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Um Estado de necessidades

Você foi eleito. Tomou posse. Agora, faça o que você quiser, do modo como bem entender. Nomeie quem você acredita ser a melhor companhia para que você possa cumprir o compromisso que assumiu com a sociedade. Tome as decisões que a lei lhe autoriza. Governe! Legisle! Fiscalize! 

Eu não voto em chefe de gabinete, nem de departamento ou em secretários e subprefeitos e sub governadores. Muito menos tenho tempo ou espaço para estar presente no momento de todas as decisões de quem foi eleito. E se tivesse tempo e espaço, garanto que quem foi eleito não gostará da minha presença na hora das decisões e nomeações. 

Eu voto e elejo vereadores, prefeitos, deputados, governadores, senadores e presidentes. Só desejo que a prestação dos serviços seja bem feita e a um preço que eu possa pagar sem ter dificuldade para viver a minha própria vida. 

Sabe por que é importante que seja assim a relação entre o eleitor e o eleito? Porque se amanhã o eleito não cumprir os compromissos que a lei lhe determina e se alguém entre os seus escolhidos me roubar ou for incompetente, a responsabilidade diante de mim, eleitor, será exclusivamente dela e dele.

Não me venham eles e elas, na hora da próxima eleição ou dos processos que, em meu nome, o Ministério Público, a Polícia ou a Justiça iniciarem contra eles e elas, dizer que não lhes cabe responder pelos atos daqueles que eles mesmos escolheram. O critério das escolhas é dos eleitos. Se por proximidade partidária, amizade, compadrio, parentesco, pouco me importa. O que me importa é saber que pago por um serviço que quero e tenho o direito de receber.

É comum ver nos agentes do Estado, principalmente, naqueles eleitos, o pavor à responsabilidade. Eles empurram-na para os outros. Dizem que o antecessor não deixou dinheiro e tomou as decisões erradas; alegam que há uma crise econômica a impedir o cumprimento dos compromissos assumidos na campanha e das obrigações que a lei determina. Existe a pandemia! Os agentes públicos assumem com rapidez o sucesso e empurram os insucessos para os outros. 

Eles e elas, nas campanhas, prometem mundos e fundos sem avaliar as possibilidades, para depois, alegarem dificuldades. Nas campanhas haverá creches para todas as crianças, para as que já nasceram, para as que vão nascer daqui a pouco e até para as que podem estar sendo planejadas nesse momento. Existirá moradia para todos. Hospitais também, sem nenhuma preocupação com o número dos que adoecem e das causas de suas doenças. Depois? Bem, depois a culpa por não fazer é de alguém ou de alguma coisa inesperada. 

Tem sido assim por aqui, no Estado do Rio de Janeiro, desde sempre. Muita promessa, quase sempre obras demais e desculpas a perder de vista. A mais comum tem sido a falta de dinheiro. Como, se o povo paga os impostos que lhes são cobrados ao preço que eles mesmos, os eleitos, fixam? Por que falta dinheiro? 

Porque o agente público não sabe fazer conta com o dinheiro dos outros. Se vê dinheiro, gasta e se não vê, gasta também. Para ele, despesa pouca não é despesa. Por isso, tanto faz ter dez, doze, vinte secretarias ou departamentos e gastar dinheiro com almoços, jantares, viagens e solenidades. Muito dinheiro é aquele que dá pra fazer obras suntuosas e inaugurações, mesmo que uma, duas ou três vezes da mesma obra. O bom é isso. Se não tem isso, abre-se espaço para a firula e aparições ao vivo na internet, com pose, frases bonitas e muita informação inútil. 

O contribuinte não é o bom eleitor, porque ele tem compreensão dos seus direitos. Eleitor bom é aquele que pede, que implora, que bate palmas e agradece a caridade que recebe do agente público. Para o agente público, o eleitor relevante é o companheiro do partido, o amigo do amigo, o presidente da associação, o componente da escola de samba, o irmão da igreja. 

Por isso, os governos daqui, sem qualquer constrangimento, complicam a vida de quem tem seu próprio negócio, de quem produz, trabalha e paga os impostos. 

Olhem o Estado do Rio de Janeiro e as cidades que ele abriga. Estamos sempre a caminho do abismo, governo após governo, sem esperança de tempos melhores. E de nada adianta criar movimentos, organizar eventos, fazer discursos bonitos, se quem paga a conta não tiver o respeito de quem gasta e, se quem gasta continuar a acreditar que pode fazer isso sem responsabilidade e sem prestar contas, empurrando a autoria dos próprios erros e irresponsabilidade para os outros. 

Teremos eleições, novamente, em 2022. Que tal começar a pensar nelas agora, como eles, os agentes públicos, já estão fazendo? 

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos

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Liberdade!

Quando o Estado impede o cidadão de expressar seus sentimentos e pensamentos, antes mesmo de conhecê-los, age contra a liberdade de expressão e vai mais longe ao retirar deles o acesso aos meios pelos quais podem eles se expressar. 

Formule-se a questão da forma que formularem os mais entendidos que eu na matéria, mas, como cidadão, não consigo entender que seja possível exercer a liberdade de expressão sem liberdade para se exprimir. 

A boa-fé do agente público que, por pura intuição, proíbe a exposição do pensamento ou do sentimento antes de ela acontecer efetivamente, estaria preservada se tivesse ele o dom do adivinhação e esse dom indicasse estar ele diante de um caso de agressão à lei. Sim, porque num país onde a lei elaborada por delegação do povo é soberana, só a ela se deve obediência. 

O que não fere a lei, o Estado não alcança, para que se possa preservar a sociedade do abuso de autoridade do agente público, sujeito detentor da competência para o uso até da força com o propósito de impor a vontade, não dele nem do Estado que ele representa, mas da lei. 

Ao ocorrer alguma situação que peça a existência de uma lei para preservar um direito do cidadão, o Estado tem, por delegação e representação popular, a competência para legislar e a elaboração dessa nova lei é feita com base num debate onde favoráveis e contrários têm liberdade para defender seus pontos de vista. Fecha-se o círculo. 

Numa democracia, a ninguém é dado ter mais liberdade, muito menos aos agentes do Estado. “Igual liberdade, não mais liberdade. Esta é a essência da democracia” (Bobbio, Pasquino e Matteucci). 

Em nome de quem age um agente do Estado? Em nome da lei, submisso por completo a ela e, muito mais, à maior delas, a Constituição Federal, que não precisa de tradutores. Se tiver necessidade deles, a Carta estará longe do alcance do povo que dela se socorre para defender seus direitos. Lá está escrito, com todas as letras e de maneira que possa ser bem compreendido: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.” (Artigo 5°. IV) Que dúvida pode existir nisso? 

O sábio legislador constitucional assegurou no passo seguinte o direito de resposta proporcional ao agravo e à indenização pelo dano material, moral ou à imagem.  Está evidenciado, portanto, que o manifestar-se é livre e que a reparação à qualquer desvio acontecerá após e de acordo com a lei. Só é vedado o anonimato. 

Pode o Estado Brasileiro por um dos seus agentes determinar o bloqueio de espaços na internet usados para a livre manifestação, opinião e expressão, quando o autor é conhecido? Afinal, a única condicionante é o anonimato. Ele é vedado. 

E tem uma outra questão: Estabelecidos os bloqueios, os sujeitos bloqueados poderão voltar? Sob que pretexto poderão ou não? Só se atendida a vontade do Estado no conteúdo? Qualquer situação aqui será absurda diante do que diz a Constituição. 

Como o bloqueio acontece no ambiente da disputa política, os favorecidos aplaudem e os prejudicados se queixam. É preciso, contudo, que todos entendam que os agentes do Estado, sempre que se sentem à vontade para agir por cima da lei, fazem disso uma prática e, em seguida, um dever, depois um culto. Todos, porém, em algum momento serão atingidos pelas farpas. 

O agente do Estado alegar que a liberdade de expressão está associada à responsabilidade e, por isso, o Estado pode, por intuição ou experiência, antecipar a pena pelo que será dito ou escrito antes que tal aconteça, representa uma extensão por entendimento próprio do que a lei máxima determina. 

Quem aplaude o momento por interesse político precisa saber que o argumento é válido para qualquer situação ou ambiente onde se exerça a liberdade de expressão. O bloqueio de hoje nas mídias digitais poderá ser o de amanhã em outros veículos, porque, afinal, a liberdade de expressão passou a ter mais um condicionante além da proibição ao anonimato: a responsabilidade pessoal. 

Quem pode colocar um freio no Estado? A sociedade. Só ela por intermédio dos representantes que eleger. Por isso, as eleições, em qualquer nível, são importantes e é preciso que a elas se vá com liberdade e, aí sim, com responsabilidade prévia. 

Elisabeth Noelle Neumann identificou na sociedade um comportamento que chamou de “Espiral do Silêncio”: as pessoas escondem a opinião delas quando acreditam que o que pensam ou defendem conflita com a opinião da maioria. Por calar-se, a minoria torna-se, na percepção, mais minoria ainda e a maioria se torna maior, pelo mesmo motivo. 

Forma-se uma espiral, onde, quem pensa diferente da maioria, por se achar minoria, se cala e faz com que outras pessoas que pensem igual também se achem em minoria e se calem. Forma-se, então, a maioria barulhenta. 

Conosco, portanto, está o dever de defender a liberdade, no que ela tem de mais precioso, o direito de pensar livremente e expressar o pensamento. Resta saber se queremos. Para Schopenhauer a liberdade é a possibilidade de fazer o que se tem vontade de fazer. Então, necessário é, portanto, primeiro se ter a vontade para fazer e depois ser livre para agir. Tomara tenha a sociedade brasileira a vontade necessária para manter o Estado nos limites da lei, de uma lei que seja a representação da expectativa popular.

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos

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Os bodes e as ovelhas

Por favor, não me queira mal quem se sentir contrariado. Longe de mim – bem longe – passa a intenção de ferir alguém com o artigo de hoje. Piso devagar, porque do jeito que as coisas andam no mundo, assumir posições num campo polêmico pode representar um ato de coragem física, que não tenho muita. A coragem intelectual é atributo ultrapassado, porque os ouvidos no debate político são moucos.

O mundo está, no momento, nos extremos. Uns à esquerda e outras à direita. O centro até tenta existir novamente, mas ficou insosso, sem graça, sem argumento. Ninguém cai no bate dele. 

O meu primeiro contato na vida com os termos, esquerda e direita, aconteceu numa Escola Bíblica Dominical, de uma igreja batista, eu, ainda, no início da adolescência. Fiquei encucado com um texto presente no capítulo 25 do livro de Mateus. Lá está profetizado o Juízo Final, chamado de “Julgamento das Nações”.  

Num determinado momento, quando o mundo acabar, o Justo Juiz reunirá todas as nações diante dele e apartará uma das outras, como o pastor aparta dos bodes as ovelhas. Ele porá as ovelhas à direita dele e os bodes à esquerda e dirá aos que foram colocados à direita: 

“Vinde benditos do meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo, porque tive fome, e deste-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me. Estava nu, e vestistes-me…”.

O público escalado questionou: “Senhor, quando te vimos com fome e te demos de comer ou com sede e te demos de beber?”. 

O Justo Juiz responderá: “Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes”. 

Então, o Justo Juiz dirá aos que foram colocados à esquerda: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos”.

E o enredo se repetirá  e a resposta surgirá com sinal trocado: “Senhor, quando te vimos com fome ou com sede, estrangeiro ou nu, enfermo…” etc e não te servimos?” A resposta foi: “Em verdade vos digo que, quando a um destes pequeninos o não fizestes, não o fizestes a mim também.”

Mas, para dar de comer a quem tem fome e beber a quem tem sede, hospitalidade ao estrangeiro e atender aos enfermos, pensava eu, preciso ter tudo isso para oferecer. E se ninguém tiver o que oferecer? O que fará o Justo Juiz?  

Depois daquele tempo, todas as discussões que tenho conhecido sobre direita e esquerda fazem referência ao papel do Estado e ao uso que um lado e outro esperam conseguir dele. Poderia o Estado ser o supridor universal? Aquele que daria de beber a quem tem sede e comer a quem tem fome e cuidar dos enfermos? Sim, poderia e muitas vezes pretende fazer isso. Nunca consegue, porque, quem daria ao Estado as condições para suprir quem precisa dele? Os pagadores de impostos. Simples assim. 

A esquerda, por tudo o que propõe no mundo todo e não é diferente aqui, nitidamente,  desconhece um Estado dependente dos pagadores de impostos. Um Estado que, tanto mais pesado, menos condições oferece às Nações para produzirem a riqueza que diminui a sede, a fome, a enfermidade. Nações que reduzam o número de miseráveis pelo emprego e trabalho. 

Roberto Campos, um frustrado pensador da direita, já falecido, fez um memorável discurso na Associação Comercial de São Paulo no dia 19 de agosto de 1983, que está presente no livro Ensaios Imprudentes, publicado por ele pela Editora Record, em 1987. Retirei duas citações: 

  1. “O governo nada pode dar ao indivíduo que primeiro dele não tenha tirado”.  
  2. “Os que pensam que o Governo pode dar tudo o que a gente quer se esquecem de que ele pode também tirar tudo o que a gente tem”, citando Richard Nixon. 

A Nação Brasileira tem tido uma dificuldade imensa para produzir riquezas, porque o Estado pesa demais sobre os ombros de quem trabalha e investe. A proposta da direita, representada no governo mais pelo Ministro Paulo Guedes e equipe e menos pelo próprio Presidente, é diminuir esse peso. No Congresso e na imprensa, a esquerda faz o contraponto, batendo-se contra as reformas que o governo pretende fazer. Daí é fácil saber onde estão os bodes e onde se encontram as ovelhas. 

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos

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Estado: paizão de poucos, padrasto de muitos

“Quem tem padrinho não morre pagão” – e melhor padrinho não se pode ter no Brasil que o Estado Brasileiro. Ele é gigantesco, tem peso e relevância na vida de todas as pessoas. Quando ele não é seu padrinho, será seu padrasto. Nunca lhe será indiferente. Certamente, lhe causará problemas e fará da sua vida um inferno. Sem controvérsias.

Poderia o Estado Brasileiro ser padrinho de todos os brasileiros? Evidente que não, porque lhe faltariam os recursos para isso. Então, ele seleciona quem apadrinha e o resultado dessa seleção se vê, com facilidade, na desigualdade social, tema que vai e volta ao debate nacional por anos a fio sem solução.

A Fundação Getúlio Vargas publicou, há pouco tempo, o estudo “A Escalada da Desigualdade”, com dados que demonstram um crescimento continuado da concentração de renda no Brasil nos últimos anos. Lá está dito que, do quarto trimestre de 2014 até hoje, a metade mais pobre do país viu a renda própria diminuir 17,1% e a classe média, 4,16% . Nas outras pontas, onde estão os 10% considerados ricos, a renda cresceu 2,55% e na faixa do 1% considerado bem mais rico, cresceu 10,11%.

Os especialistas em análise atribuem o fato ao desemprego. Entretanto, seja em tempos de bom ou ruim número de empregos, a desigualdade no Brasil é constante e crescente. Não sofre abalos e desse modo tem boa serventia para os discursos políticos.

Para privilegiar seus apadrinhados, o Estado concentra renda quando tributa. A preferência dele pelos impostos indiretos faz com que os ricos e os bem mais ricos paguem menos impostos do que os pobres. E mesmo nos impostos diretos, caso do imposto de renda, os ricos pagam menos impostos do que a população da classe média. A tabela é bem pensada para o objetivo.

Em 1976, doze anos antes da Assembleia Nacional Constituinte, a Comissão de Economia da Câmara dos Deputados promoveu um Seminário sobre Reforma Tributária. Eu compareci, com a empolgação de um jovem estudante de Economia com apenas 23 anos de idade. O Professor Carlos Lessa fez, na minha avaliação, a melhor apresentação do seminário com uma exposição minuciosa e didática sobre os defeitos do sistema tributário nacional. Lá estava, na cabeça da lista, a preferência do legislador pelos impostos indiretos, situação que o Professor Carlos Lessa chamou de “absurda e injusta desigualdade de tratamento”. Hoje, 43 anos depois, ainda se diz que haverá uma reforma para dar um jeito nisso. Duvido.

O Estado concentra renda também quando gasta. Concentra na entrada e na saída dos impostos.

O poder e influência que as corporações e os ricos têm sobre os orçamentos públicos anulam uma das mais elementares funções do Estado: a criação de oportunidades para que os pobres possam evoluir para além da pobreza. Os ricos se viram bem com a educação própria e dos filhos, resolvem muito bem os problemas com a saúde, segurança e transportes. O pobre, no entanto, precisa do Estado para acessar esses serviços essenciais à redução das desigualdades. Sem o Estado, os pobres não conseguem sair da pobreza e quando a exceção surge é só para confirmar a norma.

Ocorre que nem todas as fortunas são resultado do esforço pessoal ou, simplesmente, do trabalho dedicado de quem enriqueceu. São, sim, muitas vezes, dádivas do padrinho, porque na raiz da fortuna estão os subsídios concedidos pelo Estado e a facilidade oferecida a alguns para a solução de problemas que a burocracia cria para todos.

Somem-se a tudo isso os gastos que o Estado tem com ele próprio e se terá mais um elemento a confirmar o apadrinhamento da desigualdade. O fosso amplia-se na concessão de mordomias, de prerrogativas de função, salários absurdamente altos, férias de muitos meses, situação que cria novos ricos e mantém antigos pobres.

No Brasil, só se terá redução da desigualdade social quando o Estado for devolvido ao lugar que lhe cabe por obrigação: o equalizador das oportunidades.

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos

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O calcanhar de Aquiles do Estado Brasileiro

“Até aqui você só me apresentou os argumentos a favor de você. Nenhum a favor da empresa. Então, meu caro, a minha decisão está tomada. Você ficará, exatamente, onde está e me agradeça por isso, porque eu poderia tirá-lo da subgerência, por sua postura. Quando você pensar um pouco mais na empresa, retorne, e eu darei a você a nomeação que você quer”. O autor da frase, Admon Ganem, era Diretor de Recursos Humanos do Banco do Brasil, no final da década de 70, início dos anos 80.

A resposta à pergunta que fez Admon Ganem ao subgerente de uma das agências de Mato Grosso, que gostaria de ser gerente em Barra do Piraí, sua terra natal, onde ele tinha casa própria e residia perto dos pais, é o calcanhar de Aquiles da administração pública e não há Páris que, com uma flecha certeira, consiga ferí-lo.

Com que objetivo são nomeadas as pessoas que ocupam cargos de confiança no Estado Brasileiro? Passei por alguns deles.

Ao nomear, por exemplo, um diretor para um hospital público, ou o superintendente que cuida da limpeza urbana ou da fiscalização do transporte público, ou ainda o chefe do posto de atendimento do DETRAN, o que deles espera quem os nomeou?

Se, sinceros fossem todos os nomeadores, certamente, diriam que o objetivo é vencer eleições ou recompensar os que ajudaram a vencê-las antes. Por isso, os serviços públicos no Brasil são o que são em qualidade.

Visitei o Congresso dos Estados Unidos em 2017. No Capitólio, conversei com o chefe de gabinete de um deputado federal por Ohio. Perguntei a ele se ele tinha participado da campanha do chefe. “What???” O cara respondeu meio estarrecido: fui escolhido como todos os que servem aos gabinetes dos parlamentares por aqui, através de um processo de seleção coordenado por uma empresa de headhunter.

Para diminuir o dano das nomeações de critério pessoal, que chamam político, criou-se o concurso público e acreditou-se que, pronto, por aí, seria menor o dano.

Qual o quê? O modelo quase nada adiantou para melhorar o serviço público, porque os cargos de chefia – elite do serviço público – permanecem com o critério de nomeação discricionária. Então, os concursados, se quiserem ir ao topo da carreira, que se submetam ao poder político que, sempre tem no foco, as disputas eleitorais.

Sim, mas existem os que não se interessam por isso e acomodam-se. A comodidade está no centro da questão levantada pelo Admon Ganem. Uma pessoa acomodada, que conta o tempo, também não se incomoda com quem defende dos serviços dela.

Adam Smith identificou que os homens e mulheres produzem mais quando recebem a recompensa tanto da diligência ou inteligência como as penalidades da indolência. E, sinceramente, não há quem, protegido por qualquer ideologia, consiga contestar a verificação de Smith.

Entretanto, como se pode punir ou premiar num ambiente de estabilidade legal do emprego e onde não há um sistema de avaliação do desempenho desenvolvido com boa técnica? Não tem como.

Por isso, para o servidor público concursado ou indicado pelas preferências eleitorais, tanto faz como tanto fez a satisfação do consumidor do serviço público. Cada um que cuide de si.

Por isso, o Brasil precisa de transformações na estrutura do serviço público, tanto quanto precisa de reformas na previdência, no modelo de tributação e no sistema político. No conceito de estratégia, o serviço público no Brasil é uma ameaça permanente ao crescimento econômico, mas que pode ser transformada numa oportunidade incrível para se ter um Estado eficiente e mais barato.

O Brasil tem enfrentado a desonestidade com muita convicção. Precisa vencer a ineficiência do Estado com a mesma força. Afinal, a desonestidade e a incompetência produzem os mesmos resultados na vida da população.

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos