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Vice

A escolha da semana para o podcast foi o filme Vice, de 2018. Visto com o olhar da estratégia, o filme é uma aula. Nele se vê o objetivo definido – a conquista do poder. Percebe-se também a exploração das oportunidades, o aproveitamento das conquistas, o descarte das ameaças e riscos e a leitura correta das perdas e derrotas para não repetí-las.

Na nova temporada do podcast “Aqui tudo é política”, Jackson Vasconcelos e Livia Andrade analisam peças como séries, filmes, livros, músicas, sempre pelo ponto de vista da comunicação política.

*Áudio disponível também no canal “Aqui tudo é política” no Spotify.

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Em cartaz: “Vice”

“Vice”, filme em cartaz e candidato ao Oscar, é uma leitura bem-humorada da vida do polêmico e um tanto oculto, Dick Cheney, que foi chefe de gabinete da Casa Branca, secretário de Estado e vice-presidente dos Estados Unidos, quando ocorreu o ataque às Torres Gêmeas, no 11 de setembro de 2001. George W. Bush era o presidente.

Dick Cheney contrariou o figurino dos vice-presidentes americanos, por isso mereceu o filme com jeito de documentário não muito comprometido com os fatos reais. Afinal, a vida de Dick Cheney nunca foi um livro aberto e menos ainda algo de fácil leitura.

Visto com o olhar da estratégia, o filme é uma aula. Nele se vê o objetivo definido – a conquista do poder. Percebe-se também a exploração das oportunidades, o aproveitamento das conquistas, o descarte das ameaças e riscos e a leitura correta das perdas e derrotas para não repetí-las.

O primeiro exemplo está no início do filme. A história começa com um Dick Cheney irresponsável, beberrão e chegado à uma baderna. Um jovem apanhado pela polícia por dirigir bêbado.

Uma mulher, Lynne, mais tarde Lynne Cheney, muda a vida do cara. Para convencer Dick, Lynne coloca diante dele um futuro sombrio, construído em cima de uma realidade igual e demonstrada com facilidade: a vida da mãe dela casada com um beberrão violento. E insere um risco no processo de decisão: Dick perdê-la, porque ele deveria ser, para ela, uma oportunidade de ser feliz e não a ameaça de uma vida ruim.  

No livro Ação Humana, do liberal Ludwig Von Mises, há uma lição importante para quem precisa argumentar em favor de uma mudança de vida: o ser humano só muda de posição na vida diante de duas circunstâncias: ter consciência de que a situação em que se encontra é ruim e a certeza ou, pelo menos uma dúvida razoável, de que a mudança será para melhor. Lynne transportou Dick para o futuro numa carruagem onde ele já estava embarcado, mas indicou que outra carruagem poderia existir.

Lynne aparece no papel de uma mulher decisiva para o sucesso do Dick Cheney. Lê-se, com absoluta facilidade, o sucesso de uma estratégia que use o equilíbrio de gênero como elemento fundamental para alcançar o objetivo escolhido. A sensibilidade feminina de Lynne une-se à frieza de Dick para dar os resultados que o filme apresenta. Os governos brasileiros com machos em maioria e em todos os níveis, não pensam do mesmo modo e, por isso, vão de insucesso em insucesso.

Adiante, Dick Cheney aparece no Congresso Americano, na posição equivalente de um estagiário e identifica uma oportunidade de futuro em alguém que discursa: Donald Rumsfeld, estrategista, membro do governo. Donald é, no filme, a pessoa fundamental na construção da personalidade política de Dick. Para aproximar-se de Rumsfeld – objetivo imediato –  Dick coloca no processo um atributo estratégico: a ênfase. Ele ingressa no partido de Rumsfeld, o Partido Republicano. Dick concentrou-se no objetivo e simplificou a rota.

Uma curiosidade: Donald Rumsfeld também recebeu um documentário sobre ele: “The Unknown Known” (O desconhecido conhecido), que também vale assistir. Um dia, comentarei também com o olhar da estratégia. Por enquanto, fiquemos com o Vice.

Duas situações encerram as minhas considerações, mas o filme todo é o uso da ferramenta que facilita bastante o sucesso de projetos e objetivos, em qualquer campo da atividade humana: a estratégia.  

Dick deixou a política, quando Jimmy Carter derrotou Gerald Ford, governo em que ele foi secretário da Defesa. O filme encena o próprio encerramento de forma tão real que um casal colocado na minha frente chegou a se levantar para ir embora do cinema.  É quando ressurgem na tela Dick e Lynne numa vida confortável, razão do trabalho dele como CEO de uma grande empresa.

Caminha-se, então, para o período final do governo de Bill Clinton, ajeitando-se o governador George W. Bush, o filho, para ser candidato a presidente. Dick recebe sinais da possibilidade de ser convidado para estar na chapa como vice. Lynne e ele discutem a possibilidade e não gostam, porque ser vice e ser quase nada dá no mesmo.

Dick, então, recebeu um convite do governador George W. Bush para uma conversa inicial. Ele vai e saí de lá com uma informação estratégica que irá definir os termos do presença dele na chapa: George W. Bush pretendia ser presidente só com o propósito de crescer no conceito do pai, que já tinha sido. Dick passa esse sentimento para Lynne que, mesmo assim, mantém a posição de Dick não aceitar o convite.

Dick volta ao George W. Bush e a conversa é bem interessante aos olhos da estratégia. Faz parte do trailer do filme.

– Quero que você seja meu vice-presidente. Quero você, é meu vice.
– Bem George, eu sou CEO de uma grande empresa. Já fui secretário da Defesa. Já fui chefe de gabinete da Casa Branca. O cargo de vice-presidente é trabalho simbólico. No entanto, se chegarmos a um acordo, será diferente. Você entende? Se eu puder me encarregar dos trabalhos mais mundanos, supervisionando a burocracia, o exército, a energia e a política exterior
– Certo…Gostei da ideia. E então, topa?
– Eu creio que podemos fazer isso funcionar.

Será que um candidato à presidência da República, com uma candidatura que não fosse só um capricho, abriria mão de tanto poder? Bush e Dick são eleitos e nota-se durante o mandato do Dick a presença, quase como um letreiro em segundo plano, a frase que Lyanne diz na parte inicial da carreira do marido: “Quando você tem poder, as pessoas sempre tentam tirar isso de você…sempre”.

A segunda situação, com a qual encerro minha análise está bem presente nos debates políticos no Brasil. Ela nasce no filme com a cena da chegada de Mary, uma das filhas de Dick e Lynne, em casa. Mary, aos prantos conta aos pais que é gay e tinha brigado com a namorada. Notícia ruim para qualquer família naquele tempo e pior ainda para um político conservador. Numa passagem do filme, Lynne, substituindo Dick num comício, se levanta contra as feministas: “Enquanto elas queimam sutiãs, aqui na minha terra, nós usamos. E tem mais, Dick era um dos mais ferrenhos opositores ao reconhecimento do casamento gay”.

Dick reage com absoluta dignidade e respeito pela filha. Lynne, pelo olhar em cena, nem tanto, mas cede. Surge, então, a decisão estratégica de Dick: ele se afasta da política para preservar Mary. Mais à frente, a segunda filha de Dick e Lynne, candidata a deputada, levanta-se contra o casamento gay e contraria a irmã. Os pais também entendem a decisão da segunda filha, Lyz.

A família estruturada fora uma conquista da dupla Dick e Lynne, base do sucesso de todas as demais decisões. Então, que se conservasse. Mais um elemento que conceitua a estratégia.

Vá ver. Vale a pena, mesmo que você não esteja muito interessado em estratégias. O filme é bom e o desempenho do elenco, excepcional.  

Por Jackson Vasconcelos