Publicado em Deixe um comentário

Um truque de jornalista

No início da última segunda-feira (2/9), entrou na tela do meu celular uma notícia da Folha de São Paulo: “Se a eleição fosse hoje, Haddad venceria Bolsonaro por 42% a 36%, indica Datafolha”.

A matéria estava sustentada na demonstração de queda no percentual de votos dados ao presidente, de 55,13% para 36%, e queda também do percentual de votos dados ao Fernando Haddad de 44,87% para 42%. Como o percentual de 36% é menor do que 42%, a conclusão da notícia está na manchete.

A confiança na fonte atendeu bem ao desejo dos arrependidos pela escolha que fizeram na eleição e dos contrariados por terem escolhido o derrotado. Imediatamente, travou-se a batalha, já de rotina na comunicação. Um lado desacreditou a pesquisa e o outro deu-lhe crédito absoluto.

Mas, apartando os lados, não assumindo nenhum deles, há um problema no ambiente e ele não está na pesquisa, mas na notícia. Sobre a pesquisa não existe causa para contestar os resultados. Contudo, eles não são elementos suficientes para garantir a matéria, quando ela afirma que, se a eleição fosse hoje, Haddad venceria. Falta um elemento nessa proposição: o que fez os votos de Bolsonaro migrarem?

Descendo um pouco mais para os detalhes, o Datafolha identifica mudança de posição em 24% dos eleitores que votaram no Bolsonaro: 10% votariam no Haddad; 13%, branco ou nulo. Com relação ao Haddad, 88% dos eleitores que votaram nele manteriam o voto hoje. Portanto, 12% não; 4% mudariam o voto para Bolsonaro e 6% votariam nulo e branco. Dos votos brancos e nulos dados na eleição, 68% manteriam a opção, 21% mudariam para Haddad e 6% para Bolsonaro.

Uma só situação explica o fato: o desempenho do candidato Jair Bolsonaro como Presidente da República. Não há outra informação disponível nem razoável.

Ora, se em teste está o desempenho do presidente, a pesquisa para sustentar a notícia, deveria considerar todo o período do mandato dele. Não é o caso. Ou, deveria medir, por justo, as reações dos eleitores do Haddad às decisões e atitudes dele como presidente da república. Impraticável, porque isso não aconteceu. E, se tivesse acontecido? Quem sabe, a matéria não teria sinal invertido? Ao assim: “Se a eleição fosse hoje, Bolsonaro venceria Haddad por…”.

Como não há eleição para a Presidência da República prevista para “hoje”, a notícia trazida pelo Instituto Datafolha é, tão somente, o aborrecimento de 24% dos eleitores do Bolsonaro com ele e a decisão de 10% deles de voltar no tempo – ato impossível – e escolher o Haddad.

Imaginemos a situação transportada para um jogo de futebol. Temos um time em campo jogando e outro na arquibancada assistindo o jogo e se levanta uma questão com os que assistem o jogo? Quem cometeu mais faltas em campo?

Antes de encerrar, talvez por legítima defesa antecipada num ambiente aguerrido como está o campo do debate político, quero dividir com os leitores e leitoras, as palavras da Monja Cohen, na obra que dividiu com o filósofo e professor Clóvis de Barros Filho, “A Monja e o Professor – reflexões sobre ética, preceitos e valores”.

Diz ela: “Estive num encontro de professores muito bonito no Paraná. Um professor que viera de Portugal deu este exemplo: se você for fazer uma compra, haverá uma troca. Você pode dar dinheiro, e eu, um objeto. Você ficará com uma coisa, e eu, com outra. Mas, se eu der uma ideia e você tiver uma ideia diferente, teremos duas ideias. Você ficou rica e eu também. Nós nos enriquecemos com ideias. Então, mudou de ideia? Sim, mudei, porque eu não tinha percebido, não tinha pensado dessa forma”.

Enfim. Toda informação terá sempre uma segunda leitura e esse é um cuidado que estrategistas precisam ter.

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos

Publicado em Deixe um comentário

Temos o nosso Macron?

Vejo um Emmanuel Macron em formação por aqui. Se o presidente Jair Bolsonaro não entender isso logo, em 2022, será tarde demais.

Minha bússola de estratégia política é Dick Morris, estrategista conhecido pelo sucesso das campanhas dos Clinton. Ele está presente na mídia social, com um canal de Youtube, dickmorrisreports que, por estratégia de comunicação, oferece pílulas dos comentários dele com continuação no site, dickmorris.com.

O livro mais recente dele é “50 shades of politics” (50 tons de política), sem tradução para o português. A melhor obra, contudo, é “Jogos de Poder”, inspiração modesta para o livro “Que raios de eleição é essa”, que escrevi há dois anos, quando a onda Bolsonaro começou a aparecer no horizonte e alguns surfistas foram estimulados a prepararem-se para aproveitá-la.

Dick Morris, no início do “Jogos do Poder”, na página 12, alerta: “Qualquer pessoa que queira fazer carreira na política tem de compreender que outros vieram antes, e que um estudo da história pode evitar muita dor de cabeça no caminho”. Uma tese facilmente comprovada com uma passagem de olhos pela história da política.

Seja como farsa, seja como tragédia (do modo como Marx construiu uma paráfrase a partir de Hegel), ou seja como for, a verdade é que há semelhanças entre os fatos políticos e personagens ao longo da história.

Bolsonaro repete Jânio, uma tragédia que construiu Collor, a farsa. Na prefeitura do Rio, César Maia, nem farsa nem tragédia, mas um administrador público bem sucedido, refez a memória de Lacerda, uma tragédia como político e nunca uma farsa como administrador público. Em São Paulo, Erundina foi a tragédia que antecedeu a farsa Suplicy.

Enfim. É assim que os fatos e personagens acontecem na política. Com esse alerta, prestemos atenção à história do Emmanuel Macron, ministro da Economia do presidente François Hollande e façamos isso com atenção para as semelhanças por aqui.

Macron assumiu o Ministério com a esperança de colocar em prática as propostas que tinha para a França. Encontrou enormes dificuldades pelo caminho, conforme relata na autobiografia “Emmanuel Macron Revolução”. Diz ele ali: “Quanto à minha ação como ministro, ela era travada pelo acúmulo dos erros de análise, incompetências técnicas e de segundas intenções pessoais”.

Mais adiante, Macron justifica o afastamento dele do presidente que lhe deu o Ministério mais importante da França: “Quando dizem que eu deveria ter obedecido ao presidente como um robô, que deveria renunciar às minhas ideias, acorrentar ao destino dele a realização do que acredito ser justo, simplesmente porque ele me havia nomeado ministro, o que estão dizendo? Que a ideia do bem público deve desaparecer diante da do serviço prestado. Fiquei impressionado ao ver a ingenuidade daqueles que queriam me acusar confessando que, para eles, no fundo, a política obedecia à regra do grupo social: à regra da submissão na esperança de uma recompensa pessoal… O Presidente me dera a oportunidade de servir ao meu país ao lado dele e, depois, como membro do governo. Mas, a minha fidelidade se dirige apenas ao meu país, não a um partido, a uma função ou a um homem. Só aceitei as funções que tive porque elas me permitiam servir à França”.

O presidente Jair Bolsonaro deveria aproveitar as encrencas que criou com o presidente francês para entender por quais caminhos ele chegou lá, porque, por aqui, há algo bem semelhante em andamento. O Ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro, enfrenta toda sorte de dificuldades para colocar em prática as medidas que estimularam nele a decisão de deixar para trás a toga e abraçar as causas que o Presidente defendeu em praça pública.

Ou a história e a foto do Macron e do Moro serão meras coincidências sem importância para a recomendação de Dick Morris: “Outros vieram antes. Um estudo da história pode evitar muita dor de cabeça no caminho”.

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos

Publicado em Deixe um comentário

Lições dos hermanos

Com o resultado das prévias na Argentina, já temos novo presidente lá ou é melhor esperar o resultado da eleição no dia 27 de outubro? Guardadas as semelhanças entre o que acontece aqui e o que se passa na Argentina no confronto ideológico, corre-se o risco de Jair Bolsonaro estar na posição do Macri em 2022?

Desde 2009, os argentinos votam para presidente em duas oportunidades. A primeira, numa prévia eleitoral, para decidir quem tem, de fato, representatividade para a disputa e, logo depois, quem, entre os escolhidos, será o presidente. As prévias servem para que os partidos resolvam, antes da campanha principal, as disputas internas entre diversas correntes e chapas.

Este ano, nos partidos na Argentina, não houve fragmentação. Então, o resultado das prévias confirmou a polarização da última eleição entre os Kirchners, representados pela chapa que tem a ex-presidente, hoje senadora, Cristina Kirchner na vaga de candidata a vice e os liberais, na pele do presidente Mauricio Macri, que tenta a reeleição.

Por isso, quando 47,9% dos eleitores argentinos avisam preferir os Kirchners na disputa, indicam que os votos deles, na eleição principal, já têm destino. A eleição estaria, portanto, decidida desde agora e no primeiro turno a favor dos Kirchners.

Pode ser que sim, mas pode ser que não e é bem verdade que as chances são de se ter mais sim do que não. Os Kirchners são os favoritos com larga vantagem.

Contudo, 60 dias numa campanha é uma eternidade, porque nós, eleitores, temos caprichos, somos exigentes, instáveis e nenhum incômodo sentimos quando mudamos de opinião. E tem mais: aproveitamos cada segundo que temos nos processos de decisão, por isso, as campanhas, no mundo todo, têm um acervo respeitável de grandes viradas.

Macri venceu os Kirchners em 2015 por acreditar nisso. Ele virou o jogo e venceu a eleição no segundo turno, com os adversários que lideraram todas as pesquisas até o final do primeiro turno.

Mas, seja qual for o resultado final da campanha na Argentina, há lições de estratégia a tirar do episódio. A primeira serve para o próprio Macri: é a importância da gestão de um mandato na consolidação de um projeto político.

Macri chegou em segundo lugar nas prévias, com risco real de perder a reeleição, porque não entregou o que prometeu ou não soube justificar-se. A reorganização da economia argentina era e é um desafio nada fácil de vencer, mas ele e a equipe dele chegaram ao governo com absoluto desdém pelas dificuldades.

Tudo parecia fácil demais para os liberais num contraponto com um governo populista e de esquerda. Entretanto, os resultados não apareciam em forma de emprego, crescimento econômico e redução da inflação. Quando chegou a hora de o governo apelar para o FMI, o povo foi para as ruas. Como o adversário vencido em 2015 ainda respirava, ganhou fôlego e se levantou.

A segunda lição vai para os demais agentes políticos. Eles acomodaram-se à polarização entre Cristina Kirchner e Macri e desapareceram. Por óbvio, as polarizações na política só interessam aos pólos. Quem não estiver neles só terá como alternativa, para sobreviver, anular, pelo menos, um deles. Foi exatamente o que fez Jair Bolsonaro na campanha passada.

Sabe-se que são semelhantes as trajetórias do presidente Jair Bolsonaro e do presidente Mauricio Macri. Os dois venceram a primeira eleição num confronto direto com estruturas instaladas há muito tempo no poder e com perfil ideológico parecido. Jair Bolsonaro derrotou a turma do Lula, no poder há 16 anos, contados, por justiça, os dias de Michel Temer na Presidência, e Macri venceu os Kirchners que estavam há 12 anos na presidência. Para enfrentarem os problemas na economia, Macri e Bolsonaro chamaram os liberais, com pesados currículos acadêmicos e posições firmes no que se refere ao papel do Estado.

As semelhanças ficarão por aí ou chegaremos em 2022, no Brasil, com Bolsonaro com dificuldades para vencer a turma da esquerda?

A resposta virá da capacidade dele aprender com os erros do colega argentino, para não subestimar as dificuldades, não superestimar a polarização como garantia de vitória e apresentar resultados concretos na economia.

É aguardar e torcer.

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos

Publicado em Deixe um comentário

A coerência não autoriza irresponsabilidade

Tudo o que diz e faz o presidente Jair Bolsonaro e a família dele pega fogo, pela personalidade incendiária deles e dos adversários. Assim aconteceu com uma frase postada pelo presidente no Twitter, quando o deputado federal Jean Wyllys comunicou a decisão de não retornar ao Brasil após as férias, para assumir um novo mandato de deputado federal.

Criticado, o presidente avisou que não fez referência à decisão do deputado e é mesmo possível, que não tenha feito. Mas, as circunstâncias de relacionamento entre os dois e a personalidade irônica do presidente autorizaram os comentaristas.  

O episódio torna relevante uma questão útil para a estratégia de comunicação neste tempo de quase absoluta transparência. Ela diz que não se deve esperar dos políticos o jeito tradicional de esconder o que pensam ou de evitar as polêmicas, porque os eleitores estão exigentes no quesito coerência. Nisso Jair Bolsonaro se enquadra. O presidente é a configuração exata do cidadão Jair Bolsonaro. Mas, até que ponto essa relação deve permanecer assim?

A estratégia examina o cenário e responde: “Sempre!”. Houve tempo mais fácil para as situações em que as imagens dos políticos não correspondiam à realidade. Hoje é demolidor. O que não quer dizer que o presidente da República está autorizado a agir ou falar por impulso. Ele, mais do que o cidadão comum, precisa refletir e organizar atitudes e palavras, para não precisar se desculpar ou desfazer.

As palavras de um presidente e de um líder levam as pessoas e as empresas a tomarem decisões que, no mundo moderno, são velozes. Isso gera custo. Imagine o que é ter um presidente ou um líder que decida ou fale em zigue-zague.

Jair Bolsonaro é o presidente da república e o que ele diz tem peso de decisão na vida das pessoas, das empresas, e significa muito para a imagem dele como líder de uma nação. E um líder tem necessidade de imagem positiva para o sucesso dos projetos que abraça.

Está bem pertinho de nós ainda o exemplo do ex-presidente Michel Temer. Com um tiquinho de imagem positiva, conquistada no confronto com a imagem extremamente negativa da ex-presidente Dilma (imagem não é valor absoluto), ele conseguiu realizar algumas proezas. Outras não fez, porque Joesley Batista, numa jogada negociada com o Ministério Público Federal,  gravou a conversa que teve com ele no porão do Palácio do Jaburu.

A questão para um presidente ou líder não está no falar ou agir do modo como age ou fala naturalmente, mas no modo como faz e com que propósito faz e diz, para não ter a obrigação de desdizer ou desmentir. O reconhecer um erro é ato humilde, mas produz um prejuízo enorme. É como pisar no calo de alguém: dói e nenhum pedido de desculpas do mundo alivia a dor.

Por Jackson Vasconcelos

Publicado em Deixe um comentário

Dario tem um recado para Flavio Bolsonaro

Luis Maurício e Pedro Augusto, netos de Carlos Drummond de Andrade, reuniram textos do avô sobre as Copas do Mundo, de 1954 a 1986 – última dele com vida. Publicaram em 2014, pela Companhia das Letras, com o título “Quando é Dia de Futebol”.

De uma das minhas estantes, a obra andou a me provocar desde meu aniversário de 2017, quando a recebi de presente e lá a coloquei. A espera foi uma grande besteira minha. O livro é magnífico, não só por ser Drummond, mas pela maneira como foi composto pelos netos dele. É futebol na veia, escrito e vivido de um modo que não se tem mais no Brasil, e política, de um jeito que ainda teimamos ter.  

A Copa de 1954 está na abertura, com a frase: “O mérito da derrota consiste em isentar o derrotado de qualquer responsabilidade de vitória”. A frase foi para o resultado da Copa daquele ano, mas cabe como uma luva na eleição do ano passado. No mesmo artigo há outra passagem que me arrancou risos por uma história pessoal e por isso sacrifiquei-a com os meus marcadores de texto:

“Somos fluminenses ou vascos pela necessidade de optar, como somos liberais, socialistas ou reacionários. Apenas, se não é rara a mudança do indivíduo para outro partido, nunca se viu, que eu saiba, torcedor de um clube abandoná-lo em favor de outro”.

Na Copa de 58, o Brasil foi campeão. Drummond comemorou a vitória com “Celebremos”, onde há uma passagem muito atual:

“Não me venham insinuar que o futebol é o único motivo nacional de euforia e que com ele nos consolamos da ineficiência ou da inaptidão nos setores práticos. Essa vitória no estádio tem precisamente o encanto de abrir os olhos de muita gente para as discutidas e negadas capacidades brasileiras de organização, de persistência, de resistência, de espírito associativo e de técnica. Indica valores morais e eugênicos, saúde de corpo e de espírito, poder de adaptação e de superação. Não se trata de esconder nossas carências, mas de mostrar como vêm sendo corrigidas, como se temperam com virtualidades que a educação irá desvendando, e de assinalar o avanço imenso que nossa gente vai alcançando na descoberta de si mesma”.

Em 62, o Brasil conquistou o bicampeonato. João Goulart era Presidente da República de um parlamentarismo de ocasião e andava preocupado com a escolha de ministros. Drummond escreveu “Seleção de Ouro” que, pela qualidade dos atuais jogadores da seleção brasileira, não se pode atualizar.

“Este bi veio na hora H”, escreveu Drummond. “Os políticos procuram um rumo para a nação e não o encontram, ou querem encontrá-lo fora do lugar. A mudança do gabinete, que devia ser caso de rotina, assumiu ares de problema grave, e ninguém sabe como compor a nova equipe dirigente. Ninguém? É exagero. Modestamente vos proponho a equipe ideal, que não é nem pode ser outra senão a equipe detentora da Taça Jules Rimet. O Correio da Manhã pediu um time de ministros tão bem selecionado como o time de futebol; é o próprio…”. E Drummond lista jogadores e posição que cada um poderia ocupar no ministério. Hoje, seguramente, Drummond não correria o risco. Drummond não viveu para sofrer o vexame do 7×1, nem as vergonhas de 2018.

Quem começa a leitura não encerra antes do ponto final da obra toda, que termina com o posfácio do Juca Kfouri: “As palavras mais sublimes do futebol”.

É impossível destacar os melhores momentos de uma obra magnífica. “No Elevador”, é fantástico. Conta a vida de um ascensorista vascaíno. ‘Falou e disse” faz um tratado da frase famosa do Dario, “Não me venha com problemáticas, pois tenho solucionáticas”. Boa colocação que podemos apresentar, como lição de vida prática, ao nobre senador Flávio Bolsonaro, que anda por aí cheio de problemáticas.

“Parlamento da Rua”, é o retrato das discussões estéreis do futebol, como têm sido os debates nos parlamentos do Brasil todo, com a imprensa a ocupar o lugar do espírito de porco, “símbolo de individualismo renitente”. “O latim está vivo” é artigo de humor puro.

No livro há Pelé: “O difícil, o extraordinário, não é fazer mil gols, com Pelé. É fazer um gol como Pelé”. Há Garrincha, Tostão, Zagallo, Didi, Rivelino. Mas, há também Maluf no “Entre Céu e Terra, a bola”. Escreveu Drummond sobre Maluf: “O dr. Maluf presume-se jogador de qualquer posição, capaz até de, como goleiro, fazer gol ao devolver a bola, mas uma sólida marcação pode travar-lhe o ímpeto”. Demorou, mas travou.

E há Jânio, que “deixou de ser confiável ao abandonar o campo nos primeiros minutos do jogo”. Há também generais, pré-candidatos, que embolarão o meio-campo no afã de ocuparem a mesma área, que não dá para todos”. Uau! Serve bem para o que andam fazendo os generais no governo Bolsonaro!

Encerro, com a observação de Drummond sobre os juízes de futebol, que também tem bom espaço no que anda a acontecer com a política hoje: “A imparcialidade do juiz é um virtude que desejaríamos se voltasse para o nosso lado”.

Leiam. Vocês adorarão, com certeza.

Por Jackson Vasconcelos

Publicado em Deixe um comentário

Entrevista do Ministro Sérgio Moro

O Ministro Sérgio Moro saiu-se muito bem na entrevista que concedeu ao Jornal das 10 da Globo News, presentes os jornalistas Heraldo Pereira, Andréia Sadi, Gerson Camarotti, Cristiana Lôbo e Merval Pereira. A primeira imagem do programa passou tensão na fisionomia do Ministro, situação que se desfez, com rapidez, já na primeira palavra dele. Ele cumprimentou todos os jornalistas, um a um, pelo nome, atitude inteligente de aproximação.

Os ensinadores de postura diriam que o Ministro esteve mal colocado na cadeira, porque encostado passando a ideia de tranquilidade. Eu já acho que a postura ajudou a descontrair o ambiente.

A chamada na internet deu ênfase ao tema que teve menor relevância em toda a entrevista, a flexibilização do porte de armas: “Moro diz que não há movimento para flexibilizar porte de armas”.

O assunto mais relevante, pela novidade que apresentou e pelas circunstâncias ocorridas no Ceará foi sobre o Sistema Prisional. Moro reafirmou a criação da Diretoria de Inteligência no âmbito prisional. Resposta concreta com perspectiva de bons resultados para a situação mais aflitiva no momento da entrevista.

Moro aproveitou as respostas a algumas questões para esclarecer os boatos que as mídias sociais e mesmo a imprensa criam vez por outra. A primeira situação surgiu quando o Ministro falou sobre o caso Cesare Battisti:

“Havia… Eu, particularmente, desejaria que ele tivesse vindo ao Brasil primeiro, para depois ser enviado para a Itália… Não porque, como foi dito por aí, por alguns, que seria um troféu… Não tinha nenhuma perspectiva disso, mas seria uma forma de o Brasil demonstrar que não seria mais um refúgio para criminosos de qualquer natureza, especialmente, por questões político-partidárias. Mas, tendo sido optado por outro caminho não teve nenhum problema quanto a isso…”. Ao longo da entrevista, houve ocorrências semelhantes, quando o Ministro aproveitou para alfinetar os boatos.

O caso Queiroz, evidentemente, entrou na pauta. Sérgio Moro deu tratamento técnico ao caso alertando que o ambiente correto para dele tratar é o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, que investiga. Deu uma estocada nos ministros da Justiça que assumiam o papel de defensores de presidentes, o que levou o subconsciente dos ouvintes para o ex-ministro José Eduardo Cardozo que assumiu o papel de advogado de defesa da ex-presidente Dilma Rousseff.

Para sair do caso Queiroz, uma vez que o ministro venceu a pauta, a jornalista Cristiana Lobo fez uma pergunta confusa sobre as atribuições do ministro na relação com o currículo dele.

Eraldo Pereira: “O senhor não deveria ter ido ao Ceará?” Ele, com segurança e elegância respondeu dizendo que fez o que deveria ter feito para devolver a normalidade.

Quando trataram da questão prisional, os jornalistas tentaram colocar o Ministro em saia justa com a lotação dos presídios e maus tratos. Ele, com tranquilidade levou o tema para o questão dos indultos e saiu-se muito bem.

Vale assistir!

Por Jackson Vasconcelos

Publicado em Deixe um comentário

Mente na posse ou na campanha?

O que se pode esperar do discurso de posse de um presidente da república? Em que bases ele deve ser construído? Li o que consegui ler e ouvi o que consegui ouvir dos comentários sobre os dois discursos que fez o presidente Jair Bolsonaro no dia da posse. O primeiro, no plenário do Congresso Nacional. O segundo, no parlatório do Palácio do Planalto.

O Estadão se pronunciou em editorial, “A posse de Bolsonaro” com produtos do teclado da jornalista Vera Magalhães. A Folha de São Paulo participou com “Retórica da posse” e com as letras do Ricardo Balthazar, com “Bolsonaro rompe tradição ao ignorar desigualdade do país”. O Globo chegou com o velho hábito de dar uma no cravo e outra na ferradura. No cravo, quando fez meio elogio com “Acenos positivos ao entendimento e ao fim das divisões” e na pena do imortal Merval Pereira com “Duas Vozes”. Na ferradura, criticou os dois discursos com os artigos de Bernardo Mello Franco e Miriam Leitão.

Não fui ainda às páginas das revistas semanais. Mas, ontem, ao retornar de Teresópolis, ouvi Dora Kramer na Band News e alguns outros comentaristas que não consegui identificar, por precisar prestar mais atenção ao que acontecia em torno de mim na estrada. Na Band, Dora e todos os demais criticaram o presidente.

Em todos os veículos que visitei, tanto os críticos como os concordantes curvaram-se à iniciativa da primeira dama, Michelle Bolsonaro que, no parlatório, discursou antes do presidente, em linguagem de libras, interpretada por uma mulher, que a imprensa não nominou, mas qualificou como assessora. Os críticos foram unânimes: “o presidente permanece no palanque!” .

Minha praia é a estratégia, que precisa estar em todas as decisões, principalmente, na comunicação. Daí, eu pergunto: deveria o presidente na posse, falar para o regalo dos jornalistas e comentaristas ou reafirmar ao povo que o elegeu os compromissos que assumiu com ele?

Olhando da areia da minha praia, eu afirmo: o presidente acertou. A posse é o momento do encontro dos eleitores com os eleitos. É o grito mais alto de vitória. Não é hora dedicada aos jornalistas, nem aos políticos, nem aos críticos ou comentaristas. É hora sagrada na relação dos eleitos com os eleitores.

Mais a mais, que discurso poderia fazer o presidente Jair Bolsonaro para ser elogiado pelos comentaristas e críticos? Eles aceitariam bem na fala do presidente, o que cobram na crítica? Algo do tipo: “o que eu falei na campanha, só valeu para a campanha”.

O que esperavam a imprensa e os contrários? Que Jair Bolsonaro tivesse um discurso na campanha e outro no mandato. E se ele fizesse isso? Imaginem o que aconteceria!

A estratégia de comunicação do Presidente surpreendeu na campanha e surpreendeu na posse. Surpreendeu a imprensa, mas agradou os eleitores. Então, venceu!

Por Jackson Vasconcelos

Publicado em Deixe um comentário

Elegeremos um rinoceronte?

Diz a biografia do teatrólogo Eugène Ionesco que ele foi um patafísico. A patafísica, informam os dicionários, é a metafísica das bobagens. Eugène viveu 85 anos. Faleceu em março de 1994. Perdeu a oportunidade de conhecer a evolução de uma doença identificada por ele numa pequena sociedade: “A rinocerontite”.

Eugène levou parte vida considerando o teatro uma arte falsa, artificial: “Para que fingir, também no palco, se fingirmos todos, diariamente? Se a própria vida é um fingimento da natureza cuja única verdade é a morte?”, dizia Eugène. Fácil, fácil, a gente concorda com isso.

Contudo, a dramaturgia terminou por dominá-lo, para bem do teatro. Começou com a “Cantora Careca”, um conjunto de diálogos absurdos, que não contam uma história. A peça está em cartaz há mais de 60 anos no pequeno Théatre de la Huchette, em Paris. Com apresentações diárias.

Eugène escreveu O Rinoceronte: “Num dia irritantemente comum, de uma cidade comum, onde nada acontece, a não ser o diálogo estúpido de homens que não sabem o que fazer de suas vidas, um rinoceronte enche de poeira uma rua. E causa espanto”.

A partir dali as pessoas da cidade vão, pouco a pouco, mas com velocidade, passando por uma metamorfose. Resistem, tentam fugir, mas transformam-se no curso de uma doença que Eugène Ionesco chama de “rinocerontite”, quando o ser humano perde a humanidade, a pele lisa e a fala. Brutaliza-se. Animaliza-se.

Em 1960, Ionesco contou como foi o ponto de partida de O Rinoceronte. Conta ele, que o escritor francês Denis de Rougemont estava em Nüremberg, quando ocorreu uma impressionantes manifestações nazistas de homenagem a Adolf Hitler. Uma multidão imensa postava-se à espera do Führer, que tardava a chegar.

Quando a comitiva de Hitler apareceu, houve uma histeria contagiosa, que o próprio Rougemont se sentiu atingido. Ele já estava prestes a sucumbir à estranha e terrível magia, quando, afastando-se da turba, parou para pensar: “Que espécie de demônio o estava possuindo, para ficar quase seduzido pela ideia de se entregar, como os outros, ao delírio insano?”. O fato inspirou Eugène Ionesco a escrever “O Rinoceronte”.

A campanha para presidente da república no Brasil tornou-se terreno fértil para o vírus da “rinocerontite”. As pessoas substituem a pele pelo casco e a fala pelo bramir. Todos vão, aos poucos, se transformando numa espécie nativa de Rinoceronte, o Bolsonaro.

E a doença já começa a aparecer no candidato Geraldo Alckmin. Vejam se não é verdade: “Porte de armas no campo deve ser ‘facilitado’, diz Geraldo Alckmin”.

Por Jackson Vasconcelos