Publicado em Deixe um comentário

Lula solto. Bolsonaro livre?

Meu compromisso seria retomar a rota iniciada no artigo da semana passada, quando tratei da relação da imprensa com a política e firmei a minha opinião sobre o papel dos jornalistas como agentes políticos, que não conseguem, ainda que queiram, agir com isenção.

Contudo, preciso mudar o rumo da conversa, porque Lula voltou às ruas com base numa decisão do Supremo Tribunal Federal, fato que desejo comentar sob a ótica da imagem e dos conceitos da estratégia, ferramenta que avalia oportunidades, ameaças, pontos fortes e frágeis e cria mecanismos para que se conservem as conquistas.

O STF saiu com a imagem arranhada? Muito, apesar dos ministros, terem dado, no passado, uma no cravo e agora, outra na ferradura. Somos uma nação rachada ao meio desde 2014. Então, era de se esperar que, ao agradarem uma parte do povo com a prisão em 2ª instância e a outra parte, agora, com uma sentença inversa, os ministros tivessem zerado o jogo. Não zeraram, porque com relação à imagem, os ministros, na verdade, abriram uma segunda cicatriz na face.

O Supremo Tribunal Federal é, por definição, o guardião da Constituição e ao decidir sobre a aplicação dela não deveria ter dúvida. E, certamente, não tem. As decisões que contrariam decisões anteriores têm outro motivo. A Corte, como a imprensa, é formada por homens e mulheres com histórias de vida, simpatias e antipatias próprias, que se comunicam numa linguagem também muito própria. Ela lhes permite dizer a mesma coisa de modos mil vezes diferentes e coisas diferentes de mil modos iguais. O Supremo tem, além desses, outro argumento para as decisões controversas: o legislador brasileiro faz leis com jeitinho.

Há algum mal nesse modo do Supremo se relacionar com as leis e com a população? Se há, ele vem do início da nossa história, tempo suficiente para a gente aceitar o fato como tradição e ter menos aborrecimentos. Os livros “Tanques e Togas” e “Os Onze, o STF, seus bastidores e suas crises” dão boa mostra de como os ministros da Corte são humanos comuns com vigor político. No capítulo que comenta as consequências da morte do Ministro Teori Zavascki, “Os Onze” registra uma declaração do ex-ministro Sepúlveda Pertence sobre o STF. Diz ele: “O Supremo é um arquipélago de onze ilhas incomunicáveis”.

Para mostrar que o modelo não é exclusivo do Brasil, o livro continua a definição com a declaração do juiz da Suprema Corte americana, Oliver Wendell Holmes sobre o tribunal dele: “Nove escorpiões numa garrafa”. “Tanques e Togas” e “Os Onze foram escritos pelo jornalista Felipe Recondo, o segundo em parceria com Luiz Weber, jornalista e mestre em Ciência Política.

Nesse contexto, alguns perguntam: “Onde estará a segurança jurídica?”. Está em sabermos que as leis e decisões judiciais, em nossa terra, funcionam ao sabor dos ventos da política.

Antes que termine meu espaço, pulemos algumas casas para chegar ao Lula nas ruas. É o caso de se perguntar: E agora, para onde irá a política? Irá, com mais velocidade, para os extremos, dando ao centro, o destino que Cristo deu à igreja em Laodicéia: “…Assim, porque és morno e nem és quente nem frio, estou a ponto de vomitar-te da minha boca” (Apocalipse 3:16).

E a batalha entre os extremos, quem vencerá? É cedo para saber, mas com Lula solto, Bolsonaro perde a liberdade para fazer o que anda a fazer por aí se quiser conquistar outro mandato. Mas, ele ganha a oportunidade de receber de volta os apoios que vem perdendo de antigos eleitores e aliados e tudo deveria fazer para conservá-los porque, na vida, não há insubstituíveis.

Para não termos o PT de volta ao poder, nós substituiremos Bolsonaro se ele não for a garantia que precisamos. Os liberais, certamente, têm bons personagens.

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos

Publicado em Deixe um comentário

Bolsonaro: “Vivendo e aprendendo a jogar”

Não espere do jornalismo mais do que ele é e tem sido, aqui e no mundo. Isso pode levar você a conclusões precipitadas sobre o papel da imprensa. E se você lidar com a política, poderá ter dores de cabeça.

O jornalista e professor Eugênio Bucci publicou há tempos o livro “Ética e Imprensa” e na introdução afirmou: “O jornalista não age para obter resultados que não sejam o de bem informar o público; ele não tem autorização ética para perseguir outros fins que não este. Além disso, é cada vez mais chamado a pensar nas consequências do que faz…”

Será?

Em todos os tempos e lugares, o jornalista tem sido um profissional, que age para fazer, sem isenção pessoal, da notícia um instrumento de ação política. Eugênio Bucci admite isso no primeiro capítulo do livro, mas dá aos fatos que narra, todos sobre o Jornal Nacional, o caráter de exceção recriminada. Quando não são.

Na semana passada, o Jornal Nacional aproximou a imagem do presidente Jair Bolsonaro do assassinato da vereadora Mariele e do motorista dela. O presidente soltou os cachorros!

Pelo modo como as informações se organizaram, se a intenção do Jornal Nacional fosse “obter resultados que não sejam o de bem informar o público”, a confusão não teria acontecido. O fato não seria notícia, se o editor colocasse frente a frente as duas informações que recebeu. Uma dizia que Jair Bolsonaro, de viva-voz, ele próprio, teria autorizado a entrada no condomínio onde residia, de um dos assassinos da vereadora, para que ele se encontrasse com o outro, residente no mesmo condomínio e, de lá, os dois saíssem para cometer o crime. Isso faria do Jair Bolsonaro, cúmplice no assassinato.

A outra informação obtida pelo Jornal Nacional mostrava, com provas irrefutáveis, a impossibilidade de ser verdade o primeiro dado, porque Jair Bolsonaro, no mesmo dia e hora, estava em Brasília. Um editor preocupado em “bem informar o público, sem autorização ética para perseguir outros fins”, teria dado à notícia uma conotação diferente a favor do presidente, porque essa era a notícia, ou teria encerrado o caso ou, ainda, solicitado uma investigação mais profunda, para melhor calçado voltar à estrada. Nada disso ele fez e o Jornal Nacional veiculou a notícia com a sutil intenção de levantar dúvidas sobre o presidente.

Mas, a atitude não é exclusiva do sistema Globo, como muita gente quer crer, inclusive, Eugênio Bucci, com os exemplos que apresenta no livro.

Al Franken é um comediante americano, autor de um bestseller, “Mentiras e os grandes mentirosos que as contam – Uma visão imparcial e equilibrada da direita”. Vale ler. Nela estão citados, entre os grandes do jornalismo, nada menos que Washington Post, New York Times e CNN com exemplos comprovados de distorções transformadas em notícias para uso político, na relação da imprensa com as eleições americanas.

Eu elaboro estratégias de ação política, identifico oportunidades e ameaças aos projetos que me são colocados. A expectativa errada do político com relação ao papel dos jornalistas é uma ameaça aos projetos dele. Na relação da imprensa com a política, eu desconheço (pode ser ignorância), casos em que sobreviveu o interesse de bem informar à intenção de criar imagens que, verdadeiras ou falsas, construam a decisão do eleitor.

O tema é extenso. Voltarei a ele na próxima semana.

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos

Publicado em Deixe um comentário

Mais soluções, menos burocracias

Fala-se por aí em reforma administrativa. Seria boa providência, porque o Estado é fundamental prestador de serviços para a população toda e, em especial, para a população pobre e para a classe média. E sabe-se que a qualidade do serviço público no Brasil é das piores. Resta saber como será a reforma, tema muito antigo na pauta nacional. Outras vezes já se tentou fazê-la e nada de concreto se conseguiu porque, no fim da linha, as corporações venceram. 

Dê no que der a reforma, o serviço prestado ao público pelo Estado Brasileiro já poderia ser melhor, pela simples adoção de práticas administrativas e uso adequado de uma tecnologia que o mercado já oferece. O Estado opera pouco com aplicativos e nesse campo há muito a explorar. Na campanha para a Prefeitura do Rio, em 2016, Indio da Costa, candidato, navegou bastante pelo tema, que por um erro de comunicação do candidato com o público e ação nociva dos adversários, virou chacota. 

Sabe-se que é possível sim, com o uso de aplicativos, reduzir barbaramente a burocracia, organizar as filas de atendimento, enquanto elas existirem e acabar com a velha prática de criar dificuldades para vender facilidades .

Outro campo em que o Estado que pode melhorar muito é o da comunicação dos seus agentes com o público e nesse sentido faz bem ler a matéria: “Discurso afinado”, da revista Meio & Mensagem, de 28 de outubro. A matéria está assinada por Karina Balan Julio. Nela está uma nova abordagem das empresas de RP (relações públicas) no trabalho com o pessoal das empresas, que fala com o público. 

Um dos motivos da reputação ruim dos servidores públicos é a maneira como eles se comunicam com o público externo e com o público interno. Nesse ponto, a matéria da Karina mostra um caminho novo adotado pelo setor privado, que eu entendo, caberia muito bem no setor público.

O primeiro ponto é a escolha dos porta-vozes. A matéria do Meio & Mensagem alerta que as empresas de comunicação têm aplicado treinamentos de interlocução em todos os níveis funcionais das empresas. 

“Não bastava que apenas a diretoria carregasse o discurso, todos na empresa precisavam entender e falar sobre inovação. Antes quem falava para fora era apenas o diretor ou presidente, mas hoje estamos capacitando diferentes pessoas para falar”, avisou Sabrina Sciama, diretora de relações corporativas da Visa. 

Helena Bertho, gerente de comunicação da Coca-Cola, foi na mesma linha: “Os porta-vozes eram tradicionalmente treinados hierarquicamente, primeiro os vice-presidentes, depois diretores e, então, gerentes sênior. Com o passar do tempo, entendemos que seria interessante ter mais especialistas falando sobre temas de interesse da companhia”. 

Na administração pública a principal voz é da liderança política, escolhida pelo voto popular, mas todos os agentes públicos são cobrados para falar e falam distribuindo confusão. O treinamento amplo ajudaria bastante melhorar a reputação do setor público. 

Outro ponto é o uso da linguagem adequada. É preciso acabar com o discurso excessivamente formal e impessoal e confuso. Diz a matéria: A linguagem direta e orgânica, característica da era digital estimula que porta-vozes adotem um novo tomo diante de consumidores, colaboradores e demais stakeholders. 

“Temos visto uma mudança de linguagem gritante. O mundo em que vivemos hoje é cada vez menos intermediado e, por isso, as pessoas querem se comunicar de maneira mais direta” (Eduardo Vieira, do Grupo Ideal).

Por fim, há a questão dos canais. O setor público ainda vive o formato da relação com a imprensa, mas a comunicação hoje se dá nas redes, canais que o setor público utiliza pouco, mas que mostra, a cada dia, maior poder de convencimento.

Por Jackson Vasconcelos

Publicado em Deixe um comentário

Estado: paizão de poucos, padrasto de muitos

“Quem tem padrinho não morre pagão” – e melhor padrinho não se pode ter no Brasil que o Estado Brasileiro. Ele é gigantesco, tem peso e relevância na vida de todas as pessoas. Quando ele não é seu padrinho, será seu padrasto. Nunca lhe será indiferente. Certamente, lhe causará problemas e fará da sua vida um inferno. Sem controvérsias.

Poderia o Estado Brasileiro ser padrinho de todos os brasileiros? Evidente que não, porque lhe faltariam os recursos para isso. Então, ele seleciona quem apadrinha e o resultado dessa seleção se vê, com facilidade, na desigualdade social, tema que vai e volta ao debate nacional por anos a fio sem solução.

A Fundação Getúlio Vargas publicou, há pouco tempo, o estudo “A Escalada da Desigualdade”, com dados que demonstram um crescimento continuado da concentração de renda no Brasil nos últimos anos. Lá está dito que, do quarto trimestre de 2014 até hoje, a metade mais pobre do país viu a renda própria diminuir 17,1% e a classe média, 4,16% . Nas outras pontas, onde estão os 10% considerados ricos, a renda cresceu 2,55% e na faixa do 1% considerado bem mais rico, cresceu 10,11%.

Os especialistas em análise atribuem o fato ao desemprego. Entretanto, seja em tempos de bom ou ruim número de empregos, a desigualdade no Brasil é constante e crescente. Não sofre abalos e desse modo tem boa serventia para os discursos políticos.

Para privilegiar seus apadrinhados, o Estado concentra renda quando tributa. A preferência dele pelos impostos indiretos faz com que os ricos e os bem mais ricos paguem menos impostos do que os pobres. E mesmo nos impostos diretos, caso do imposto de renda, os ricos pagam menos impostos do que a população da classe média. A tabela é bem pensada para o objetivo.

Em 1976, doze anos antes da Assembleia Nacional Constituinte, a Comissão de Economia da Câmara dos Deputados promoveu um Seminário sobre Reforma Tributária. Eu compareci, com a empolgação de um jovem estudante de Economia com apenas 23 anos de idade. O Professor Carlos Lessa fez, na minha avaliação, a melhor apresentação do seminário com uma exposição minuciosa e didática sobre os defeitos do sistema tributário nacional. Lá estava, na cabeça da lista, a preferência do legislador pelos impostos indiretos, situação que o Professor Carlos Lessa chamou de “absurda e injusta desigualdade de tratamento”. Hoje, 43 anos depois, ainda se diz que haverá uma reforma para dar um jeito nisso. Duvido.

O Estado concentra renda também quando gasta. Concentra na entrada e na saída dos impostos.

O poder e influência que as corporações e os ricos têm sobre os orçamentos públicos anulam uma das mais elementares funções do Estado: a criação de oportunidades para que os pobres possam evoluir para além da pobreza. Os ricos se viram bem com a educação própria e dos filhos, resolvem muito bem os problemas com a saúde, segurança e transportes. O pobre, no entanto, precisa do Estado para acessar esses serviços essenciais à redução das desigualdades. Sem o Estado, os pobres não conseguem sair da pobreza e quando a exceção surge é só para confirmar a norma.

Ocorre que nem todas as fortunas são resultado do esforço pessoal ou, simplesmente, do trabalho dedicado de quem enriqueceu. São, sim, muitas vezes, dádivas do padrinho, porque na raiz da fortuna estão os subsídios concedidos pelo Estado e a facilidade oferecida a alguns para a solução de problemas que a burocracia cria para todos.

Somem-se a tudo isso os gastos que o Estado tem com ele próprio e se terá mais um elemento a confirmar o apadrinhamento da desigualdade. O fosso amplia-se na concessão de mordomias, de prerrogativas de função, salários absurdamente altos, férias de muitos meses, situação que cria novos ricos e mantém antigos pobres.

No Brasil, só se terá redução da desigualdade social quando o Estado for devolvido ao lugar que lhe cabe por obrigação: o equalizador das oportunidades.

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos

Publicado em Deixe um comentário

PSL: “Nada há de novo debaixo do sol”

Essa confusão no PSL é uma coisa muito feia! Mas não é coisa nova. Em dezembro de 2015, dois Leonardos se enfrentaram pela cadeira de líder do PMDB na Câmara dos Deputados, numa disputa fora de época, igualzinha à que acontece no PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro.

O objetivo naquele tempo era a composição de uma comissão especial para analisar o impeachment da presidente Dilma Rousseff. O deputado federal Leonardo Picciani, líder do partido na Câmara, quis indicar para compor a comissão colegas contra o impeachment. Os a favor, liderados pelo correligionário Eduardo Cunha, não gostaram, assinaram uma lista, destituíram Picciani e nomearam Quintão. Picciani reagiu, convocou deputados federais licenciados e conseguiu recuperar a cadeira.

A imprensa teve com o que se ocupar um bom tempo e a história conta o resto. O destino de cada personagem mostrou que uns foram para um lado, os demais para outro, mas nenhum deles retornou ao mandato.

A briga no PSL tem outros motivos, ainda não se sabe exatamente quais, mas a razão, é possível assegurar, é a mesma da briga no PMDB em 2015. Encontrei-a num livro que li há muitos anos e ao qual voltei recentemente, motivado pela crise política no Peru.

No Peru, a confusão de hoje começou na década de 90, quando Alberto Fujimori, a novidade, o puro, derrotou, com a ajuda dos evangélicos, o escritor Mário Vargas Llosa na disputa pela Presidência da República. O escritor nobel da literatura contou a experiência dele com a política na campanha presidencial no livro de memórias “Peixe na Água”.

Num dos melhores trechos, que tem uma absurda serventia para avaliar os movimentos da política em todo o mundo moderno, Mário Vargas Llosa registra:

“Já dentro da fogueira, fiz uma descoberta deprimente no decorrer daquelas reuniões tripartites (momento em que ele construía as alianças políticas). “A política real…”, disse ele, “não aquela que se lê e se escreve, se pensa e se imagina – a única que conheci -, mas a que se vive e se pratica no dia-a-dia, tem pouco a ver com as ideias, os valores e a imaginação, com as visões teleológicas – a sociedade ideal que gostaríamos de construir – e, para falar com crueza, com a generosidade, a solidariedade e o idealismo. Ela é composta, quase exclusivamente de manobras, intrigas, conspirações, pactos, paranóias, traições, muito cálculo, uma dose não negligenciável de cinismo e todo tipo de tramóia. Porque o que efetivamente mobiliza, excita e mantém em atividade o político profissional, seja ele de centro, de esquerda ou de direita, é o poder: chegar a ele, manter-se nele ou voltar a ocupá-lo o mais depressa possível. Há exceções, claro, mas que são isso mesmo, exceções. No início, muitos políticos são movidos por sentimentos altruístas – mudar a sociedade, obter justiça, impulsionar o desenvolvimento, moralizar a vida pública – mas, na prática miúda e comezinha que é a política cotidiana, esses belos objetivos vão deixar de sê-lo para transformar-se em simples tópicos de discursos e declarações – dessa persona pública que adquirem e que acaba por torná-los quase indiferenciáveis entre si – e, no fim, o que prevalece neles é o apetite cru e às vezes incomensurável pelo poder. Quem não é capaz de sentir essa atração obsessiva, quase física, pelo poder, dificilmente chega a ter êxito na política”.

Santo Deus! Como isso é verdade! Li o “Peixe na Água” em janeiro de 1996, num raro momento de lazer com os filhos no Hotel Fazenda Caluje, em Engenheiro Paulo de Frontin. Achei o trecho poético e marquei-o. Depois, sem voltar ao livro, passei por várias experiências eleitorais, como operador de campanhas.

Voltei a lê-lo, recentemente, quando comecei a ouvir gente dizendo que a eleição do Jair Bolsonaro, no Brasil, do Trump, nos Estados Unidos ou do governador Witzel no Estado do Rio de Janeiro são coisas novas, coisas que nunca se viu. Mas eu sabia que já tinha visto algo bem parecido e muito antigo. E vi mesmo.

O povo do Peru derrotou Vargas Llosa porque ele organizou uma chapa com políticos tradicionais e não se curvou a uma agenda conservadora nos costumes. Assumiu ser agnóstico e defendeu que “as crenças religiosas, tal como as amizades e a vida sexual e sentimental, pertencem ao domínio privado, devem ser rigorosamente respeitadas e em caso algum transformadas em matéria de debate público”.

O que seria o Peru com a vitória do Vargas Llosa é hoje puro exercício da imaginação; mas o que conseguiu ser ao eleger Fujimori, se sabe.

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos

Publicado em Deixe um comentário

O calcanhar de Aquiles do Estado Brasileiro

“Até aqui você só me apresentou os argumentos a favor de você. Nenhum a favor da empresa. Então, meu caro, a minha decisão está tomada. Você ficará, exatamente, onde está e me agradeça por isso, porque eu poderia tirá-lo da subgerência, por sua postura. Quando você pensar um pouco mais na empresa, retorne, e eu darei a você a nomeação que você quer”. O autor da frase, Admon Ganem, era Diretor de Recursos Humanos do Banco do Brasil, no final da década de 70, início dos anos 80.

A resposta à pergunta que fez Admon Ganem ao subgerente de uma das agências de Mato Grosso, que gostaria de ser gerente em Barra do Piraí, sua terra natal, onde ele tinha casa própria e residia perto dos pais, é o calcanhar de Aquiles da administração pública e não há Páris que, com uma flecha certeira, consiga ferí-lo.

Com que objetivo são nomeadas as pessoas que ocupam cargos de confiança no Estado Brasileiro? Passei por alguns deles.

Ao nomear, por exemplo, um diretor para um hospital público, ou o superintendente que cuida da limpeza urbana ou da fiscalização do transporte público, ou ainda o chefe do posto de atendimento do DETRAN, o que deles espera quem os nomeou?

Se, sinceros fossem todos os nomeadores, certamente, diriam que o objetivo é vencer eleições ou recompensar os que ajudaram a vencê-las antes. Por isso, os serviços públicos no Brasil são o que são em qualidade.

Visitei o Congresso dos Estados Unidos em 2017. No Capitólio, conversei com o chefe de gabinete de um deputado federal por Ohio. Perguntei a ele se ele tinha participado da campanha do chefe. “What???” O cara respondeu meio estarrecido: fui escolhido como todos os que servem aos gabinetes dos parlamentares por aqui, através de um processo de seleção coordenado por uma empresa de headhunter.

Para diminuir o dano das nomeações de critério pessoal, que chamam político, criou-se o concurso público e acreditou-se que, pronto, por aí, seria menor o dano.

Qual o quê? O modelo quase nada adiantou para melhorar o serviço público, porque os cargos de chefia – elite do serviço público – permanecem com o critério de nomeação discricionária. Então, os concursados, se quiserem ir ao topo da carreira, que se submetam ao poder político que, sempre tem no foco, as disputas eleitorais.

Sim, mas existem os que não se interessam por isso e acomodam-se. A comodidade está no centro da questão levantada pelo Admon Ganem. Uma pessoa acomodada, que conta o tempo, também não se incomoda com quem defende dos serviços dela.

Adam Smith identificou que os homens e mulheres produzem mais quando recebem a recompensa tanto da diligência ou inteligência como as penalidades da indolência. E, sinceramente, não há quem, protegido por qualquer ideologia, consiga contestar a verificação de Smith.

Entretanto, como se pode punir ou premiar num ambiente de estabilidade legal do emprego e onde não há um sistema de avaliação do desempenho desenvolvido com boa técnica? Não tem como.

Por isso, para o servidor público concursado ou indicado pelas preferências eleitorais, tanto faz como tanto fez a satisfação do consumidor do serviço público. Cada um que cuide de si.

Por isso, o Brasil precisa de transformações na estrutura do serviço público, tanto quanto precisa de reformas na previdência, no modelo de tributação e no sistema político. No conceito de estratégia, o serviço público no Brasil é uma ameaça permanente ao crescimento econômico, mas que pode ser transformada numa oportunidade incrível para se ter um Estado eficiente e mais barato.

O Brasil tem enfrentado a desonestidade com muita convicção. Precisa vencer a ineficiência do Estado com a mesma força. Afinal, a desonestidade e a incompetência produzem os mesmos resultados na vida da população.

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos

Publicado em Deixe um comentário

“A política dá medo”

A política dá medo? Sem precisar pensar muito, Angélica respondeu que sim, numa entrevista à revista Marie Claire: “No Brasil, em vez de a política ser algo do qual as pessoas se orgulham, dá medo”. Ela disse isso, questionada sobre a possibilidade de ser a primeira-dama do Brasil. “Seria uma honra? Claro. Mas, eu nunca quis isso”.

Mas, o que é a política? É, de fato, algo que a gente deva temer? E o que é ser a primeira-dama? Um posto que deva ser causa de honra, mas nunca do desejo de uma mulher?

Com alguma pretensão, caminharei por essa estrada unindo as duas pontas, o medo e a honra. Como terá sido, em medo e honra, a vida das primeiras-damas do Brasil, se olharmos para a história dos presidentes?

Como terá sido para dona Mariana da Fonseca assistir o marido moribundo levantar-se da cama para, montado num cavalo declarar a República, mesmo ele tendo, durante toda a vida, defendido a monarquia e sido fiel ao Imperador?

E dona Josina Peixoto, esposa do ditador Floriano? Teve medo ou honra, quando ele decretou o Estado de Sítio, enviou todos os opositores para a Amazônia, ameaçou dissolver o Supremo e prender os ministros se o habeas corpus impetrado por Rui Barbosa em favor dos perseguidos fosse atendido?

Como terá sido o início da eternidade de dona Orsina da Fonseca, que faleceu aos 53 anos de idade, deixou cinco filhos e soube que logo depois o seu marido, viúvo, casou-se com a caricaturista Nair de Tefé, num tempo em que a mulher independente era coisa do diabo?

Mas, saltemos no tempo para chegar à vida da gloriosa Darcy Vargas. Honra ou medo? A honra de um tempo longo como primeira-dama substituiu o medo do exílio e a dor do “mar de lama”? Como foi para Darcy o suicídio de Getúlio provocado e estimulado pela política?

Dona Sarah teve honra, sem dúvida. Mas, a honra compensou as dores da perseguição e covardia política contra o médico que entregou o jaleco para dedicar-se à política que, com ele, passou a ser um instrumento de transformação de um país pré-histórico numa Nação desenvolvida?

E dona Eloá? Houve honra ou medo quando soube que o cara que ela conhecia melhor do que ninguém seria o Presidente da República?

Como foi para dona Maria Thereza Goulart viver as consequências de uma “fake news”? Daquela que declarou o seu marido fora do Brasil, quando ele estava em terras nacionais, só para lhe tomarem, à força, a presidência da República? Sobre ela, vale ler “Uma mulher vestida de silêncio”. Eu li e gostei muito.

E para dona Ruth Cardoso? Honra ou medo? E sobre essa é possível dizer que talvez nem honra, nem medo, porque ela soube que o papel dela na vida do Presidente era rigorosamente diferente do papel dela na vida do Brasil. Soube ser presidente, mas do que primeira-dama.

O que terá passado Dona Marisa em toda a sua história como primeira-dama?

O que terá sido para Hillary Clinton pensar antes na Presidência e no país diante das peripécias de um marido galã? O que terá sido para Jackie Kennedy o assassinato do marido, no auge da carreira?

Alguém deveria dizer para a Angélica que honra ou medo são sentimentos que não se anulam. Se ela tiver medo do desafio, pela consciência que tem da relevância do papel de um presidente na vida do povo, a honra lhe será companheira. Se a ela e a ele faltarem a consciência do que há para fazer por nossa gente, aí a honra lhes faltará, como faltou para Rosane Collor. E ainda temos Perón, um sujeito que acreditou tanto, mas tanto, na influência das primeiras-damas na vida de um presidente, que entregou o poder às suas esposas.

E o tema é bom para que alguém, entre os machos, se pergunte se terá sido honra ou medo ser marido de Thereza May, de Golda Meir ou de Indira Gandhi. Ou se dá medo ou honra ser o marido da eterna Rainha Elizabeth.

Não se sabe ainda se Luciano Huck será, um dia, Presidente do Brasil, porque, ao que se vê, ele ainda não conseguiu definir se isso será uma honra ou se algo aterrorizante.

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos

Publicado em Deixe um comentário

Quantos presidentes vale um prefeito?

Só teremos eleições para presidente em 2022. Antes, daqui a pouco mais de um ano, iremos às urnas para as campanhas municipais, que aproximam o eleitor do sentido da política e da consequência imediata do voto.

Está com os prefeitos e vereadores a responsabilidade direta pela qualidade de vida das pessoas que usam as calçadas, as ruas, os transportes, se submetem à maneira como o trânsito funciona, apelam pelo primeiro atendimento médico, precisam da garantia da ordem urbana e da têm necessidade absoluta, absurda, de acesso à educação, uma dificuldade nacional.

O primeiro contato da criança com a educação, nas escolas e creches, está no ambiente dos prefeitos e vereadores e isso é relevante para a maioria da população brasileira, que não pode arcar sozinha com os custos de educar os filhos.

O cuidado com a primeira infância e com a relação das crianças com as escolas é indispensável para um país onde a educação, principalmente, a pública, deseduca. Se, de fato, desejamos mesmo dar uma grande virada no jogo da educação, deveríamos começar por onde ela começa, nas decisões dos prefeitos e dos vereadores.

A pobreza hereditária é outro problema que o Brasil precisa resolver se quiser, de verdade, diminuir a desigualdade social. Vejo presente um discurso recorrente de redução das desigualdades, mas com uma miopia que dificulta identificar o papel da educação no processo. Por isso, parte-se para a caridade e exploração política da miséria, mas não para as medidas concretas de eliminação do problema, que depende da reversão das expectativas de permanência na pobreza dos filhos dos pobres.

A educação é a solução para desigualdade, porque abre janelas de oportunidades para melhor ocupação e renda, num processo que se torna mais fácil se começar bem e o começo é com os prefeitos e vereadores.

Quando se joga no tabuleiro o conceito de oportunidades, não há como fugir da mobilidade como tema essencial. O emprego e a profissionalização são um peso imenso sobre as costas de quem depende do transporte público e o pobre depende. Neste campo, novamente, as prefeituras têm função relevante.

A ordem urbana que, no ponto mais importante, implica na decisão sobre onde e como se pode construir e morar, é outro item na pauta de competência dos municípios e isso tem tudo a ver com a qualidade do ambiente, violência e crime. Já se sabe disso com sobra.

Além disso tudo, administração municipal é o espaço melhor para se aprender sobre os orçamentos públicos, sobre a qualidade dos gastos, e para se iniciar uma vida na política.

Todas essas situações definem as eleições municipais como altamente relevantes para o povo brasileiro. Eu diria, mais relevantes do que as eleições para presidente e, estupidamente, mais do que a escolha de governadores. O que pode um presidente fazer, por exemplo, para se ter eficácia na educação na primeira infância ou qualidade na mobilidade?

Entretanto, no Brasil, não se faz campanhas sem partidos políticos. E, como teremos campanhas em todas as cidades brasileiras, estamos numa boa hora para os partidos provarem que podem ser mais do que cartórios de registro de candidaturas e agências de financiamento de campanhas eleitorais e distribuidoras de tempo de propaganda na televisão e no rádio.

Quem dirige os partidos deveria deles fazer centros de formação política e, desde já, de debates sobre as funções relevantes dos prefeitos e vereadores, para motivarem candidatos bons e colaborarem com o processo de decisão do eleitor, infelizmente, sempre chamado a decidir sobre o menos pior e, raramente, sobre o melhor.

Se os dirigentes dos partidos já tinham antes essa obrigação e não cumpriam, que cumpram agora, porque o povo brasileiro tem pago a conta, via fundo partidário e fundo eleitoral e não tem alternativa fora da política para promover as transformações essenciais na estrutura administrativa pública para ter qualidade de vida.

Há quem queira que os partidos não sejam financiados com dinheiro público, porque entende que a política não tem função social. Mas, sem função social, ela não faria o menor sentido na vida das pessoas. Não se pode condenar o dinheiro público nos partidos, porque eles não cumprem o papel que deveriam cumprir. Faríamos melhor cobrando deles a função que lhes cabe.

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos

Publicado em Deixe um comentário

Marta Suplicy: um ato falho

Depois de longo tempo sem saber da Marta Suplicy, reencontrei-a numa entrevista ao Pedro Venceslau do Estadão, desta segunda-feira (23/9). Ela criticou o projeto de redução da cota obrigatória de mulheres na lista de candidatos dos partidos e disse que esteve em Brasília numa campanha nesse sentido. Avistou-se com a autora da proposta, também mulher, a deputada federal Renata Abreu, presidente do Podemos. 

Marta avisou que está empenhada em evitar a vitória dos aliados do presidente Jair Bolsonaro na disputa pela Prefeitura de São Paulo e lamentou ter deixado o PT para ingressar no PMDB, atitude que, segundo ela, responde pela derrota dela na disputa pela Prefeitura em 2016. 

Cometeu um ato falho: deixou fora da pauta o feminicídio, assunto essencial e mais importante no presente para o tema histórico dela, a mulher. Vejam que em São Paulo, reduto político e estado natal da Marta, o número de casos de feminicídio subiu 76% este ano, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O ato falho mostrou que o principal problema na pauta da Marta não faz parte das preocupações dela. 

Matéria publicada na página A8 – Política. Estadão: Marta faz mea-culpa e resgata feminismo. 

Por Jackson Vasconcelos

Publicado em Deixe um comentário

Vencer eleição pra quê?

Estamos no mês de setembro, a caminho de outubro, décimo mês após a posse dos governadores e do presidente da República. Há pela frente três anos e três meses de mandato. Era de se esperar, pelo tamanho das dificuldades de fazer a máquina pública funcionar no Brasil e magnitude dos problemas nacionais, que o presidente e os governadores estivessem ocupados até o último fio do cabelo com as tarefas que prometeram cumprir. Não é o caso. Eles estão em campanha novamente.

Os governadores do Rio e de São Paulo, por exemplo, querem a presidência e o presidente pretende continuar lá por mais quatro anos. Ele não pretendia, mas quando lá chegou, gostou do lugar e quer ficar. Tomara que só por mais quatro anos.

Os três, então, entraram em rota de colisão. No meio disso, há as campanhas para as prefeituras e câmaras municipais numa eleição que acontecerá em outubro do próximo ano. O presidente terá seus candidatos e os governadores também.

Evidentemente, em razão da disputa pela presidência das República, os candidatos do presidente às prefeituras não serão a preferência dos governadores de São Paulo e Rio. Eis aí outro campo de cisão. No Rio de Janeiro, o partido do presidente rompeu com o governador que o presidente elegeu, porque o cara resolveu ser presidente no lugar do chefe e os dois não podem partir juntos na eleição municipal.

Os movimentos não param aí, porque há senadores e deputados federais e estaduais apresentando-se como candidatos a prefeito. Eles assumiram os mandatos nos parlamentos há apenas oito meses.

Onde fica o povo nisso tudo?

Uma parte dele até gosta. Quem está na imprensa, por exemplo, porque tem assunto sem muito trabalho. Quem está na política e vive dela, também, porque as campanhas empolgam mais e cobram menos serviço do que as políticas públicas.

No entanto, se juntarmos toda essa gente, que está feliz com o processo, teremos uma gota no oceano da população brasileira que, por costume, depende em quase tudo do Estado Brasileiro e espera por providências que lhe dificultem menos a vida.

Temos aí, claramente, um desencontro de interesses. E isso penaliza a sociedade brasileira com uma qualidade ruim dos serviços públicos e uma agenda sempre repetida e sem solução na saúde, na educação, na segurança pública, na autonomia para empreender, na ordem pública.

Como se poderá resolver isso? Porventura, acabando-se com as eleições, para não se ter mais campanhas? Tirando a democracia do caminho, como deseja Carlos Bolsonaro, com o argumento que com ela as soluções se tornam mais difíceis?

Nunca, porque aqui e em outros lugares do mundo já se tentou esse caminho e o final da história não valeu a pena.

A solução está onde está o problema. O povo deve decidir o destino do voto com base nos resultados efetivos dos serviços oferecidos pelos governos e do trabalho feito pelos representantes que escolheu. E, cá entre nós, começou a ser assim, só que muitos políticos, candidatos profissionais, ainda não perceberam e dão para os resultados das últimas eleições todo tipo de argumento. Dizem, por exemplo, que os chutes nos traseiros foram uma onda renovadora provocada pelas mídias sociais. Então, correm para elas. Os que se elegeram pensam do mesmo modo e, como estavam nas mídias sociais, reforçam o time e o jogo pesado.

Podem acreditar que a resposta correta é: apesar de sermos uma democracia muito jovem, nossa gente já aprendeu que com um clique na tela de um computador específico, a urna eletrônica, ele pode demitir quem não correspondeu. O povo brasileiro aprendeu que vale a pena arriscar em algo que ele não conhece, quando o que ele conhece não lhe serve mais.

Quem, nesse momento, estiver pensando em campanhas, que pense direito, para não se frustrar e andar por aí à busca de argumentos que não sustentam a tese.

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos