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“A política dá medo”

A política dá medo? Sem precisar pensar muito, Angélica respondeu que sim, numa entrevista à revista Marie Claire: “No Brasil, em vez de a política ser algo do qual as pessoas se orgulham, dá medo”. Ela disse isso, questionada sobre a possibilidade de ser a primeira-dama do Brasil. “Seria uma honra? Claro. Mas, eu nunca quis isso”.

Mas, o que é a política? É, de fato, algo que a gente deva temer? E o que é ser a primeira-dama? Um posto que deva ser causa de honra, mas nunca do desejo de uma mulher?

Com alguma pretensão, caminharei por essa estrada unindo as duas pontas, o medo e a honra. Como terá sido, em medo e honra, a vida das primeiras-damas do Brasil, se olharmos para a história dos presidentes?

Como terá sido para dona Mariana da Fonseca assistir o marido moribundo levantar-se da cama para, montado num cavalo declarar a República, mesmo ele tendo, durante toda a vida, defendido a monarquia e sido fiel ao Imperador?

E dona Josina Peixoto, esposa do ditador Floriano? Teve medo ou honra, quando ele decretou o Estado de Sítio, enviou todos os opositores para a Amazônia, ameaçou dissolver o Supremo e prender os ministros se o habeas corpus impetrado por Rui Barbosa em favor dos perseguidos fosse atendido?

Como terá sido o início da eternidade de dona Orsina da Fonseca, que faleceu aos 53 anos de idade, deixou cinco filhos e soube que logo depois o seu marido, viúvo, casou-se com a caricaturista Nair de Tefé, num tempo em que a mulher independente era coisa do diabo?

Mas, saltemos no tempo para chegar à vida da gloriosa Darcy Vargas. Honra ou medo? A honra de um tempo longo como primeira-dama substituiu o medo do exílio e a dor do “mar de lama”? Como foi para Darcy o suicídio de Getúlio provocado e estimulado pela política?

Dona Sarah teve honra, sem dúvida. Mas, a honra compensou as dores da perseguição e covardia política contra o médico que entregou o jaleco para dedicar-se à política que, com ele, passou a ser um instrumento de transformação de um país pré-histórico numa Nação desenvolvida?

E dona Eloá? Houve honra ou medo quando soube que o cara que ela conhecia melhor do que ninguém seria o Presidente da República?

Como foi para dona Maria Thereza Goulart viver as consequências de uma “fake news”? Daquela que declarou o seu marido fora do Brasil, quando ele estava em terras nacionais, só para lhe tomarem, à força, a presidência da República? Sobre ela, vale ler “Uma mulher vestida de silêncio”. Eu li e gostei muito.

E para dona Ruth Cardoso? Honra ou medo? E sobre essa é possível dizer que talvez nem honra, nem medo, porque ela soube que o papel dela na vida do Presidente era rigorosamente diferente do papel dela na vida do Brasil. Soube ser presidente, mas do que primeira-dama.

O que terá passado Dona Marisa em toda a sua história como primeira-dama?

O que terá sido para Hillary Clinton pensar antes na Presidência e no país diante das peripécias de um marido galã? O que terá sido para Jackie Kennedy o assassinato do marido, no auge da carreira?

Alguém deveria dizer para a Angélica que honra ou medo são sentimentos que não se anulam. Se ela tiver medo do desafio, pela consciência que tem da relevância do papel de um presidente na vida do povo, a honra lhe será companheira. Se a ela e a ele faltarem a consciência do que há para fazer por nossa gente, aí a honra lhes faltará, como faltou para Rosane Collor. E ainda temos Perón, um sujeito que acreditou tanto, mas tanto, na influência das primeiras-damas na vida de um presidente, que entregou o poder às suas esposas.

E o tema é bom para que alguém, entre os machos, se pergunte se terá sido honra ou medo ser marido de Thereza May, de Golda Meir ou de Indira Gandhi. Ou se dá medo ou honra ser o marido da eterna Rainha Elizabeth.

Não se sabe ainda se Luciano Huck será, um dia, Presidente do Brasil, porque, ao que se vê, ele ainda não conseguiu definir se isso será uma honra ou se algo aterrorizante.

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos

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Quantos presidentes vale um prefeito?

Só teremos eleições para presidente em 2022. Antes, daqui a pouco mais de um ano, iremos às urnas para as campanhas municipais, que aproximam o eleitor do sentido da política e da consequência imediata do voto.

Está com os prefeitos e vereadores a responsabilidade direta pela qualidade de vida das pessoas que usam as calçadas, as ruas, os transportes, se submetem à maneira como o trânsito funciona, apelam pelo primeiro atendimento médico, precisam da garantia da ordem urbana e da têm necessidade absoluta, absurda, de acesso à educação, uma dificuldade nacional.

O primeiro contato da criança com a educação, nas escolas e creches, está no ambiente dos prefeitos e vereadores e isso é relevante para a maioria da população brasileira, que não pode arcar sozinha com os custos de educar os filhos.

O cuidado com a primeira infância e com a relação das crianças com as escolas é indispensável para um país onde a educação, principalmente, a pública, deseduca. Se, de fato, desejamos mesmo dar uma grande virada no jogo da educação, deveríamos começar por onde ela começa, nas decisões dos prefeitos e dos vereadores.

A pobreza hereditária é outro problema que o Brasil precisa resolver se quiser, de verdade, diminuir a desigualdade social. Vejo presente um discurso recorrente de redução das desigualdades, mas com uma miopia que dificulta identificar o papel da educação no processo. Por isso, parte-se para a caridade e exploração política da miséria, mas não para as medidas concretas de eliminação do problema, que depende da reversão das expectativas de permanência na pobreza dos filhos dos pobres.

A educação é a solução para desigualdade, porque abre janelas de oportunidades para melhor ocupação e renda, num processo que se torna mais fácil se começar bem e o começo é com os prefeitos e vereadores.

Quando se joga no tabuleiro o conceito de oportunidades, não há como fugir da mobilidade como tema essencial. O emprego e a profissionalização são um peso imenso sobre as costas de quem depende do transporte público e o pobre depende. Neste campo, novamente, as prefeituras têm função relevante.

A ordem urbana que, no ponto mais importante, implica na decisão sobre onde e como se pode construir e morar, é outro item na pauta de competência dos municípios e isso tem tudo a ver com a qualidade do ambiente, violência e crime. Já se sabe disso com sobra.

Além disso tudo, administração municipal é o espaço melhor para se aprender sobre os orçamentos públicos, sobre a qualidade dos gastos, e para se iniciar uma vida na política.

Todas essas situações definem as eleições municipais como altamente relevantes para o povo brasileiro. Eu diria, mais relevantes do que as eleições para presidente e, estupidamente, mais do que a escolha de governadores. O que pode um presidente fazer, por exemplo, para se ter eficácia na educação na primeira infância ou qualidade na mobilidade?

Entretanto, no Brasil, não se faz campanhas sem partidos políticos. E, como teremos campanhas em todas as cidades brasileiras, estamos numa boa hora para os partidos provarem que podem ser mais do que cartórios de registro de candidaturas e agências de financiamento de campanhas eleitorais e distribuidoras de tempo de propaganda na televisão e no rádio.

Quem dirige os partidos deveria deles fazer centros de formação política e, desde já, de debates sobre as funções relevantes dos prefeitos e vereadores, para motivarem candidatos bons e colaborarem com o processo de decisão do eleitor, infelizmente, sempre chamado a decidir sobre o menos pior e, raramente, sobre o melhor.

Se os dirigentes dos partidos já tinham antes essa obrigação e não cumpriam, que cumpram agora, porque o povo brasileiro tem pago a conta, via fundo partidário e fundo eleitoral e não tem alternativa fora da política para promover as transformações essenciais na estrutura administrativa pública para ter qualidade de vida.

Há quem queira que os partidos não sejam financiados com dinheiro público, porque entende que a política não tem função social. Mas, sem função social, ela não faria o menor sentido na vida das pessoas. Não se pode condenar o dinheiro público nos partidos, porque eles não cumprem o papel que deveriam cumprir. Faríamos melhor cobrando deles a função que lhes cabe.

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos

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Marta Suplicy: um ato falho

Depois de longo tempo sem saber da Marta Suplicy, reencontrei-a numa entrevista ao Pedro Venceslau do Estadão, desta segunda-feira (23/9). Ela criticou o projeto de redução da cota obrigatória de mulheres na lista de candidatos dos partidos e disse que esteve em Brasília numa campanha nesse sentido. Avistou-se com a autora da proposta, também mulher, a deputada federal Renata Abreu, presidente do Podemos. 

Marta avisou que está empenhada em evitar a vitória dos aliados do presidente Jair Bolsonaro na disputa pela Prefeitura de São Paulo e lamentou ter deixado o PT para ingressar no PMDB, atitude que, segundo ela, responde pela derrota dela na disputa pela Prefeitura em 2016. 

Cometeu um ato falho: deixou fora da pauta o feminicídio, assunto essencial e mais importante no presente para o tema histórico dela, a mulher. Vejam que em São Paulo, reduto político e estado natal da Marta, o número de casos de feminicídio subiu 76% este ano, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O ato falho mostrou que o principal problema na pauta da Marta não faz parte das preocupações dela. 

Matéria publicada na página A8 – Política. Estadão: Marta faz mea-culpa e resgata feminismo. 

Por Jackson Vasconcelos

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Vencer eleição pra quê?

Estamos no mês de setembro, a caminho de outubro, décimo mês após a posse dos governadores e do presidente da República. Há pela frente três anos e três meses de mandato. Era de se esperar, pelo tamanho das dificuldades de fazer a máquina pública funcionar no Brasil e magnitude dos problemas nacionais, que o presidente e os governadores estivessem ocupados até o último fio do cabelo com as tarefas que prometeram cumprir. Não é o caso. Eles estão em campanha novamente.

Os governadores do Rio e de São Paulo, por exemplo, querem a presidência e o presidente pretende continuar lá por mais quatro anos. Ele não pretendia, mas quando lá chegou, gostou do lugar e quer ficar. Tomara que só por mais quatro anos.

Os três, então, entraram em rota de colisão. No meio disso, há as campanhas para as prefeituras e câmaras municipais numa eleição que acontecerá em outubro do próximo ano. O presidente terá seus candidatos e os governadores também.

Evidentemente, em razão da disputa pela presidência das República, os candidatos do presidente às prefeituras não serão a preferência dos governadores de São Paulo e Rio. Eis aí outro campo de cisão. No Rio de Janeiro, o partido do presidente rompeu com o governador que o presidente elegeu, porque o cara resolveu ser presidente no lugar do chefe e os dois não podem partir juntos na eleição municipal.

Os movimentos não param aí, porque há senadores e deputados federais e estaduais apresentando-se como candidatos a prefeito. Eles assumiram os mandatos nos parlamentos há apenas oito meses.

Onde fica o povo nisso tudo?

Uma parte dele até gosta. Quem está na imprensa, por exemplo, porque tem assunto sem muito trabalho. Quem está na política e vive dela, também, porque as campanhas empolgam mais e cobram menos serviço do que as políticas públicas.

No entanto, se juntarmos toda essa gente, que está feliz com o processo, teremos uma gota no oceano da população brasileira que, por costume, depende em quase tudo do Estado Brasileiro e espera por providências que lhe dificultem menos a vida.

Temos aí, claramente, um desencontro de interesses. E isso penaliza a sociedade brasileira com uma qualidade ruim dos serviços públicos e uma agenda sempre repetida e sem solução na saúde, na educação, na segurança pública, na autonomia para empreender, na ordem pública.

Como se poderá resolver isso? Porventura, acabando-se com as eleições, para não se ter mais campanhas? Tirando a democracia do caminho, como deseja Carlos Bolsonaro, com o argumento que com ela as soluções se tornam mais difíceis?

Nunca, porque aqui e em outros lugares do mundo já se tentou esse caminho e o final da história não valeu a pena.

A solução está onde está o problema. O povo deve decidir o destino do voto com base nos resultados efetivos dos serviços oferecidos pelos governos e do trabalho feito pelos representantes que escolheu. E, cá entre nós, começou a ser assim, só que muitos políticos, candidatos profissionais, ainda não perceberam e dão para os resultados das últimas eleições todo tipo de argumento. Dizem, por exemplo, que os chutes nos traseiros foram uma onda renovadora provocada pelas mídias sociais. Então, correm para elas. Os que se elegeram pensam do mesmo modo e, como estavam nas mídias sociais, reforçam o time e o jogo pesado.

Podem acreditar que a resposta correta é: apesar de sermos uma democracia muito jovem, nossa gente já aprendeu que com um clique na tela de um computador específico, a urna eletrônica, ele pode demitir quem não correspondeu. O povo brasileiro aprendeu que vale a pena arriscar em algo que ele não conhece, quando o que ele conhece não lhe serve mais.

Quem, nesse momento, estiver pensando em campanhas, que pense direito, para não se frustrar e andar por aí à busca de argumentos que não sustentam a tese.

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos

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A sociedade será esmagada?

Lembremos do Vinicius de Moraes, por um segundo, para aliviar essa espinhosa tarefa de trabalhar com a estratégia como tema e a política como campo de operação. Vinicius compôs “A Casa”, que “era uma coisa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada. Ninguém podia entrar nela, não, porque na casa não tinha chão”.

O Orçamento da União, diferente da Casa do Vinícius, tem um teto determinado pela inflação do ano anterior, conforme determina a Emenda à Constituição 95, coisa recente criada pelo intenso, mas curto, governo do presidente Michel Temer.

Durante e após o processo de aprovação da emenda, estabeleceu-se a polêmica entre gente que defende o teto, gente que aceita um teto para algumas rubricas, outras não, e gente que não quer ouvir, de forma nenhuma, falar em teto.

O debate esteve morno durante algum tempo, porque o orçamento da União acomodou-se com a repatriação de capitais, ocorrida em 2016, ocorrência que produziu receitas adicionais no valor de R$ 46,8 bilhões. E, também, vejam que coisa curiosa, com o crescimento da inflação provocado pela greve dos caminhoneiros.

Em 2019, sem receitas adicionais, inflação mais baixa no ano passado e gastos com a previdência sempre crescentes, as discussões sobre o teto dos gastos retornaram com força. Com teto fixo e piso móvel, fica fácil imaginar o que acontece com quem está no ambiente enquanto o chão se aproxima do teto: risco de esmagamento.

Como os governos têm uma dificuldade imensa de reduzir despesas (piso), o teto passa a ser um risco, porque, mantido, ele esmagará todo o sistema de contas públicas. Por isso, há muitos que defendem um novo teto ou teto nenhum.

Mas minha questão fundamental vai em outra direção: o risco de se ter tetos de gastos para nenhuma qualidade ou qualidade ruim das despesas, fato importante, quando chegamos à vizinhança das campanhas para prefeitos e vereadores, elementos que definem os orçamentos municipais.

De nada adianta definir quanto do orçamento se destinará, por exemplo, para a saúde e educação, se tais gastos não estiverem vinculados a algum compromisso com o desempenho dessas políticas públicas. E isso vale para todas as rubricas dos orçamentos. Houve tempo em que a obrigação seria quase impossível de se determinar, por falta de indicadores. Hoje, não! O Brasil tem indicadores para medir o desempenho de qualquer política pública. Medir e avaliar.

Eu me lembro que a ex-deputada federal Denise Frossard, consciente do problema, chegou a propor ao Congresso Nacional amarrar o orçamento da União aos resultados dos gastos públicos. Isso sim seria uma maravilha. Evidentemente, o governo fez ouvidos moucos para a proposta. Mas ainda é tempo.

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos

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Um truque de jornalista

No início da última segunda-feira (2/9), entrou na tela do meu celular uma notícia da Folha de São Paulo: “Se a eleição fosse hoje, Haddad venceria Bolsonaro por 42% a 36%, indica Datafolha”.

A matéria estava sustentada na demonstração de queda no percentual de votos dados ao presidente, de 55,13% para 36%, e queda também do percentual de votos dados ao Fernando Haddad de 44,87% para 42%. Como o percentual de 36% é menor do que 42%, a conclusão da notícia está na manchete.

A confiança na fonte atendeu bem ao desejo dos arrependidos pela escolha que fizeram na eleição e dos contrariados por terem escolhido o derrotado. Imediatamente, travou-se a batalha, já de rotina na comunicação. Um lado desacreditou a pesquisa e o outro deu-lhe crédito absoluto.

Mas, apartando os lados, não assumindo nenhum deles, há um problema no ambiente e ele não está na pesquisa, mas na notícia. Sobre a pesquisa não existe causa para contestar os resultados. Contudo, eles não são elementos suficientes para garantir a matéria, quando ela afirma que, se a eleição fosse hoje, Haddad venceria. Falta um elemento nessa proposição: o que fez os votos de Bolsonaro migrarem?

Descendo um pouco mais para os detalhes, o Datafolha identifica mudança de posição em 24% dos eleitores que votaram no Bolsonaro: 10% votariam no Haddad; 13%, branco ou nulo. Com relação ao Haddad, 88% dos eleitores que votaram nele manteriam o voto hoje. Portanto, 12% não; 4% mudariam o voto para Bolsonaro e 6% votariam nulo e branco. Dos votos brancos e nulos dados na eleição, 68% manteriam a opção, 21% mudariam para Haddad e 6% para Bolsonaro.

Uma só situação explica o fato: o desempenho do candidato Jair Bolsonaro como Presidente da República. Não há outra informação disponível nem razoável.

Ora, se em teste está o desempenho do presidente, a pesquisa para sustentar a notícia, deveria considerar todo o período do mandato dele. Não é o caso. Ou, deveria medir, por justo, as reações dos eleitores do Haddad às decisões e atitudes dele como presidente da república. Impraticável, porque isso não aconteceu. E, se tivesse acontecido? Quem sabe, a matéria não teria sinal invertido? Ao assim: “Se a eleição fosse hoje, Bolsonaro venceria Haddad por…”.

Como não há eleição para a Presidência da República prevista para “hoje”, a notícia trazida pelo Instituto Datafolha é, tão somente, o aborrecimento de 24% dos eleitores do Bolsonaro com ele e a decisão de 10% deles de voltar no tempo – ato impossível – e escolher o Haddad.

Imaginemos a situação transportada para um jogo de futebol. Temos um time em campo jogando e outro na arquibancada assistindo o jogo e se levanta uma questão com os que assistem o jogo? Quem cometeu mais faltas em campo?

Antes de encerrar, talvez por legítima defesa antecipada num ambiente aguerrido como está o campo do debate político, quero dividir com os leitores e leitoras, as palavras da Monja Cohen, na obra que dividiu com o filósofo e professor Clóvis de Barros Filho, “A Monja e o Professor – reflexões sobre ética, preceitos e valores”.

Diz ela: “Estive num encontro de professores muito bonito no Paraná. Um professor que viera de Portugal deu este exemplo: se você for fazer uma compra, haverá uma troca. Você pode dar dinheiro, e eu, um objeto. Você ficará com uma coisa, e eu, com outra. Mas, se eu der uma ideia e você tiver uma ideia diferente, teremos duas ideias. Você ficou rica e eu também. Nós nos enriquecemos com ideias. Então, mudou de ideia? Sim, mudei, porque eu não tinha percebido, não tinha pensado dessa forma”.

Enfim. Toda informação terá sempre uma segunda leitura e esse é um cuidado que estrategistas precisam ter.

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos

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Temos o nosso Macron?

Vejo um Emmanuel Macron em formação por aqui. Se o presidente Jair Bolsonaro não entender isso logo, em 2022, será tarde demais.

Minha bússola de estratégia política é Dick Morris, estrategista conhecido pelo sucesso das campanhas dos Clinton. Ele está presente na mídia social, com um canal de Youtube, dickmorrisreports que, por estratégia de comunicação, oferece pílulas dos comentários dele com continuação no site, dickmorris.com.

O livro mais recente dele é “50 shades of politics” (50 tons de política), sem tradução para o português. A melhor obra, contudo, é “Jogos de Poder”, inspiração modesta para o livro “Que raios de eleição é essa”, que escrevi há dois anos, quando a onda Bolsonaro começou a aparecer no horizonte e alguns surfistas foram estimulados a prepararem-se para aproveitá-la.

Dick Morris, no início do “Jogos do Poder”, na página 12, alerta: “Qualquer pessoa que queira fazer carreira na política tem de compreender que outros vieram antes, e que um estudo da história pode evitar muita dor de cabeça no caminho”. Uma tese facilmente comprovada com uma passagem de olhos pela história da política.

Seja como farsa, seja como tragédia (do modo como Marx construiu uma paráfrase a partir de Hegel), ou seja como for, a verdade é que há semelhanças entre os fatos políticos e personagens ao longo da história.

Bolsonaro repete Jânio, uma tragédia que construiu Collor, a farsa. Na prefeitura do Rio, César Maia, nem farsa nem tragédia, mas um administrador público bem sucedido, refez a memória de Lacerda, uma tragédia como político e nunca uma farsa como administrador público. Em São Paulo, Erundina foi a tragédia que antecedeu a farsa Suplicy.

Enfim. É assim que os fatos e personagens acontecem na política. Com esse alerta, prestemos atenção à história do Emmanuel Macron, ministro da Economia do presidente François Hollande e façamos isso com atenção para as semelhanças por aqui.

Macron assumiu o Ministério com a esperança de colocar em prática as propostas que tinha para a França. Encontrou enormes dificuldades pelo caminho, conforme relata na autobiografia “Emmanuel Macron Revolução”. Diz ele ali: “Quanto à minha ação como ministro, ela era travada pelo acúmulo dos erros de análise, incompetências técnicas e de segundas intenções pessoais”.

Mais adiante, Macron justifica o afastamento dele do presidente que lhe deu o Ministério mais importante da França: “Quando dizem que eu deveria ter obedecido ao presidente como um robô, que deveria renunciar às minhas ideias, acorrentar ao destino dele a realização do que acredito ser justo, simplesmente porque ele me havia nomeado ministro, o que estão dizendo? Que a ideia do bem público deve desaparecer diante da do serviço prestado. Fiquei impressionado ao ver a ingenuidade daqueles que queriam me acusar confessando que, para eles, no fundo, a política obedecia à regra do grupo social: à regra da submissão na esperança de uma recompensa pessoal… O Presidente me dera a oportunidade de servir ao meu país ao lado dele e, depois, como membro do governo. Mas, a minha fidelidade se dirige apenas ao meu país, não a um partido, a uma função ou a um homem. Só aceitei as funções que tive porque elas me permitiam servir à França”.

O presidente Jair Bolsonaro deveria aproveitar as encrencas que criou com o presidente francês para entender por quais caminhos ele chegou lá, porque, por aqui, há algo bem semelhante em andamento. O Ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro, enfrenta toda sorte de dificuldades para colocar em prática as medidas que estimularam nele a decisão de deixar para trás a toga e abraçar as causas que o Presidente defendeu em praça pública.

Ou a história e a foto do Macron e do Moro serão meras coincidências sem importância para a recomendação de Dick Morris: “Outros vieram antes. Um estudo da história pode evitar muita dor de cabeça no caminho”.

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos

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Discurso perigoso numa “terra desolada”

Quando ele não tem serventia para o orador, servirá, com certeza, para o seu opositor e, se não for útil para um nem para o outro, o discurso servirá para fazer a oposição de quem for alcançado por ele. 

O curtíssimo discurso do Ministro General do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, proferido na reunião do Presidente Jair Bolsonaro com os nove governadores dos estados que compõem a Amazônia Legal é uma peça de uso fácil, por quem queira contraditá-lo. 

Parte da pauta da reunião, o Presidente Jair Bolsonaro dedicou ao colega francês, com quem anda se estranhando. O General Augusto Heleno entrou na conversa, no estilo de um aparte, para dizer: “A posição colonialista do Macron, além de lamentável, tem um passado triste. Noventa por cento das colônias francesas vivem em situação lamentável… A França não pode dar lição a ninguém nesse aspecto. Eu vivi o problema no Haiti, que é uma colônia francesa e que tem os rastros da destruição, da confusão e miséria… Isso é molecagem!”. 

Uau! Aplausos! 

Mas, e o contraditório? Está na extensa matéria de Fabio Victor, na Revista Piauí, com o título que, de pronto, já responde ao General Augusto Heleno: “Terra desolada. O que o Brasil deixou para trás no Haiti”. 

O General Augusto Heleno e outros generais brasileiros, quase todos atualmente no governo Bolsonaro, comandaram a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti – Minustah –  e deixaram o caos como legado. Sem constrangimento algum, o Exército Brasileiro, terminada a missão, levantou por aqui uma campanha com o slogan: “Brasil no Haiti: Um caso de sucesso”. 

“A imagem virtuosa da Minustah se espalhou pelo governo Jair Bolsonaro. Oficiais que estiveram na linha de frente da missão foram convocados pelo presidente a integrar postos-chave na Esplanada”. 

De 2004 a 2017, 37.500 homens trabalharam no Haiti, sendo 30 mil do Exército. 

O General Augusto Heleno bateu duro nos franceses em razão do estado lamentável das colônias, mas quem lê “Terra Desolada” e conhece a vida dos brasileiros nas favelas em todo o Brasil, mesmo na Amazônia,  sabe que esses lugares recebem dos governos brasileiros, de todos os níveis, a mesma atenção que a França dá às colônias dela. 

Temos exposta aqui uma peça completa, com discurso e contraditório, governo e oposição, como deve ser o debate político. 

Por Jackson Vasconcelos

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Com que autoridade abusam?

A proposta de uma lei para coibir o abuso de autoridade é o exemplo mais recente do espaço que o debate democrático perdeu no Brasil. Quem pede a lei é considerado cúmplice da corrupção e quem não a deseja é a favor do combate firme e determinado à ela. Não há meio-termo.

No ringue, como atores principais, estão, de um lado, os políticos e, de outro, delegados, promotores e juízes. Na plateia, estão os torcedores de uns e de outros.

É assim sobre qualquer assunto, porque os ouvidos estão surdos para as opiniões contrárias e a paciência é nenhuma com os argumentos alheios. O Brasil está transformado num grande mosaico de torcedores.

O debate aberto, com disposição para ouvir e considerar as opiniões contrárias, seria a melhor estratégia de reconstrução do Brasil, depois da avalanche que a corrupção provocou.

Como cidadão brasileiro, que passou um bom pedaço da vida profissional em cargos na máquina pública e hoje foge delas, eu aviso, de pronto, que sou favorável à existência uma lei que coíba, de fato, os abusos de autoridade, porque sei que eles existem e duvido que os contrários à lei também não saibam.

Se há algo que no Brasil temos de sobra esse algo é o abuso de autoridade. Um distintivo e uma capa preta têm um poder incrível de transformação de personalidades afáveis em verdugos autoritários.

Os ouvidos estão surdos para as opiniões contrárias e a paciência é nenhuma com os argumentos alheios. O Brasil está transformado num grande mosaico de torcedores.
Mas, não desperdiçarei o espaço de nossa conversa com considerações jurídicas sobre a lei, até porque, nesta seara, sou um mero leigo curioso.

Quero cuidar do tema sobre o aspecto da estratégia de defesa da imagem pessoal e de comunicação dos agentes públicos, para dizer que tem sido difícil ou quase impossível para as pessoas de bem exercer funções públicas, porque sobre elas cai sempre o vírus da desconfiança com poder de corroer a imagem pessoal.

Pode a autoridade policial ou o Ministério Público investigar qualquer agente público por pura cisma ou denúncia e sem indício de crime? A lei em discussão diz que não. Mas, a gente sabe que nenhuma lei irá impedir que isso aconteça. O problema está no modo como a autoridade usa a prerrogativa de investigar os agentes públicos, a qualquer tempo e por qualquer tempo que lhe seja conveniente. A autoridade inicia a investigação e a imprensa é a primeira a saber do fato, antes mesmo dos investigados e ainda que a investigação se dê sob sigilo por determinação judicial.

Ora, sabe-se, por experiência, que a imprensa é o poder judiciário de última instância com uma agilidade impressionante para tocar os processos a ela submetidos e fazê-los transitar logo em julgado. Com rapidez, a imprensa julga e condena, nunca absolve.

Pode a autoridade policial e o Ministério Público investigarem pelo tempo que quiserem e bem entenderem? Podem passar uma vida inteira a investigar uma pessoa qualquer?

A lei já diz que não há muito tempo e determina prazos, mas, a gente sabe que as autoridades sempre encontram um caminho para estender o tempo. O problema está, novamente, no uso que a autoridade faz da prerrogativa.

Ela inicia a investigação, avisa ao distinto público que iniciou, o processo ganha ares de condenação e se estende no tempo por prazo indeterminado. Que loucura! Dali por diante, culpado ou inocente, o cidadão carregará pelo tempo que durará a investigação, uma espada sobre a cabeça. Evidentemente, com um prejuízo enorme para os inocentes.

A questão, quando se discute uma lei para o abuso de autoridade, está situada, portanto, no campo do sigilo e do direito que o cidadão tem à presunção de inocência. Fosse isso respeitado, eu tenho certeza que o abuso de autoridade não seria o tema a infernizar as discussões.

E, já que estamos a considerar o abuso de autoridade, que tal parar por um momento para lembrar que 41,5% dos presos no Brasil não foram a julgamento ainda e quase todos eles estão na cadeia por tempo maior do que a condenação total prevista para os crimes de que são acusados? O dado é do Conselho Nacional de Justiça e mostra quanto estão distantes da realidade brasileira os temas colocados em debate apaixonado na arena política.

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos

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Lições dos hermanos

Com o resultado das prévias na Argentina, já temos novo presidente lá ou é melhor esperar o resultado da eleição no dia 27 de outubro? Guardadas as semelhanças entre o que acontece aqui e o que se passa na Argentina no confronto ideológico, corre-se o risco de Jair Bolsonaro estar na posição do Macri em 2022?

Desde 2009, os argentinos votam para presidente em duas oportunidades. A primeira, numa prévia eleitoral, para decidir quem tem, de fato, representatividade para a disputa e, logo depois, quem, entre os escolhidos, será o presidente. As prévias servem para que os partidos resolvam, antes da campanha principal, as disputas internas entre diversas correntes e chapas.

Este ano, nos partidos na Argentina, não houve fragmentação. Então, o resultado das prévias confirmou a polarização da última eleição entre os Kirchners, representados pela chapa que tem a ex-presidente, hoje senadora, Cristina Kirchner na vaga de candidata a vice e os liberais, na pele do presidente Mauricio Macri, que tenta a reeleição.

Por isso, quando 47,9% dos eleitores argentinos avisam preferir os Kirchners na disputa, indicam que os votos deles, na eleição principal, já têm destino. A eleição estaria, portanto, decidida desde agora e no primeiro turno a favor dos Kirchners.

Pode ser que sim, mas pode ser que não e é bem verdade que as chances são de se ter mais sim do que não. Os Kirchners são os favoritos com larga vantagem.

Contudo, 60 dias numa campanha é uma eternidade, porque nós, eleitores, temos caprichos, somos exigentes, instáveis e nenhum incômodo sentimos quando mudamos de opinião. E tem mais: aproveitamos cada segundo que temos nos processos de decisão, por isso, as campanhas, no mundo todo, têm um acervo respeitável de grandes viradas.

Macri venceu os Kirchners em 2015 por acreditar nisso. Ele virou o jogo e venceu a eleição no segundo turno, com os adversários que lideraram todas as pesquisas até o final do primeiro turno.

Mas, seja qual for o resultado final da campanha na Argentina, há lições de estratégia a tirar do episódio. A primeira serve para o próprio Macri: é a importância da gestão de um mandato na consolidação de um projeto político.

Macri chegou em segundo lugar nas prévias, com risco real de perder a reeleição, porque não entregou o que prometeu ou não soube justificar-se. A reorganização da economia argentina era e é um desafio nada fácil de vencer, mas ele e a equipe dele chegaram ao governo com absoluto desdém pelas dificuldades.

Tudo parecia fácil demais para os liberais num contraponto com um governo populista e de esquerda. Entretanto, os resultados não apareciam em forma de emprego, crescimento econômico e redução da inflação. Quando chegou a hora de o governo apelar para o FMI, o povo foi para as ruas. Como o adversário vencido em 2015 ainda respirava, ganhou fôlego e se levantou.

A segunda lição vai para os demais agentes políticos. Eles acomodaram-se à polarização entre Cristina Kirchner e Macri e desapareceram. Por óbvio, as polarizações na política só interessam aos pólos. Quem não estiver neles só terá como alternativa, para sobreviver, anular, pelo menos, um deles. Foi exatamente o que fez Jair Bolsonaro na campanha passada.

Sabe-se que são semelhantes as trajetórias do presidente Jair Bolsonaro e do presidente Mauricio Macri. Os dois venceram a primeira eleição num confronto direto com estruturas instaladas há muito tempo no poder e com perfil ideológico parecido. Jair Bolsonaro derrotou a turma do Lula, no poder há 16 anos, contados, por justiça, os dias de Michel Temer na Presidência, e Macri venceu os Kirchners que estavam há 12 anos na presidência. Para enfrentarem os problemas na economia, Macri e Bolsonaro chamaram os liberais, com pesados currículos acadêmicos e posições firmes no que se refere ao papel do Estado.

As semelhanças ficarão por aí ou chegaremos em 2022, no Brasil, com Bolsonaro com dificuldades para vencer a turma da esquerda?

A resposta virá da capacidade dele aprender com os erros do colega argentino, para não subestimar as dificuldades, não superestimar a polarização como garantia de vitória e apresentar resultados concretos na economia.

É aguardar e torcer.

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos