Publicado em Deixe um comentário

Discurso perigoso numa “terra desolada”

Quando ele não tem serventia para o orador, servirá, com certeza, para o seu opositor e, se não for útil para um nem para o outro, o discurso servirá para fazer a oposição de quem for alcançado por ele. 

O curtíssimo discurso do Ministro General do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, proferido na reunião do Presidente Jair Bolsonaro com os nove governadores dos estados que compõem a Amazônia Legal é uma peça de uso fácil, por quem queira contraditá-lo. 

Parte da pauta da reunião, o Presidente Jair Bolsonaro dedicou ao colega francês, com quem anda se estranhando. O General Augusto Heleno entrou na conversa, no estilo de um aparte, para dizer: “A posição colonialista do Macron, além de lamentável, tem um passado triste. Noventa por cento das colônias francesas vivem em situação lamentável… A França não pode dar lição a ninguém nesse aspecto. Eu vivi o problema no Haiti, que é uma colônia francesa e que tem os rastros da destruição, da confusão e miséria… Isso é molecagem!”. 

Uau! Aplausos! 

Mas, e o contraditório? Está na extensa matéria de Fabio Victor, na Revista Piauí, com o título que, de pronto, já responde ao General Augusto Heleno: “Terra desolada. O que o Brasil deixou para trás no Haiti”. 

O General Augusto Heleno e outros generais brasileiros, quase todos atualmente no governo Bolsonaro, comandaram a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti – Minustah –  e deixaram o caos como legado. Sem constrangimento algum, o Exército Brasileiro, terminada a missão, levantou por aqui uma campanha com o slogan: “Brasil no Haiti: Um caso de sucesso”. 

“A imagem virtuosa da Minustah se espalhou pelo governo Jair Bolsonaro. Oficiais que estiveram na linha de frente da missão foram convocados pelo presidente a integrar postos-chave na Esplanada”. 

De 2004 a 2017, 37.500 homens trabalharam no Haiti, sendo 30 mil do Exército. 

O General Augusto Heleno bateu duro nos franceses em razão do estado lamentável das colônias, mas quem lê “Terra Desolada” e conhece a vida dos brasileiros nas favelas em todo o Brasil, mesmo na Amazônia,  sabe que esses lugares recebem dos governos brasileiros, de todos os níveis, a mesma atenção que a França dá às colônias dela. 

Temos exposta aqui uma peça completa, com discurso e contraditório, governo e oposição, como deve ser o debate político. 

Por Jackson Vasconcelos

Publicado em Deixe um comentário

Com que autoridade abusam?

A proposta de uma lei para coibir o abuso de autoridade é o exemplo mais recente do espaço que o debate democrático perdeu no Brasil. Quem pede a lei é considerado cúmplice da corrupção e quem não a deseja é a favor do combate firme e determinado à ela. Não há meio-termo.

No ringue, como atores principais, estão, de um lado, os políticos e, de outro, delegados, promotores e juízes. Na plateia, estão os torcedores de uns e de outros.

É assim sobre qualquer assunto, porque os ouvidos estão surdos para as opiniões contrárias e a paciência é nenhuma com os argumentos alheios. O Brasil está transformado num grande mosaico de torcedores.

O debate aberto, com disposição para ouvir e considerar as opiniões contrárias, seria a melhor estratégia de reconstrução do Brasil, depois da avalanche que a corrupção provocou.

Como cidadão brasileiro, que passou um bom pedaço da vida profissional em cargos na máquina pública e hoje foge delas, eu aviso, de pronto, que sou favorável à existência uma lei que coíba, de fato, os abusos de autoridade, porque sei que eles existem e duvido que os contrários à lei também não saibam.

Se há algo que no Brasil temos de sobra esse algo é o abuso de autoridade. Um distintivo e uma capa preta têm um poder incrível de transformação de personalidades afáveis em verdugos autoritários.

Os ouvidos estão surdos para as opiniões contrárias e a paciência é nenhuma com os argumentos alheios. O Brasil está transformado num grande mosaico de torcedores.
Mas, não desperdiçarei o espaço de nossa conversa com considerações jurídicas sobre a lei, até porque, nesta seara, sou um mero leigo curioso.

Quero cuidar do tema sobre o aspecto da estratégia de defesa da imagem pessoal e de comunicação dos agentes públicos, para dizer que tem sido difícil ou quase impossível para as pessoas de bem exercer funções públicas, porque sobre elas cai sempre o vírus da desconfiança com poder de corroer a imagem pessoal.

Pode a autoridade policial ou o Ministério Público investigar qualquer agente público por pura cisma ou denúncia e sem indício de crime? A lei em discussão diz que não. Mas, a gente sabe que nenhuma lei irá impedir que isso aconteça. O problema está no modo como a autoridade usa a prerrogativa de investigar os agentes públicos, a qualquer tempo e por qualquer tempo que lhe seja conveniente. A autoridade inicia a investigação e a imprensa é a primeira a saber do fato, antes mesmo dos investigados e ainda que a investigação se dê sob sigilo por determinação judicial.

Ora, sabe-se, por experiência, que a imprensa é o poder judiciário de última instância com uma agilidade impressionante para tocar os processos a ela submetidos e fazê-los transitar logo em julgado. Com rapidez, a imprensa julga e condena, nunca absolve.

Pode a autoridade policial e o Ministério Público investigarem pelo tempo que quiserem e bem entenderem? Podem passar uma vida inteira a investigar uma pessoa qualquer?

A lei já diz que não há muito tempo e determina prazos, mas, a gente sabe que as autoridades sempre encontram um caminho para estender o tempo. O problema está, novamente, no uso que a autoridade faz da prerrogativa.

Ela inicia a investigação, avisa ao distinto público que iniciou, o processo ganha ares de condenação e se estende no tempo por prazo indeterminado. Que loucura! Dali por diante, culpado ou inocente, o cidadão carregará pelo tempo que durará a investigação, uma espada sobre a cabeça. Evidentemente, com um prejuízo enorme para os inocentes.

A questão, quando se discute uma lei para o abuso de autoridade, está situada, portanto, no campo do sigilo e do direito que o cidadão tem à presunção de inocência. Fosse isso respeitado, eu tenho certeza que o abuso de autoridade não seria o tema a infernizar as discussões.

E, já que estamos a considerar o abuso de autoridade, que tal parar por um momento para lembrar que 41,5% dos presos no Brasil não foram a julgamento ainda e quase todos eles estão na cadeia por tempo maior do que a condenação total prevista para os crimes de que são acusados? O dado é do Conselho Nacional de Justiça e mostra quanto estão distantes da realidade brasileira os temas colocados em debate apaixonado na arena política.

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos

Publicado em Deixe um comentário

Lições dos hermanos

Com o resultado das prévias na Argentina, já temos novo presidente lá ou é melhor esperar o resultado da eleição no dia 27 de outubro? Guardadas as semelhanças entre o que acontece aqui e o que se passa na Argentina no confronto ideológico, corre-se o risco de Jair Bolsonaro estar na posição do Macri em 2022?

Desde 2009, os argentinos votam para presidente em duas oportunidades. A primeira, numa prévia eleitoral, para decidir quem tem, de fato, representatividade para a disputa e, logo depois, quem, entre os escolhidos, será o presidente. As prévias servem para que os partidos resolvam, antes da campanha principal, as disputas internas entre diversas correntes e chapas.

Este ano, nos partidos na Argentina, não houve fragmentação. Então, o resultado das prévias confirmou a polarização da última eleição entre os Kirchners, representados pela chapa que tem a ex-presidente, hoje senadora, Cristina Kirchner na vaga de candidata a vice e os liberais, na pele do presidente Mauricio Macri, que tenta a reeleição.

Por isso, quando 47,9% dos eleitores argentinos avisam preferir os Kirchners na disputa, indicam que os votos deles, na eleição principal, já têm destino. A eleição estaria, portanto, decidida desde agora e no primeiro turno a favor dos Kirchners.

Pode ser que sim, mas pode ser que não e é bem verdade que as chances são de se ter mais sim do que não. Os Kirchners são os favoritos com larga vantagem.

Contudo, 60 dias numa campanha é uma eternidade, porque nós, eleitores, temos caprichos, somos exigentes, instáveis e nenhum incômodo sentimos quando mudamos de opinião. E tem mais: aproveitamos cada segundo que temos nos processos de decisão, por isso, as campanhas, no mundo todo, têm um acervo respeitável de grandes viradas.

Macri venceu os Kirchners em 2015 por acreditar nisso. Ele virou o jogo e venceu a eleição no segundo turno, com os adversários que lideraram todas as pesquisas até o final do primeiro turno.

Mas, seja qual for o resultado final da campanha na Argentina, há lições de estratégia a tirar do episódio. A primeira serve para o próprio Macri: é a importância da gestão de um mandato na consolidação de um projeto político.

Macri chegou em segundo lugar nas prévias, com risco real de perder a reeleição, porque não entregou o que prometeu ou não soube justificar-se. A reorganização da economia argentina era e é um desafio nada fácil de vencer, mas ele e a equipe dele chegaram ao governo com absoluto desdém pelas dificuldades.

Tudo parecia fácil demais para os liberais num contraponto com um governo populista e de esquerda. Entretanto, os resultados não apareciam em forma de emprego, crescimento econômico e redução da inflação. Quando chegou a hora de o governo apelar para o FMI, o povo foi para as ruas. Como o adversário vencido em 2015 ainda respirava, ganhou fôlego e se levantou.

A segunda lição vai para os demais agentes políticos. Eles acomodaram-se à polarização entre Cristina Kirchner e Macri e desapareceram. Por óbvio, as polarizações na política só interessam aos pólos. Quem não estiver neles só terá como alternativa, para sobreviver, anular, pelo menos, um deles. Foi exatamente o que fez Jair Bolsonaro na campanha passada.

Sabe-se que são semelhantes as trajetórias do presidente Jair Bolsonaro e do presidente Mauricio Macri. Os dois venceram a primeira eleição num confronto direto com estruturas instaladas há muito tempo no poder e com perfil ideológico parecido. Jair Bolsonaro derrotou a turma do Lula, no poder há 16 anos, contados, por justiça, os dias de Michel Temer na Presidência, e Macri venceu os Kirchners que estavam há 12 anos na presidência. Para enfrentarem os problemas na economia, Macri e Bolsonaro chamaram os liberais, com pesados currículos acadêmicos e posições firmes no que se refere ao papel do Estado.

As semelhanças ficarão por aí ou chegaremos em 2022, no Brasil, com Bolsonaro com dificuldades para vencer a turma da esquerda?

A resposta virá da capacidade dele aprender com os erros do colega argentino, para não subestimar as dificuldades, não superestimar a polarização como garantia de vitória e apresentar resultados concretos na economia.

É aguardar e torcer.

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos

Publicado em Deixe um comentário

E o financiamento das campanhas hein?

O povo deve mesmo custear as campanhas eleitorais com dinheiro dos impostos? Deve, mas em outros termos. Os gastos com as campanhas eleitorais é tema que reaparece vez por outra e, ultimamente, está sendo alimentado pelo Partido Novo, que critica o uso do dinheiro do contribuinte nos partidos, Fundo Partidário, e nas campanhas, Fundo Eleitoral.

Faz todo sentido o financiamento público para as campanhas eleitorais, porque está provado que quem financia as campanhas compra as decisões dos eleitos e captura as estruturas do Estado brasileiro. Não faz sentido, o contribuinte pagar as despesas de funcionamento dos partidos, porque os partidos atendem aos desejos e aos interesses dos filiados.

É bom registrar, a bem do debate, que o financiamento público das campanhas eleitorais não é algo novo no Brasil, onde o povo desde sempre paga as despesas de veiculação das propagandas eleitorais no rádio e na TV, via renúncia fiscal e banca o funcionamento da Justiça Eleitoral.

O Fundo Eleitoral, dinheiro gasto nas campanhas, tem a falha de deixar com os dirigentes partidários a distribuição do dinheiro entre os candidatos e numa situação em que as deliberações nos partidos são autoritárias e aplicadas no interesse exclusivo de suas lideranças.

Ora, se o dinheiro é público, a distribuição dele deveria obedecer critérios de seleção transparentes, uma delas, a exigência de existir no estatuto do partido o respeito às regras democráticas de deliberação. E isso deveria valer também para a veiculação gratuita das propagandas no rádio e TV, fato que, me parece, foge à questão do Partido Novo.

O partido que não quisesse o dinheiro do contribuinte, estaria liberado dos critérios de distribuição, mas as contribuições para a campanha dos seus candidatos viriam, exclusivamente, dos filiados. Quem não tivessem filiação não poderia financiar as campanhas. Dessas amarras estariam livres os candidatos avulsos, uma autorização que a Constituição poderia conceder.

De outro modo se daria o custeio dos partidos representado hoje pelo Fundo Partidário. Quem quiser pertencer a um partido, que pague as despesas dele. E se esse partido quiser disputar eleições, que se enquadre às normas previstas para as despesas: ou dinheiro do contribuinte com regras claras de distribuição, inclusive da veiculação das propagandas, ou dinheiro dos filiados.

Gente muito jovem talvez não saiba, mas no Brasil os partidos políticos já foram financiados pelos filiados e as campanhas, exclusivamente, pelas pessoas físicas, só que sem a obrigação de filiação dos doadores, situação que criou uma correnteza estupenda de “caixa dois”.

Naquele tempo, os filiados estavam sujeitos à uma contribuição mensal para o partido e os candidatos eleitos tinham a obrigação de pagar um valor maior. Método justo, que a imprensa chamou de usurpação e o PT, depois, estendeu a todos os filiados que exerciam cargos por indicação por partido. Ser tesoureiro de um partido era uma dificuldade enorme, porque quando o partido se fechava para os filiados e, na cabeça, tomava decisões autoritárias, o caixa sentia logo o resultado.

Quando o Fundo Partidário virou a festa que é hoje, o número de partidos cresceu, a suntuosidade aumentou nas sedes e a briga pelo comando ficou feia.

Tenho certeza que, desse modo, será possível usar o financiamento das campanhas e dos partidos políticos como elemento estratégico para melhorar o modelo de representação política. O Brasil merece a chance.

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos

Publicado em Deixe um comentário

O que é “earned creative”?

Temos nos batido numa questão: as campanhas eleitorais e de imagem dos políticos não levam em consideração os conceitos modernos de comunicação. Por isso, elas têm gerado pouco resultado na conversão da mensagem em voto. Pensando nisso, me chamou a atenção a entrevista da Judy John, ao Meio & Mensagem de 29 de julho. Canadense, ela criou uma campanha de sucesso sobre igualdade de gênero, a “Like a Girl”, para inverter uma expressão pejorativa. O trabalho é muito bom mesmo.

Retirei da entrevista da Judy um pequeno trecho, útil para a elaboração de estratégias de comunicação, portanto, para o nosso trabalho. Ela define e esclarece o “earned creative”, a comunicação social pelo design.

“Eu sou”, diz ela, “totalmente a favor disso, porque se pensarmos em como interagimos com a mídia, tudo está no celular, no computador, ninguém assiste a programas ao vivo na televisão, talvez a jogos esportivos… mas no Instagram, a pessoa fica rolando o feed e de repente para porque viu algo interessante. Ou está no computador e assiste a um vídeo porque alguém enviou. Todo o resto não é interessante. Precisa ser algo que ganhe o tempo da pessoa”.

Em seguida, Isabella Lessa, entrevistadora, pergunta: “É uma concorrência pelo tempo e não mais entre marcas…”. Judy respondeu: É. Nossas marcas estão competindo com o trailer de um filme, com o cachorro e o menino comendo espaguete. Com esses vídeos engraçados que as pessoas veem porque entretém”.

Eis aí um bom caminho para se criar campanhas mais criativas e efetivas para conquistar o voto e a reputação.

Por Jackson Vasconcelos

Publicado em Deixe um comentário

E as mulheres, hein?

A situação que dificulta a participação da mulher na política e cria as imagens e fotos masculinas do poder no Brasil é, portanto, e em resumo, a falta de democracia e mérito na disputa pelo poder nos partidos políticos. Uma situação que nem a cota obrigatória resolveu, porque, por obrigação não se faz política.

Há uma passagem na vida política da Denise Frossard que gosto de lembrar, quando a participação da mulher é o tema:

No plenário da Câmara dos Deputados, numa sessão comemorativa do Dia Internacional da Mulher, com a Mesa Diretora composta, Denise foi ao microfone de apartes e, com voz firme, avisou: “Enquanto sobreviver a imagem que vejo daqui, de uma Mesa Diretora só de homens, não há o que comemorar. Existe sim, razão para permanecer na luta por espaços no poder desta Casa, um poder que não pode ser concedido, mas conquistado pelo voto, essência da existência deste Poder”.

Nas palavras da Denise estava uma questão conceitual relevante, quando ela marcou a diferença entre espaço concedido e espaço de poder conquistado no voto, porque numa representação ainda minoritária da mulher nos parlamentos e governos está outra questão de fundo: algumas lá estão por herança paterna ou por representação de seus maridos.

O Brasil é um país de democracia recente. Voltamos a eleger prefeitos para as capitais e “áreas de segurança” (isso existiu) há pouco mais de 30 anos, governadores há pouco mais de 35 e presidente da república há 30. A “Constituição Cidadã” tem apenas 31 anos e com adaptações constantes.

Posso afirmar que somos uma democracia em construção e boa medida será perseguir o equilíbrio de gênero na composição do poder. Um bom caminho para isso é uma reforma no sistema político para estabelecer o respeito às regras da democracia na disputa do comando dos partidos. É neles que se aprende a participação política. É por eles que devemos começar o amadurecimento.

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos

Publicado em Deixe um comentário

E os evangélicos, hein?

Os resultados das eleições para todos os níveis no Brasil, inclusive para presidente da República, mostram que é inútil refletir sobre as campanhas no Brasil sem considerar a influência dos evangélicos, principalmente pentecostais – e não só pela vitória dos fiéis, mas também pelo discurso conservador que, em grande escala e velocidade, faz adeptos nos vários segmentos da política.

A estratégia de quem disputa eleições no Brasil precisa considerar esse fato. É uma falácia dizer que as campanhas ou os partidos não debatem ideologia. Debatem sim, com aridez e cada vez com mais raiva e ódio, no estilo de um fundamentalismo religioso. E não é de hoje.

Os evangélicos são conservadores extremados nos costumes, favoráveis radicais ao enfrentamento com violência na política de segurança pública (83% dos parlamentares evangélicos votaram a favor da redução da maioridade penal e a maioria defende liberdade para comprar e portar armas) e liberais na economia, porque as igrejas precisam de novos empreendedores entre os mais pobres, seu maior público contribuinte com dízimos e ofertas.

Esse conjunto ideológico tem dado base para o discurso político no Brasil há pelo menos 40 anos, tempo que coincide com a existência da Igreja Universal do Reino de Deus. Edir Macedo quebrou o tabu da participação política dos evangélicos para proteger sua igreja e o canal de TV que multiplicou sua capacidade de expansão. E fez escola! A acelerada expansão pentecostal acontece nos trilhos de um eficaz proselitismo praticado por um número cada vez maior de fiéis, na maioria, mulheres.

Antes do Edir Macedo, casos raros existiram de atuação das igrejas evangélicas na política de modo direto e influência forte. As igrejas tradicionais não entregavam os púlpitos aos políticos em tempo de campanha e quando pediam votos para os seus – nunca para os outros – isso acontecia de maneira sutil. As exceções, poucas, ficavam com as Igrejas Assembleias de Deus.

Edir, por interesses localizados, quebrou o tabu e as igrejas evangélicas, em especial, as pentecostais, foram de um extremo ao outro. Nasceu o slogan: “irmão vota em irmão”. O slogan aprimorou-se para uma situação de o irmão votar em quem eu pedir para votar e, recentemente, avançou para o conselho de irmão só votar em quem, mesmo não sendo irmão, vota em quem pensa como ele.

No livro “Política e Religião – A participação dos evangélicos nas eleições”, obra de excelência sobre o tema, a autora Maria das Dores Campos Machado afirma: “O tema da politização do pentecostalismo entrou na agenda dos pesquisadores brasileiros no final da década de 1980 e início dos anos 90 como resultado da atuação dos parlamentares evangélicos no Congresso Nacional e do apoio das comunidades pentecostais a Fernando Collor de Mello na eleição para presidente de 1992”.

Não foi diferente com as campanhas de todos os outros presidentes desde Collor. Lula perdeu satanizado pelos evangélicos e católicos carismáticos em 1992; mas adiante cedeu às pressões ideológicas e entregou à Igreja Universal o lugar de vice para o empresário José Alencar. Depois, Dilma quase sucumbiu pela presença do aborto na agenda de debates.

Jair Bolsonaro e os agregados dele no Brasil todo foram eleitos com a agenda conservadora nos costumes, radical e violenta no combate ao crime e liberal na economia. As atitudes e manifestações do presidente e dos agregados continuam com eles depois da campanha no exercício dos mandatos, para deixar claro que a agenda que cindiu a sociedade brasileira não será conciliadora.

As campanhas eleitorais são oportunidades para o debate de vários assuntos e de convencimento dos eleitores. Estamos aí no ano de véspera da campanha para as prefeituras e câmaras municipais, nível de poder mais relevante na estrutura do Estado Brasileiro, porque está com os prefeitos e vereadores a atribuição de oferecer os primeiros serviços de educação (primeira idade e fundamental), saúde e cultura. O significado principal de qualidade de vida está nas cidades, sob a responsabilidade dos prefeitos e vereadores.

Estejam certos os candidatos que a agenda conservadora (costumes) e de direita (combate ao crime com violência) e liberdade econômica para produzir terá prioridade no processo de seleção. Tem sido assim.

Mas vencerão só os que convergirem? Evidentemente que não, mas os vencedores serão selecionados pela posição ideológica que assumirem, antes de comprovarem-se prontos para o exercício institucional dos cargos que disputam. Os candidatos não terão como fugir, porque, infelizmente, a sociedade está num racha ideológico profundo.

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos

Publicado em Deixe um comentário

Um convite para morrer

Trago à análise hoje a entrevista do Ciro Gomes ao Broadcast do Estadão, para mostrar a vocês um discurso que não deve fazer quem deseja ser candidato a presidente de um país de gente em desespero à busca de esperança. Não é por acaso ou falta de sorte que Ciro Gomes já foi candidato a Presidente da República três vezes e todas elas derrotado. A razão: o discurso equivocado.

Entrevistado por duas jovens jornalistas, Ciro discorre sobre o desejo de punir os parlamentares do PDT que votaram a favor da reforma da previdência, principalmente, a jovem deputada Tábata do Amaral. Age com arrogância quando chama para ele a exclusividade de ter lido as sessenta e tantas páginas do projeto. E chega à pergunta sobre o futuro político dele: 

Pergunta: O Bolsonaro fez questão de se colocar ali como candidato à reeleição, para que não haja confusão sobre quem será o nome do governo. O senhor já se coloca como alternativa da oposição ao Bolsonaro? Como está sendo esse trabalho dentro do PDT? 

Resposta (um convite ao suicídio coletivo): 

“Com a experiência que eu tenho, devo dizer uma coisa a vocês, que vai ficar aqui documentada. O Brasil vai passar por tanta confusão, por tanto desmantelo, por tanta frustração, que haverá aí uma convulsão na política muito forte. Espero que isso não descambe para a violência pura e simples, porque as energias estão se acumulando pra isso”, e segue…

“O dissídio nacional está sendo… porque na medida em que a população… imagine um jovem da periferia de São Paulo… qual é a expectativa de pertencimento que ele tem nessa ficção em que está se transformando esse negócio chamado Brasil? Sabe qual é o futuro desse garoto que está estimulado pelo compre, compre, compre sem ter dinheiro? A morte ou a cadeia. E ele sabe disso. Está vendo os coleguinhas dele sumirem pela morte e pela cadeia, numa estúpida guerra contra as drogas que já está perdida”, tem mais…

“E a elite branca e prepotente querendo fazer do sonho dela uma casa em Miami. Isso está por aí para acontecer. Então a minha compulsão é continuar fazendo o que eu fiz a minha vida inteira. Cumprindo a minha obrigação. Se isso vai virar um não uma candidatura é evidente que não vou andar mentindo. Já fui candidato três vezes. É evidente que eu gostaria de ser presidente do Brasil. Mas, será que vale à pena ainda? Será que restará um país governável se essa gente destruir as portas da industrialização perdida do país, entregando a EMBRAER pra Boeing e fechando a porta do Complexo Industrial Militar como potencial de progresso do Brasil? Isso é trivial. O Brasil está esquartejando a Petrobrás…”.

O diálogo está no tempo entre 19:17 e 21.48. Daí eu pergunto: caberia ali a crítica, sim, mas com uma mensagem de esperança, não?

Por Jackson Vasconcelos

Publicado em Deixe um comentário

E os partidos, hein?

Quem manda num partido político manda mesmo. Nenhum problema essa atitude teria para a democracia, se as deliberações tivessem alicerce num conjunto de normas, em um estatuto criado e aprovado pelos filiados, e se as convenções de delegados valessem. Não é assim. Nas deliberações partidárias prevalece a vontade de quem dirige o partido que, quase sempre, tem mando perpétuo.

Os problemas acontecidos na relação da deputada federal Tábata Amaral com o PDT, do deputado federal Aécio Neves com o PSDB e dos dirigentes regionais desse partido no estado do Rio de Janeiro com a intervenção federal, que fez do suplente de senador Paulo Marinho presidente local, são exemplos recentes do modelo. Mas a história dos partidos está repleta de casos iguais ou semelhantes.

Outra causa não houve para o passeio do político Ciro Gomes e de muitos líderes políticos por vários partidos. Também não existiu para Lula ter criado o PT, Brizola, o PDT, os dissidentes do MDB, o PSDB, e Marina Silva ter queimado energia para criar a Rede. A lista de projetos políticos que precisaram de novo abrigo partidário é extensa.

Os partidos políticos deixaram de ser o ambiente onde o debate é esclarecedor, onde a deliberação pelo voto é resultado do discurso capaz de convencer. Nos partidos, quem pensa diferente de quem dirige não perde tempo com a arte de convencer. Sabe que não adianta o esforço e cai fora, para criar um partido para chamar de seu e, curiosamente, nele faz valer a regra que lhe causou problemas.

Quando incharam o fundo partidário, a vontade de comer encontrou a fome. Sem identidade ideológica e entregues ao pragmatismo dos dirigentes, os partidos tornaram-se um mercado para bons negócios, parte de um processo iniciado com o poder dos dirigentes de distribuírem, discricionariamente, tempo de TV e rádio. O fim do financiamento das campanhas por pessoas jurídicas fez crescer o poder dos dirigentes dos partidos, porque com eles está, com quase exclusividade, o poder de financiar as campanhas.

Chegamos, então, à situação presente. Alguém, para ser candidato, precisa estar filiado a um partido e ser reconhecido como tal pelos dirigentes. Para ter dinheiro para a campanha, necessita da boa vontade dos mesmos dirigentes, porque com eles está o poder de distribuir o dinheiro do fundo eleitoral.

Para ter acesso à TV e ao rádio, nos tempos de campanha, está submetido à deliberação dos dirigentes. A liberdade que viria com a vitória é uma ilusão para quem exercerá um mandato originado numa eleição proporcional (vereador, deputado estadual e deputado federal). Se o sujeito contrariar os dirigentes do seu partido será punido, porque o mandato pertence ao partido e como o partido é dos dirigentes, a conclusão é óbvia.

Se os problemas criados pelos partidos ficassem limitados às eleições, a questão que levanto seria grave. Torna-se gravíssima quando eu amplio o foco sobre o tema para verificar que são eles, os partidos, instrumentos de exercício do poder nos governos e o caminho de legitimação da alternância no poder. Eles, em última instância, controlam o aparelho do Estado que presta os serviços à população. É muito poder para estar sempre nas mãos de meia dúzia e a serviço do capricho do jogo político.

Por isso tudo, a política empobreceu e os governos, idem. Afinal, os partidos estão aí para serem o padrão da política, o ambiente para o debate e disputa democrática pelo poder. Deveria ser nos partidos, a primeira lição de um político sobre a conquista e conservação do poder e do reconhecimento da alternância como um santo remédio para a democracia.

Para tornar melhor a política, está claro, que alguma coisa precisa acontecer com relação aos partidos. Eu nenhuma dúvida tenho que o caminho seria uma reforma na base deles, para obrigá-los a democratizar as deliberações, para que as decisões ocorram pelo voto dos delegados convencionais e, quando o assunto produzir impacto nas questões programáticas, pelo voto da maioria dos filiados.

Há propostas na mesa.

Contudo, como somos um povo viciado a buscar solução nas consequências dos problemas e não nas causas, andam por aí alguns a brigar contra os fundos partidário e eleitoral e a advogar candidaturas avulsas. Que sigam em frente, mas que se lembrem que somos uma sociedade de poucos milionários e temos um modelo de governo que faria dos candidatos avulsos, eleitos sem alma.

Estamos em boa hora para rever o modelo.

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos

Publicado em Deixe um comentário

O discurso é uma música

O ano era 2016. Tempo de campanha para presidente dos Estados Unidos. Na disputa, Hillary Clinton e Donald Trump. O escritor americano Michael Moore apareceu no principal reduto do Trump, Ohio, para pedir votos para Hillary. O que ele disse e, do modo como disse, merece registro como uma peça importante da campanha. 

Usando de forma perfeita a retórica, a entonação, e a encenação, Michael Moore é didático, como poucos oradores políticos são. Mas, na didática, ele separa Hillary e Obama com uma dura crítica ao Obamacare. Eu vi isso como um problema, numa sociedade que tem fidelidade quase absoluta aos partidos. 

Para nós, brasileiros, a peça tem significado maior, pela proximidade dos argumentos do Michael Moore com as razões do voto, aqui, no Bolsonaro. Palavras para se pensar. 

Vamos ao principal trecho, mas o discurso todo, disponível no YouTube, é muito bom: 

“Porque eu conheço um monte de pessoas em Michigan que pensam votar no Trump e eles não gostam dele, necessariamente tanto, para isso. E, necessariamente não concordam com ele. São só pessoas decentes, bastante desesperadas. Depois de falar com alguns deles, eu separei algumas coisas para dizer para eles. 

Donald Trump veio para o CLube Econômico de Detroit e ficou na frente dos executivos da Ford e avisou: – se vocês fecharem as fábricas em Detroit para transferi-las para o México, eu colocarei uma tarifa de 35% para a importação dos carros produzidos por vocês lá e trazidos para cá. Vocês não conseguirão vendê-los. 

Foi uma coisa incrível de se ver. Nenhum político republicano ou democrata tinha dito nada parecido e isso foi música para os ouvidos de pessoas em Michigan. Ohio, Pensilvânia, Wisconsin.  Você mora aqui em Ohio. Você sabe do que estou falando. 

Mas, o que Trump significa é irrelevante, porque ele está dizendo coisas para as pessoas que estão feridas emocionalmente. É por isso que cada pessoa deprimida, sem nome, esquecida trabalhando duro, que costumava ser parte do que foi chamado de classe média, ama Trump. Ele é o coquetel molotov humano que as pessoas estavam esperando. A granada de mão humana que pode, legalmente, jogar no sistema, que roubou a vida das pessoas. 

No dia 8 de novembro, dia da eleição, apesar das suas contas nos bancos terem sido fechadas. Em seguida, veio o divórcio, a esposa e os filhos se foram, o carro foi confiscado, eles não tiveram férias de verdade em anos. Eles estão presos com uma merda de um plano de saúde Bronze do Obamacare, onde você não pode mesmo tratar uma simples dor de cabeça ou uma caganeira. Eles, essencialmente, perderam tudo o que tinham, exceto uma coisa. A única coisa que não lhes custa um centavo e é garantido pela Constituição Americana – o direito ao voto. 

Eles podem estar sem dinheiro, eles podem estar sem teto. Eles podem estar ferrados. Não importa, porque um milionário tem o mesmo número de votos que a pessoa sem emprego. E há mais da digna classe média do que há na classe milionária. Assim, no dia 8 de novembro, dia da eleição, o revoltado vai caminhar para a cabine de votação, pegar uma cédula, fechar a cortina e com uma caneta colocar um X bem grande no nome do seu candidato, que ameaça derrubar o próprio sistema, que arruinou suas vidas….

A eleição do Trump será o seu grito de foda-se o sistema. O maldito sistema. E todos se sentirão bem…por um dia, por uma semana…por um mês. E então, se arrependerão, porque usaram o voto para exprimir uma revolta. Estarão ferrados”.

Por Jackson Vasconcelos