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Que democracia é essa?

Que democracia é essa a defendida pela esquerda brasileira? Uma democracia que permite que cidadãos eleitos legitimamente e legalmente percam os mandatos que receberam dos eleitores por um simples ato deliberativo da Justça, em que o povo seja ouvido ou o cidadão cassado tenha dito assegurado o direito de se manifestar para exercer o democrático direito de se defender e exercer o contraditório? Isso não é uma democracia e as deliberações que tornam isso um fato são antidemocráticas.

Eu me lembro da alegria com que o povo brasileiro recebeu a Constituição de 1988, elaborada pelos representantes que ele elegeu e com a participação dos diversos segmentos da sociedade nos corredores do Congresso Nacional . Em 1964, quando a ditadura derrubada em 1988, iniciou-se, o deputado Afonso Arinos fez um discurso na Câmara que tornou notável a seguinte passagem: “A mocidade de hoje não tem ideia do que foram aquelas horas de frenético entusiasmo, em que assistimos a democracia brasileira ressurgir, límpida e nua, dos andrajos de uma escravidão de tandos anos…”. Ele fez referência à deposição de Getúlio, um ditador não eleito e deposto pela vontade do povo.

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Enéas era o nome dele. Um professor de comunicação política. 

“A minha única estratégia é falar ao povo através dos meios de comunicação…” (Enéas). 

Em 1989, tão depressa quanto pronunciar “Meu nome é Enéas”, algo com o que se gasta dois segundos, um cavaleiro andante brasileiro criou o Partido da Reedificação da Ordem Nacional, PRONA, e disputou a Presidência da República. Enéas concorreu contra 21 candidatos, uma só mulher. Teve 15 segundos de exposição por vez na TV. 

Sisudo, com barba preta grande e desalinhada, óculos enormes, maiores ainda na tela da TV, frases diretas e um bordão, ele conquistou 870 votos por cada minuto em que apareceu na tela.  

“A distribuição do tempo aqui é semelhante à distribuição de renda no país. Pense nisso! Meu nome é Enéas!”. Dizia ele. 

Ulysses Guimarães, do PMDB, com o maior tempo de exposição entre todos os candidatos – 44 vezes maior, que o tempo utilizado pelo Enéas – fez 122 votos por minuto – 7 vezes menos. Estava provado, que o tempo de TV pode ser, em uma campanha, oportunidade e em outra, ameaça, a depender do modo como se use. 

Além do tempo de exposição gratuito, Enéas enfrentou os adversários nos debates durante a campanha e foi, a exemplo de todos, entrevistado. Em todas as ocasiões, o discurso encaixava a imagem inusitada e a imagem, o discurso. Enéas esteve firme na defesa coerente de uma tese ideologicamente situada na extrema direita e de crítica veemente ao “modelo carcomido e putrefato que aí está”, dizia ele. “Falo sempre contra um sistema de troca de favores, que faz com que um candidato à Presidência da República de um partido, alie-se a outro partido, que tem uma tintura ideológica diametralmente oposta”, continuou. 

A cada aparição, Enéas dizia frases soltas, mas que, mesmo as mais alucinadas, faziam sentido para as pessoas. Algo do tipo: 

  • “Compare o seu salário com o dos políticos. Pense nisso. Meu nome é Enéas!”
  • “Para o senhor que é pobre como eu fui, a democracia é uma farsa. Pense nisso. Meu nome é Enéas!”. 
  • “O que fazem os políticos? Conversam, conversam, passam os anos debatendo, pra quê? Pra combinarem entre eles, quem fica com quê! E o povo para que serve? Pra votar, é claro. Em quem? Neles. Pense nisso. Meu nome é Enéas!” 
  • “Se o senhor quer mudar tudo, mas tudo mesmo, o senhor só tem um jeito de conseguir isso. Pense e descubra sozinho…Meu nome é Enéas!”

Se em 1989, Enéas surpreendeu, nas eleições seguintes sustentou as conquistas. Em 1994, Enéas teve mais tempo na TV. 1 minuto e 17 segundos. Os especialistas adivinhadores de resultado julgaram que com tempo maior de exposição Enéas perderia o encanto e, sem saber o que fazer com tanto tempo a mais, seria enterrado nas próprias palavras. Enéas chegou em 3º, à frente do poderoso PMDB, que se apresentou com o ex-governador de São Paulo, Orestes Quércia. Enéas venceu também Leonel Brizola. 

Enéas abriu a campanha de TV naquele ano com um discurso complicado, extremamente elaborado, que poderia anunciar o prognóstico correto dos adivinhadores.  Sem abertura, ele sapecou: “Fala-se muito mal no Brasil. Escreve-se pior. (…). Mas, a língua é o maior patrimônio de um povo. Desrespeitá-la é desrespeitar  a própria nacionalidade. Perguntaram ao Confúcio, 2 mil anos atrás, o que ele faria em primeiro lugar se tivesse que administrar um país. “Seria, evidentemente, corrigir a linguagem”, respondeu ele. Seus interlocutores ficaram surpresos. Indagavam o porquê. Foi a seguinte a resposta do mestre. Se a linguagem não for correta, o que se diz não é o que se pretende dizer e o que deve ser feito deixa de ser feito. A moral e as artes decaem. Se a moral e as artes decaem, a Justiça desbarata. Se a Justiça se desbarata, as pessoas ficam entregues ao desamparo e à confusão. Não pode, portanto, haver arbitrariedade no que se diz. E isso é o que importa acima de tudo. Meu nome é Enéas!”. 

Imaginem os estragos que um texto deste faria a qualquer candidato. Com Enéas foi diferente, com uma vantagem fantástica: aquele sujeito carrancudo, de mal com a vida, que se apresentava nos programas eleitorais sem mudar o discurso, era educado, humilde e extremamente desafiador diante dos jornalistas que tentavam diminuí-lo. 

Enéas, como se desenhasse um quadro, construía uma imagem completa de um político de extrema direita, de inteligência privilegiada, mas incapaz de fazer uma grosseria ou de desrespeitar a inteligência alheia com ironias. Enéas nunca foi irônico.  

Ele fez a marca, que produzia votos. 

Na eleição presidencial de 1998, Enéas também teve bom desempenho. Aquela foi a eleição dos altos e baixos, com Roseana Sarney bem perto de ser primeira mulher presidente, desintegrada durante o processo, e Ciro Gomes, herdeiro dos votos femininos dela, derrubado por um ato de insanidade política contra as mulheres. 

Enéas com 35 segundos de TV, chegou em quarto.  

Veio a eleição de 2002. Enéas desistiu de ser candidato a presidente. Disputou uma cadeira na Câmara dos Deputados por São Paulo. Sem mudar o estilo, o discurso radical e a postura nas entrevistas, ele alcançou a marca histórica ainda em vigor de 1,5 milhão de votos. O resultado fez com que o PRONA levasse para Brasília, 5 deputados federais.  

Enéas adoeceu. A doença tirou-lhe a barba, definhou-lhe o semblante, afinou-lhe o discurso. Mesmo assim, na eleição de 2006, num último suspiro, Enéas foi reeleito deputado federal com um novo bordão: “com barba ou sem barba, meu nome é Enéas”. Alcançou 386.905 votos. Faleceu um ano depois, vítima de leucemia.  

Se valer para a gestão de campanhas eleitorais o conceito de produtividade, Enéas foi o melhor exemplo de eficácia ou de eficiência. Fez mais votos com bem menos instrumentos facilitadores. 

Enéas não estará na próxima campanha, mas há quem queira representar o papel dele na extrema direita: Jair Bolsonaro. É quando invoco Marx com o primoroso texto, 18 Brumário de Luís Bonaparte. A melhor peça histórica de análise de conjuntura. Na abertura, Marx escreve: “Hegel observa algures que todos os grandes factos e personagens da história universal aparecem como que duas vezes. Mas esqueceu-se de acrescentar: uma vez como tragédia e a outra como farsa”. 

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A democracia.

Se há no meio de um povo medo dos agentes do Estado e revolta com as decisões que eles tomam, a democracia não está mais presente. 

Se um povo não acredita mais nas instituições do Estado que têm o papel de garantir-lhe segurança é porque o Estado perdeu a razão de existir. 

Se um povo não confia mais nas informações que recebe da imprensa, uma instituição que tem como obrigação única bem informar, ela torna-se inútil e perigosa. 

Se as instituições têm suas estruturas não visíveis destruídas, a destruição das visíveis será só a materialização daquilo que os agentes do Estado fizeram há muito tempo e são a razão de terem perdido o respeito do povo.  

Se um povo está em conflito consigo mesmo e em confronto direto com os agentes do Estado, a política deixou de existir.  

Este é o diagnóstico para a doença presente no organismo da sociedade brasileira. O remédio é voltar à política, mas para esse retorno, o povo precisa de líderes. Um presidente da república eleito pelo povo deveria ser um líder, mas o que temos por hora é um presidente dedicado ao trabalho de afrontar, debochar e tentar aniquilar a parte do povo que se imaginando livre para escolher quem deveria liderá-lo, não o escolheu. E esse presidente fecha os olhos a todas as covardias que fazem com o povo, que ele deveria liderar, porque perdeu a autoridade moral para o papel e faz vista grossa aos covardes que estão perfilados ao seu lado. 

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Que treco é esse?

A edição de dezembro da revista Exame comentou as “23 ideias para 2023. Na 11a posição está “o dilema do engajamento” e surge os termos em inglês, quiet quitting e quiet quitter. A matéria explica: “Se houvesse um dicionário Oxford sobre a área de recursos humanos, muito provavelmente a palavra do ano seria quiet quitting. O termo, que traduzido do inglês significa “demissão silenciosa” e etc…

Ao fim da matéria há a receita para o quiet quitting, onde o ambiente de trabalho tóxico representa 66% dos motivos de desmotivação de quem trabalha nas empresas. A insatisfação salarial segue depois com 43% e a falta de perspectiva de crescimento com 40%. O assédio moral ou sexual responde por 30%. Há ainda a liderança ruim, o volume de trabalho excessivo e metas irreais como causa da desmotivação. 

O estudo está amarrado no setor privado. Que tal buscar as causas da desmotivação no setor público? O quiet quitting e aproveitar para saber quem está desmotivado? A minha experiência com essa área durante muitos anos me dá segurança para arriscar que a falta de perspectiva de crescimento e assédio estarão no topo do lista, provocados pela existência dos cargos de confiança que premiam bajuladores e sacrificam quem não está disposto a puxar o saco dos chefes políticos. 

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As evidências na posse do Lula.

O povo brasileiro votou nove vezes nos candidatos à Presidência da República após 1964 e depois de 1988, ano em que foi promulgada metade da Constituição em vigor. A  outra metade sofreu remendos. Das nove vezes que votou, o povo elegeu três vezes o Lula e duas vezes a Dilma Rousseff indicada por ele. Portanto, se pudesse ter sido candidato mais vezes, Lula teria sido eleito não três, mas cinco vezes num conjunto de nove disputas. Ou seja, na maioria das vezes. Está claro, que o povo gosta do Lula e de tudo aquilo que ele representa, como gostou de Getúlio Vargas e de tudo o que ele representou. 

Vargas e Lula não representam um Estado interventor, mas o Estado incorporado neles, o que os torna absolutos senhores do destino de uma nação. E não importa o que eles defendem. Ao povo só interessa que seja Lula como foi Vargas mesmo depois de, com um ato covarde, tirar a própria vida e Lula com um ato de coragem voltar para as ruas. 

Há como fazer o povo mudar de opinião? Esse é o desafio posto para aqueles que sabem que Lula é somente Lula e as circunstâncias que ele mesmo cria, as piores circunstâncias  na vida econômica de um povo. Lula finge não saber ou não sabe – o que dá no mesmo – que jamais haverá bens e dinheiro suficiente no mundo para satisfazer todas as vontades do povo e todos os caprichos da elite que o governa. 

Lula, como todo ser vivo, não viverá eternamente. O que será do povo brasileiro após Lula? Será o que tem sido a Argentina após Perón e o Brasil após Vargas.  Afinal, o fato de muitos políticos de sucesso mentirem significa que eles sabem que o povo adora acreditar no impossível. Aprendi isso com Thomas Sowell, um professor dono de um talento quase singular entre os liberais: sintetizar o que parece ser complicado com frases de fácil compreensão. Como Thomas Sowell é único, e liberais complicadores são muitos, principalmente, quando somados aos liberais de mentirinha, o povo brasileiro ainda não conseguiu ouvir quem seja capaz de abrir-lhe os olhos para uma questão óbvia: para se ter o que usar é preciso existir quem produz o que será usado. 

Nos dois discursos de posse do Lula para o terceiro mandato, quase nada há de diferente dos discursos que ele fez para as outras posses, tendo-se presente o fato de que o primeiro foi gerado há 20 anos e o segundo há 17. O Brasil contraria Cazuza, pois aqui o tempo pára. 

Volto a Thomas Sowell: “Não é porque os homens promulgaram Leis que a Personalidade, a Liberdade e a Propriedade existem. Pelo contrário, é porque a Personalidade, a Liberdade e a Propriedade preexistem que os homens fazem as leis”.  Os discursos do Lula evidenciam que ele acredita, com convicção, que a Personalidade, a Liberdade e a Propriedade existem porque ele as deseja como um paizão para o povo que ele, com as decisões, escraviza. 

Lula é o mesmo, pois o povo é o mesmo e as circunstâncias dele permanecem as mesmas.  “Ah! miseráveis, vocês se acham tão grandes, e julgam a humanidade tão pequena que querem reformar tudo. Reformem-se a si mesmos, essa tarefa lhes basta!”. ( A LEI, Thomas Sowell). 

Se for possível, sejamos felizes em 2023, 2024, 2025 3 2026! 

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Mais uma oportunidade perdida.

Jair Bolsonaro fez a última live como Presidente da República. Eu assisti com atenção e vi que ele perdeu mais uma oportunidade para passar para a História como o melhor presidente depois de Juscelino Kubistchek. Jair Bolsonaro estava acabrunhado, meio perdido, um tanto sofrido e cheio de lamentações. 

Oportunidade é um conceito da estratégia, mas Jair Bolsonaro não gosta das oportunidades. Pelo menos parece não gostar muito e, no último pronunciamento dele como presidente, mostrou isso. O Presidente fez bem em não reconhecer a vitória do adversário, pois ela não nasceu de uma disputa digna e legítima. Lula, sequer fez campanha, pois as instituições fizeram por ele, movidas pelo ódio. A Justiça Eleitoral não impôs limites às campanhas dos adversários do Bolsonaro, mas colocou no caminho dele todos os obstáculos que pode. Viu-se, na prática, o exercício estendido do velho ditado: “Aos amigos tudo, aos inimigos bem mais do que a lei”. Mas, é jogo jogado e Jair Bolsonaro deveria ter aproveitado a última palavra como Presidente para anunciar que será o tradutor das vozes das ruas no exercício de uma oposição feroz ao novo governo. 

O Presidente poderia ter lembrado o dia da posse dele, quando o mundo todo ouviu a jovem senhora Michelle Bolsonaro fazer um discurso belíssimo em libras, para anunciar que se teria um governo humano. Seria um contraste enorme com a orgia que faria Lula sob a batuta de Janja. 

Jair Bolsonaro perdeu a oportunidade de agradecer aos eleitores dele os votos que elegeram seus aliados: Sérgio Moro, Tereza Cristina, General Mourão, Tarcísio, Cláudio Castro e outros tantos. A esposa, companheira desde a primeira hora e durante toda a campanha e os filhos, deveriam estar presentes na live. 

Pena que nada disso aconteceu. Então, Juscelino permanece como o maior Presidente da República entre todos, ombreando-se com as melhores lideranças políticas do mundo. 

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A imprensa, essa coisa absurda.

Uma semana antes do  segundo turno na eleição de 2022 para presidente, a Federação Nacional dos Jornalistas, FENAJ, distribuiu uma nota, que chamou de Carta Aberta aos jornalistas e ao povo brasileiro, para pedir votos para Lula. Com o título, “Eleger Lula para resgatar a democracia e os direitos da classe trabalhadora”, a FENAJ contorceu-se em frases de efeito para entregar um panfleto eleitoral em defesa da reserva de mercado para os jornalistas e a favor da permanência da Empresa Brasileira de Comunicação, EBC, que pertence ao governo federal e onde há cargos de confiança aos montes para jornalistas que desejam ganhar bem e gozar das regalias que os agentes do Estado Brasileiro gostam. 

Quando a Carta Aberta chegou ao distinto público, eu encerrava a leitura do livro,  “O Brasil” do jornalista Mino Carta e separei passagens do livro do Mino, que dizem sobre o que é e o que deveria ser a imprensa. Mino Carta conta: “A memória recua e me leva de avião a Nova York, ali faria meu primeiro estágio na Time-Life a mando da Abril em companhia do meu irmão, diretor editorial da empresa e diretor de redação da mensal Claudia, que havia fundado em 61. A bordo leio um texto escrito anos antes por um diretor do New York Times. Não peça ao profissional que ele seja objetivo, escrevia, por mais que se esforce será sempre subjetivo, ou seja ele mesmo, até ao depositar uma vírgula ao meio de um período. Peça, isto sim, que seja honesto ao informar seus leitores…” A Carta da Fenaj não é honesta, pois diz defender a candidatura do Lula para resgatar a democracia”. Nem é preciso ir longe para contestar, porque o fato de a FENAJ defender o voto no Lula ou em qualquer um que fosse demonstra que a democracia brasileira está por aqui ainda e, portanto, não precisa ser resgatada. A FENAJ diz também que o voto no Lula representa o resgate dos direitos da classe trabalhadora. Quais eles perderam em razão do governo Bolsonaro? Rigorosamente, nenhum, lamentavelmente. O Brasil está dividido entre os que trabalham com carteira profissional assinada. É isso que a FENAJ chama de direitos. E há os que trabalham sem carteira profissional, seja por preferirem assim, seja pelo fato de não sendo assim não existir emprego. Existem os que pagam os salários e direitos trabalhistas. Esses para a FENAJ, Lula e companhia não importam. Que se virem. Ora vejam. Se estes deixarem de existir, aqueles morrerão de fome, sem emprego e sem direitos trabalhistas. Certo? E quanto ao fato de Jair Bolsonaro ser um risco para a democracia, quem assim vê o caso deveria conhecer a peça de Shakespeare, Júlio César. O cara foi morto porque disseram que ele desejava ser imperador, quando ele não aceitou o convite feito três vezes a ele. Seus inimigos precisavam do argumento para se livrarem dele. 

Mas, fiquemos com Mino Carta. Vejamos os três princípios básicos traçados por ele para o jornalismo: “O jornalismo há de obedecer a três princípios básicos: a) fidelidade canina à verdade factual”. O conceito de verdade factual Mino Carta buscou na obra de Hannah Arendt. Verdade factual é a verdade incontestável e Mino exemplifica: ‘É como dizer que me chamo Mino “. b) “o exercício desabrido do espírito crítico” e c) “fiscalização destemida do poder onde quer que ele se manifeste”. 

Mino encerra: “Sobrou o desalento, inclusive a respeito do jornalismo brasileiro, cada vez mais medíocre, primário na técnica, uniforme na análise reacionária, provinciano até o ridículo, ancorado no pensamento único incapaz de uma percepção contemporânea do mundo, e mesmo assim arrogante, jactancioso, exibido(…). A mídia brasileira é única a seu modo, não conheço outra igual, e para entender o motivo da primazia basta observar que o profissional, o empregado, chama o patrão de colega”.  

Sobre a tal carta aberta, não preciso dizer mais. 

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Parlamentarismo, oportunidade perdida.

O dia 31 de outubro de 1987 caiu um sábado, mas mesmo sendo sábado, a Comissão de Sistematização da Assembléia Nacional Constituinte inseriu o parlamentarismo no projeto de constituição com o voto da maioria dos seus membros. 

O texto aprovado não deixou espaço para a regulamentação, pois definiu com clareza o modo como o novo sistema funcionaria, instituindo, inclusive, o “gabinete fantasma” – “Shadow Cabinet”, na língua e na cultura dos ingleses. Ele estava previsto no parágrafo 2o do art. 113 – “O líder da oposição e o colégio de seus vice-líderes autorizados a responder pelos assuntos correspondentes às pastas ministeriais existentes, gozarão, no que couber, na forma regimental, de tratamento compatível com o concedido em lei ao primeiro-ministro e aos demais membros do Conselho de Ministros.”

Quando a matéria chegou ao plenário, os presidencialistas empurraram os parlamentaristas para um acordo, que previa um plebiscito para a implantação do novo sistema. A Constituição entrou em vigor em 1988, mas o plebiscito só aconteceu em 1993, com uma campanha que foi esquisita pois colocou diante do povo brasileiro a alternativa de uma monarquia parlamentarista no lugar de uma república presidencialista, como se não fosse possível ter uma república parlamentarista. 

A campanha na TV contou com Cissa Guimarães à frente de uma animação onde nuvens carregadas com chuvas e raios sobrevoava o mapa do Brasil. Ela está disponível no youtube: https://youtu.be/WoRoMKU0p0U

Até hoje padecemos com uma Constituição que não é parlamentarista nem é presidencialista e menos ainda uma mistura bem feita das duas coisas. Criou-se um monstrengo, que já carrega quase 200 remendos. Em 1988 perdemos a oportunidade de ter um sistema de governo que organizasse o país e repetimos o erro em 1993. Hoje somos um presidencialismo puramente retórico. 

Para quem tenha a curiosidade de conhecer o texto aprovado na Comissão de Sistematização, ele será encontrado no endereço www2.senado.leg.br que expõe uma matéria do Jornal de Brasília, edição de 01.11.1987, encabeçado com o título: “Comissão fortalece poder do Primeiro-Ministro.” Vale como documento histórico, porque nela está a menção ainda primitiva ao que hoje se chama “Centrão”, naqueles dias, conhecido como “direita ou centro-direita”, como está dito na matéria assinada pelo Rubem Azevedo Lima – “Centristas já garantem ter 291 votantes”. 

O jornal dá destaque à uma declaração do Presidente da Constituinte, deputado federal, Ulysses Guimarães, que rebate o boato sobre a intenção do Presidente da República, na época, José Sarney, de convocar uma eleição direta para presidente se o parlamentarismo fosse vitorioso. 

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Armas, elas são o problema.

Assisti todas as entrevistas e todos os debates ocorridos durante a campanha para o governo do Estado do Rio de Janeiro. Cinco candidatos disputaram, mas quatro foram relevantes: Claudio Castro, Marcelo Freixo, Rodrigo Neves e Paulo Ganime. Dois foram competitivos, mas não houve segundo turno, pois Cláudio Castro venceu com uma vantagem grande sobre o segundo lugar, Marcelo Freixo. 

A Segurança Pública foi pauta importante como sempre foi e, também como sempre aconteceu, tivemos diagnósticos demais e propostas em desalinho com eles. Repetiu-se a velha lenga-lenga do combate ao crime com inteligência e com uma política pública para a educação, para que o Estado concorra com o crime na conquista das crianças e dos jovens. Sempre o mais do mesmo. 

Vamos combinar? Onde está o problema? Nas armas em poder dos criminosos. Não lhe parece? Por que morrem policiais e gente inocente quando a polícia aparece nas comunidades? Porque os criminosos estão armados e andam armados livremente em todas as comunidades. 

Concorrer com o crime? Brizola dizia isso, mas nunca disse o essencial: acabar com o crime. Será que o Estado Brasileiro, com as forças policiais que tem, com as Forças Armadas, com Polícia Federal e todo o aparato de investimento não tem mesmo como evitar as armas? Por que será que nenhum candidato apresenta uma proposta concreta, um compromisso definitivo com o combate às armas? 

Será mesmo impossível ao apreender as armas descobrir como elas chegaram às mãos dos criminosos? Com quem eles obtêm as armas? Como pagam por elas? A quem entregam o dinheiro? O que é feito com as armas apreendidas? Há uma forma de a população ter conhecimento do destino dessas armas? Nenhum candidato toca nesse problema. 

O blá,blá,blá é sempre o mesmo: qualificação das polícias, remuneração melhor para os policiais, mais policiais nas ruas e etc . Combate às armas? Isso não e por ser não, o Presidente da República eleito em 2018, Jair Bolsonaro, carregou na pauta a liberdade para o uso de armas, uma providência que, segundo ele, ajudaria a população a combater o crime sem precisar da polícia ou da Justiça. 

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O povo em torno dos quartéis.

Em 1964, o povo pediu que o Exército Brasileiro assumisse as rédeas do governo, para substituir um presidente eleito. Os generais atenderam e, por óbvio, compreenderam que foram chamados porque o povo não soube escolher. Eles tiraram do povo, então, a prerrogativa da escolha. Primeiro, dos presidentes, depois dos governadores e em seguida dos prefeitos das capitais e de outras cidades escolhidas a dedo. Algo assim: “vocês escolheram Jânio e Jango. Eles não deram certo, vocês pediram que a gente assumisse, nós assumimos e a partir de agora, nós escolhemos.” O povo se aborreceu e quis de volta a prerrogativa para escolher. 

Depois, tivemos oito eleições para a Presidência da República. Lula venceu três, mas quem não gostou do resultado foi bater de volta na porta dos generais. Mas, “um bom general”, dizia, Polybius, o grego, “não enxerga apenas o caminho para a vitória; ele também sabe quando a vitória é impossível”. Ainda bem. Caso não soubessem já teriam entrado numa nova aventura, para curar a dor de cotovelo de metade do povo brasileiro. Quem não queria o resultado, que ajudasse a evitá-lo. Agora, já era.