com Simonsen e Rischbieter se deu no Conselho Monetário Nacional. O Orçamento da União foi a espada da batalha.

Delfim acomodou no Banco do Brasil, um diretor de Crédito Rural, Aléssio Vaz Primo, com quem trabalhei. E danou a gastar no financiamento à agricultura. Para ter imagem forte com o presidente da República, Delfim criou uma campanha publicitária: “Plante que o João garante”. A campanha foi um sucesso e a popularidade do presidente cresceu.

Ou seja, aos olhos da estratégia, Delfim conquistou o Ministério da Agricultura e dele fez uma oportunidade para avançar. Ao estourar o orçamento do Banco do Brasil, Delfim irritou o guardião Simonsen, que contava com o ministro da Fazenda, para segurar o Banco do Brasil.

Delfim convenceu o Ministro da Fazenda a ser aliado dele. Simonsen sentiu o golpe e deixou o governo. Delfim assumiu o Ministério do Planejamento. Então, chegou a hora de livrar-se do ministro da Fazenda, que já cumprira o papel essencial de ajudar à expulsão do ministro Simonsen.

Delfim organizou-se com os demais ministros e, em pouco tempo, Rischbieter jogou a toalha. Delfim colocou na Fazenda de um aliado fiel, Ernane Galvêas. Em pouco tempo, Delfim voltou a dominar o governo como fez primeira vez em que foi ministro da Fazenda. Acabado o governo dos generais, houve a Assembleia Nacional Constituinte. Delfim foi eleito deputado federal por São Paulo e teve uma atuação fundamental.  

O cara é brilhante. Sempre foi. Diversas vezes eu estive nos escalões inferiores de comando do Delfim, mas ele irradiava lições de estratégia. Quando ele foi ministro da Agricultura, eu estava na Diretoria de Crédito Rural do Banco do Brasil. O diretor, Alessio Vaz Primo era um dos braços do Delfim.

Ministro do Planejamento, Delfim nomeou o Ministro da Fazenda, Ernane Galvêas. Eu ocupava uma das assessorias do Secretário-Geral, Maílson da Nóbrega.

Delfim na Constituinte, membro do Centrão. Eu participei de quase todas as reuniões, cedido pelo Banco do Brasil, para prestar informações e assessorar os deputados. Cheguei a visitá-lo no escritório dele em São Paulo.

Aprendi bastante. Não o suficiente, porque, quando o assunto é estratégia, nenhuma aula é suficiente.

A seguir, o vídeo:

Por Jackson Vasconcelos

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Em cartaz: “Vice”

“Vice”, filme em cartaz e candidato ao Oscar, é uma leitura bem-humorada da vida do polêmico e um tanto oculto, Dick Cheney, que foi chefe de gabinete da Casa Branca, secretário de Estado e vice-presidente dos Estados Unidos, quando ocorreu o ataque às Torres Gêmeas, no 11 de setembro de 2001. George W. Bush era o presidente.

Dick Cheney contrariou o figurino dos vice-presidentes americanos, por isso mereceu o filme com jeito de documentário não muito comprometido com os fatos reais. Afinal, a vida de Dick Cheney nunca foi um livro aberto e menos ainda algo de fácil leitura.

Visto com o olhar da estratégia, o filme é uma aula. Nele se vê o objetivo definido – a conquista do poder. Percebe-se também a exploração das oportunidades, o aproveitamento das conquistas, o descarte das ameaças e riscos e a leitura correta das perdas e derrotas para não repetí-las.

O primeiro exemplo está no início do filme. A história começa com um Dick Cheney irresponsável, beberrão e chegado à uma baderna. Um jovem apanhado pela polícia por dirigir bêbado.

Uma mulher, Lynne, mais tarde Lynne Cheney, muda a vida do cara. Para convencer Dick, Lynne coloca diante dele um futuro sombrio, construído em cima de uma realidade igual e demonstrada com facilidade: a vida da mãe dela casada com um beberrão violento. E insere um risco no processo de decisão: Dick perdê-la, porque ele deveria ser, para ela, uma oportunidade de ser feliz e não a ameaça de uma vida ruim.  

No livro Ação Humana, do liberal Ludwig Von Mises, há uma lição importante para quem precisa argumentar em favor de uma mudança de vida: o ser humano só muda de posição na vida diante de duas circunstâncias: ter consciência de que a situação em que se encontra é ruim e a certeza ou, pelo menos uma dúvida razoável, de que a mudança será para melhor. Lynne transportou Dick para o futuro numa carruagem onde ele já estava embarcado, mas indicou que outra carruagem poderia existir.

Lynne aparece no papel de uma mulher decisiva para o sucesso do Dick Cheney. Lê-se, com absoluta facilidade, o sucesso de uma estratégia que use o equilíbrio de gênero como elemento fundamental para alcançar o objetivo escolhido. A sensibilidade feminina de Lynne une-se à frieza de Dick para dar os resultados que o filme apresenta. Os governos brasileiros com machos em maioria e em todos os níveis, não pensam do mesmo modo e, por isso, vão de insucesso em insucesso.

Adiante, Dick Cheney aparece no Congresso Americano, na posição equivalente de um estagiário e identifica uma oportunidade de futuro em alguém que discursa: Donald Rumsfeld, estrategista, membro do governo. Donald é, no filme, a pessoa fundamental na construção da personalidade política de Dick. Para aproximar-se de Rumsfeld – objetivo imediato –  Dick coloca no processo um atributo estratégico: a ênfase. Ele ingressa no partido de Rumsfeld, o Partido Republicano. Dick concentrou-se no objetivo e simplificou a rota.

Uma curiosidade: Donald Rumsfeld também recebeu um documentário sobre ele: “The Unknown Known” (O desconhecido conhecido), que também vale assistir. Um dia, comentarei também com o olhar da estratégia. Por enquanto, fiquemos com o Vice.

Duas situações encerram as minhas considerações, mas o filme todo é o uso da ferramenta que facilita bastante o sucesso de projetos e objetivos, em qualquer campo da atividade humana: a estratégia.  

Dick deixou a política, quando Jimmy Carter derrotou Gerald Ford, governo em que ele foi secretário da Defesa. O filme encena o próprio encerramento de forma tão real que um casal colocado na minha frente chegou a se levantar para ir embora do cinema.  É quando ressurgem na tela Dick e Lynne numa vida confortável, razão do trabalho dele como CEO de uma grande empresa.

Caminha-se, então, para o período final do governo de Bill Clinton, ajeitando-se o governador George W. Bush, o filho, para ser candidato a presidente. Dick recebe sinais da possibilidade de ser convidado para estar na chapa como vice. Lynne e ele discutem a possibilidade e não gostam, porque ser vice e ser quase nada dá no mesmo.

Dick, então, recebeu um convite do governador George W. Bush para uma conversa inicial. Ele vai e saí de lá com uma informação estratégica que irá definir os termos do presença dele na chapa: George W. Bush pretendia ser presidente só com o propósito de crescer no conceito do pai, que já tinha sido. Dick passa esse sentimento para Lynne que, mesmo assim, mantém a posição de Dick não aceitar o convite.

Dick volta ao George W. Bush e a conversa é bem interessante aos olhos da estratégia. Faz parte do trailer do filme.

– Quero que você seja meu vice-presidente. Quero você, é meu vice.
– Bem George, eu sou CEO de uma grande empresa. Já fui secretário da Defesa. Já fui chefe de gabinete da Casa Branca. O cargo de vice-presidente é trabalho simbólico. No entanto, se chegarmos a um acordo, será diferente. Você entende? Se eu puder me encarregar dos trabalhos mais mundanos, supervisionando a burocracia, o exército, a energia e a política exterior
– Certo…Gostei da ideia. E então, topa?
– Eu creio que podemos fazer isso funcionar.

Será que um candidato à presidência da República, com uma candidatura que não fosse só um capricho, abriria mão de tanto poder? Bush e Dick são eleitos e nota-se durante o mandato do Dick a presença, quase como um letreiro em segundo plano, a frase que Lyanne diz na parte inicial da carreira do marido: “Quando você tem poder, as pessoas sempre tentam tirar isso de você…sempre”.

A segunda situação, com a qual encerro minha análise está bem presente nos debates políticos no Brasil. Ela nasce no filme com a cena da chegada de Mary, uma das filhas de Dick e Lynne, em casa. Mary, aos prantos conta aos pais que é gay e tinha brigado com a namorada. Notícia ruim para qualquer família naquele tempo e pior ainda para um político conservador. Numa passagem do filme, Lynne, substituindo Dick num comício, se levanta contra as feministas: “Enquanto elas queimam sutiãs, aqui na minha terra, nós usamos. E tem mais, Dick era um dos mais ferrenhos opositores ao reconhecimento do casamento gay”.

Dick reage com absoluta dignidade e respeito pela filha. Lynne, pelo olhar em cena, nem tanto, mas cede. Surge, então, a decisão estratégica de Dick: ele se afasta da política para preservar Mary. Mais à frente, a segunda filha de Dick e Lynne, candidata a deputada, levanta-se contra o casamento gay e contraria a irmã. Os pais também entendem a decisão da segunda filha, Lyz.

A família estruturada fora uma conquista da dupla Dick e Lynne, base do sucesso de todas as demais decisões. Então, que se conservasse. Mais um elemento que conceitua a estratégia.

Vá ver. Vale a pena, mesmo que você não esteja muito interessado em estratégias. O filme é bom e o desempenho do elenco, excepcional.  

Por Jackson Vasconcelos

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Quem precisa de voto tem medo

A eleição do presidente do Senado Federal foi disputadíssima? Aparentemente, sim. Na realidade, não. Era fatura decidida em favor do vencedor, senador Davi Alcolumbre, desde o primeiro momento da sessão. Os olhos de alguém acostumado à construção e análise de estratégias seria capaz de antecipar o resultado, pela ótica das oportunidades e ameaças apresentadas nas imagens transmitidas pela TV Senado.

O senador Renan Calheiros abriu como candidato preferencial. Imbatível, pelo histórico e por pertencer ao partido com maior número de cadeiras no Senado, o MDB. Abriu-se a sessão de posse dos novos senadores e escolha da Mesa Diretora, que conduzirá o Senado nos próximos dois anos, com direito de reeleição por mais dois.

O senador Davi Alcolumbre usou a função de único remanescente da Mesa Diretora a ser substituída, para assumir a presidência da sessão. Ele está na primeira metade do primeiro mandato, que começou em 2015 e terminará em 2023. Na presidência interina, ele empossou os senadores na nova legislatura e abriu a segunda parte da sessão, destinada à eleição da Mesa Diretora.

Neste momento, Renan Calheiros, de muitos mandatos, reeleito e empossado, entrou em desespero com endereço certo: O senador Davi Alcolumbre. As angústias de um homem experimentado indicam risco, ameaças. Ora, com votos suficientes e garantidos para ser o presidente, Calheiros deixaria a sessão correr. No entanto, ele perdeu o autocontrole e enlouqueceu a aliada senadora Kátia Abreu. O Brasil todo e talvez o mundo inteiro, viram do que ela foi capaz para prestar serviços ao colega Renan.  

Davi Alcolumbre permaneceu frio e firme no comando da sessão. Transmitiu a imagem de segurança dos votos que conquistara na campanha. Vários senadores, de público, registraram a visita que receberam dele nos estados à busca do voto.  Alcolumbre, ainda presidindo a sessão, à deliberação do plenário a eleição por voto aberto. Venceu com o voto de 52 dos 81 senadores. Está dado outro sinal de vitória antecipada.

Novamente, Renan Calheiros perdeu as estribeiras e correu para o STF, com o intuito de anular a decisão do plenário. Ele conseguiu uma liminar do presidente do Tribunal e um reforço para a imagem de homem desesperado. A votação teve início, com senadores, sem receio, declarando o voto para constranger quem não declarasse. Alguém, então, fraudou o processo.

O senador Renan Calheiros precisaria de mais tempo para amedrontar os colegas com a decisão do presidente do STF. Mas, a Mesa, já sob a presidência do senador mais idoso, como manda a regra, decidiu anular a votação e, imediatamente, partir para a próxima. O tempo que Renan queria pra si, ele, na verdade, entregou ao povo, que reforçou a pressão sobre os senadores que insistiram, na primeira votação, em manter o sigilo do voto.

Xeque-Mate. O povo conseguiu.

Em que momento o senador Renan Calheiros perdeu a disputa? No momento em que o povo brasileiro entendeu que é possível sim pressionar e levar. Quem precisa de voto tem medo.

Por Jackson Vasconcelos

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Mente na posse ou na campanha?

O que se pode esperar do discurso de posse de um presidente da república? Em que bases ele deve ser construído? Li o que consegui ler e ouvi o que consegui ouvir dos comentários sobre os dois discursos que fez o presidente Jair Bolsonaro no dia da posse. O primeiro, no plenário do Congresso Nacional. O segundo, no parlatório do Palácio do Planalto.

O Estadão se pronunciou em editorial, “A posse de Bolsonaro” com produtos do teclado da jornalista Vera Magalhães. A Folha de São Paulo participou com “Retórica da posse” e com as letras do Ricardo Balthazar, com “Bolsonaro rompe tradição ao ignorar desigualdade do país”. O Globo chegou com o velho hábito de dar uma no cravo e outra na ferradura. No cravo, quando fez meio elogio com “Acenos positivos ao entendimento e ao fim das divisões” e na pena do imortal Merval Pereira com “Duas Vozes”. Na ferradura, criticou os dois discursos com os artigos de Bernardo Mello Franco e Miriam Leitão.

Não fui ainda às páginas das revistas semanais. Mas, ontem, ao retornar de Teresópolis, ouvi Dora Kramer na Band News e alguns outros comentaristas que não consegui identificar, por precisar prestar mais atenção ao que acontecia em torno de mim na estrada. Na Band, Dora e todos os demais criticaram o presidente.

Em todos os veículos que visitei, tanto os críticos como os concordantes curvaram-se à iniciativa da primeira dama, Michelle Bolsonaro que, no parlatório, discursou antes do presidente, em linguagem de libras, interpretada por uma mulher, que a imprensa não nominou, mas qualificou como assessora. Os críticos foram unânimes: “o presidente permanece no palanque!” .

Minha praia é a estratégia, que precisa estar em todas as decisões, principalmente, na comunicação. Daí, eu pergunto: deveria o presidente na posse, falar para o regalo dos jornalistas e comentaristas ou reafirmar ao povo que o elegeu os compromissos que assumiu com ele?

Olhando da areia da minha praia, eu afirmo: o presidente acertou. A posse é o momento do encontro dos eleitores com os eleitos. É o grito mais alto de vitória. Não é hora dedicada aos jornalistas, nem aos políticos, nem aos críticos ou comentaristas. É hora sagrada na relação dos eleitos com os eleitores.

Mais a mais, que discurso poderia fazer o presidente Jair Bolsonaro para ser elogiado pelos comentaristas e críticos? Eles aceitariam bem na fala do presidente, o que cobram na crítica? Algo do tipo: “o que eu falei na campanha, só valeu para a campanha”.

O que esperavam a imprensa e os contrários? Que Jair Bolsonaro tivesse um discurso na campanha e outro no mandato. E se ele fizesse isso? Imaginem o que aconteceria!

A estratégia de comunicação do Presidente surpreendeu na campanha e surpreendeu na posse. Surpreendeu a imprensa, mas agradou os eleitores. Então, venceu!

Por Jackson Vasconcelos

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Elegeremos um rinoceronte?

Diz a biografia do teatrólogo Eugène Ionesco que ele foi um patafísico. A patafísica, informam os dicionários, é a metafísica das bobagens. Eugène viveu 85 anos. Faleceu em março de 1994. Perdeu a oportunidade de conhecer a evolução de uma doença identificada por ele numa pequena sociedade: “A rinocerontite”.

Eugène levou parte vida considerando o teatro uma arte falsa, artificial: “Para que fingir, também no palco, se fingirmos todos, diariamente? Se a própria vida é um fingimento da natureza cuja única verdade é a morte?”, dizia Eugène. Fácil, fácil, a gente concorda com isso.

Contudo, a dramaturgia terminou por dominá-lo, para bem do teatro. Começou com a “Cantora Careca”, um conjunto de diálogos absurdos, que não contam uma história. A peça está em cartaz há mais de 60 anos no pequeno Théatre de la Huchette, em Paris. Com apresentações diárias.

Eugène escreveu O Rinoceronte: “Num dia irritantemente comum, de uma cidade comum, onde nada acontece, a não ser o diálogo estúpido de homens que não sabem o que fazer de suas vidas, um rinoceronte enche de poeira uma rua. E causa espanto”.

A partir dali as pessoas da cidade vão, pouco a pouco, mas com velocidade, passando por uma metamorfose. Resistem, tentam fugir, mas transformam-se no curso de uma doença que Eugène Ionesco chama de “rinocerontite”, quando o ser humano perde a humanidade, a pele lisa e a fala. Brutaliza-se. Animaliza-se.

Em 1960, Ionesco contou como foi o ponto de partida de O Rinoceronte. Conta ele, que o escritor francês Denis de Rougemont estava em Nüremberg, quando ocorreu uma impressionantes manifestações nazistas de homenagem a Adolf Hitler. Uma multidão imensa postava-se à espera do Führer, que tardava a chegar.

Quando a comitiva de Hitler apareceu, houve uma histeria contagiosa, que o próprio Rougemont se sentiu atingido. Ele já estava prestes a sucumbir à estranha e terrível magia, quando, afastando-se da turba, parou para pensar: “Que espécie de demônio o estava possuindo, para ficar quase seduzido pela ideia de se entregar, como os outros, ao delírio insano?”. O fato inspirou Eugène Ionesco a escrever “O Rinoceronte”.

A campanha para presidente da república no Brasil tornou-se terreno fértil para o vírus da “rinocerontite”. As pessoas substituem a pele pelo casco e a fala pelo bramir. Todos vão, aos poucos, se transformando numa espécie nativa de Rinoceronte, o Bolsonaro.

E a doença já começa a aparecer no candidato Geraldo Alckmin. Vejam se não é verdade: “Porte de armas no campo deve ser ‘facilitado’, diz Geraldo Alckmin”.

Por Jackson Vasconcelos