Eleições são resultados de campanhas, que deveriam ter liberdade de expressão. No Brasil, não têm, porque a Justiça Eleitoral, invenção nacional, castra a liberdade dos candidatos com base numa legislação confusa e paranóica, interpretada com absoluta casualidade pelos juízes.
A revista Época comentou sobre mentiras e eleições, o estudo “Eleições 2018 – Perspectivas da comunicação organizacional”, do professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, Paulo Nassar e do Diretor-Geral da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), Hamilton dos Santos. Em pauta a disputa entre mídias digitais e imprensa tradicional frente às notícias falsas, “fakes news”, algo que se deseja vender como novo, como modismo do século XXI.
Mas, desde sempre há mentiras nas campanhas, nas eleições na imprensa. Mentiras que produzem votos e resultados. A causa disso? É simples. O ser humano. Somos, por natureza, amantes da mentira, das fantasias, dos causos.
Façamos uma visita à obra de Lira Neto sobre Getúlio. São três volumes. Neles há, de sobra, exemplos de mentiras, campanhas e imprensa nisso tudo. Busquemos dois casos situados no terceiro volume. Um sobre Getúlio e outro sobre a famosa história do candidato Eduardo Gomes, o Brigadeiro, que deu nome ao doce. Eleições presidenciais de 1945. Em termos literais:
“O nível do debate político despencou alguns degraus quando os partidários de Eduardo Gomes começaram a protestar contra o lançamento da candidatura de Getúlio Vargas à Constituinte. Os jornais do Rio de Janeiro chegaram a anunciar, em manchete, que o ex-presidente seria chamado a depor, como réu, no Tribunal de Nuremberg – o conselho internacional então recém-criado pelas potências aliadas para julgar os nazifascistas denunciados como criminosos de guerra. Quando o porta-voz da representação britânica contradisse a informação em Londres, o desmentido foi publicado em notinhas tímidas nas páginas internas: “Não foi denunciado o ex-presidente Vargas”, corrigiu-se A Manhã, em notícia de apenas sete linhas”.
Eduardo Gomes e os marmiteiros.
“Para se contrapor à artilharia, Hugo Borghi, aliado de Getúlio, voltou à cena, dessa vez para criar um factóide que entraria para os anais do folclore político nacional. Em discurso realizado no elegante Teatro Municipal do Rio de Janeiro, falando para uma seleta platéia de encasacados, Eduardo Gomes afirmara que, para se eleger presidente da República, não precisaria contar com os votos “desta malta de desocupados que andam por aí”, referindo-se aos getulistas de todos os matizes. Borghi consultou os verbetes do Novo dicionário da língua portuguesas do filólogo Cândido Figueiredo e constatou que o termo “malta” era sinônimo de Reunião de gente de baixa condição. Súcia. Caterva. Reunião de trabalhadores, que se transportam juntamente, de um para outro lugar, em procura de trabalhos agrícolas”. Borghi, que era dono de várias emissoras de rádio, passou a propagar nos seus microfones a versão de que o brigadeiro teria dito não precisar do voto dos “marmiteiros” – ou seja, dos operários e trabalhadores”.
“Mar-mi-tei-ros? Mas o que é isso?”, estranhou Eduardo Gomes quando um jornalista lhe telefonou para saber se confirmava o teor da declaração. “Quem pode crer em semelhante tolice?”, se perguntou Eduardo Gomes.
Carlos Lacerda, que sabia como ninguém o poder de uma potoca bem contada, procurou Eduardo Gomes para convencê-lo a tentar minar o boato ainda no nascedouro:
–Brigadeiro, o senhor tem que fazer um novo discurso, hoje, desmentindo essa história. Mas, veja bem, tem que ser hoje!”.
– Procure o Prado Kelly, converse com ele. Encaminhou, Eduardo Gomes o assunto para um dos seus coordenadores de campanha, o jurista Eduardo Prado Kelly.
Alertado, Prado Kelly, respondeu:
– Mas, Carlos, isso não tem nenhuma importância. O povo não vai acreditar nisso…Imagine!
Carlos Lacerda retrucou:
– Kelly, você não sabe o que é o poder do rádio; o que é o poder da comunicação!
Não convencido, Carlos Lacerda foi ao articulador da campanha, José Américo de Almeida, que respondeu:
– Realmente, isso é grave. Mas já está marcado outro comício no largo da Carioca, daqui a alguns dias. Lá eu respondo isso. Lá, eu acabo com isso de uma vez por todas.
Carlos Lacerda ponderou:
– Dr. José Américo, daqui a alguns dias o Brasil inteiro estará convencido de que essa história é verdadeira.
Uma excepcional história para mostrar que essa coisa de mentiras, campanhas e eleições não é nova. A novidade é a substituição do boato no pé do ouvido pelo boato no dedo de teclar.
No caso do Eduardo Gomes, não deu outra. Poucas horas após os alertas não correspondidos de Carlos Lacerda, “marmiteiro” virou bordão nacional e deu origem a um personagem de charges políticas, o Zé Marmiteiro, do cartunista José Nelo Lorenzon. Até marchinha de carnaval surgiu com a história do marmiteiro. E as chances do Eduardo Gomes foram par ao vinagre.