Brizola retornou do exílio e venceu a primeira eleição direta para governador do estado, no Rio de Janeiro, em 1982. Os eleitores, na verdade, deram o troco na ditadura.
Brizola governou basicamente a cidade do Rio de Janeiro voltado para as favelas e com uma marca criada na educação pelo Vice-Governador Darcy Ribeiro: a presença dos alunos pobres nas escolas o dia todo. Brizola criou a educação de tempo integral e os Centros Integrados de Educação Pública, CIEP’s, que volta aqui e ali, sem muito brilho, na retórica das campanhas eleitorais. Collor fez graça nesse campo, como graça também fizeram Eduardo Paes e Pedro Paulo com as tais “Escolas do Amanhã”.
As classes média e rica do Rio de Janeiro, sempre representadas na comunicação, pelo Sistema Globo de jornal, rádio e TV, não gostaram nada da novidade criada pelo Brizola. De 1982 a 1985, os prefeitos das capitais eram nomeados pelos governadores. O prefeito nomeado por Brizola no dia da posse no governo do estado, 15 de março de 1983, renunciou em dezembro. Brizola, então, escolheu Marcello Alencar.
Na primeira eleição direta para Prefeito do Rio, as classes média e rica enfrentaram, divididas, o candidato do Brizola, Saturnino Braga e o tal compromisso deles com as favelas. Foram 17 contra 1. Brizola e a tese dele de defesa dos pobres venceu. Saturnino não foi feliz e pouco tempo depois, passou o vexame de declarar a falência do município.
Entramos em 1986. Por compreender que divididas elas seriam eternamente derrotadas pelo Brizola, que tinha um eleitorado consolidado na faixa de 33 a 35%, as forças políticas que o rejeitavam, uniram-se, num arco de alianças que ninguém acreditava possível. A rejeição das classes média e alta ao Brizola foi o estímulo da união. Brizola não pôde, ele mesmo concorrer, porque a legislação não permitia. Então, apresentou-se com a candidatura do seu vice-governador, Darcy Ribeiro, que bateu 35% votos. Moreira Franco venceu com 49%.
Mesmo assim, em 1988, o candidato do Brizola, Marcello Alencar, venceu a eleição para a Prefeitura do Rio, com 32% dos votos, porque as classes média e alta novamente se dividiram: 14 contra 1. O PT, com Jorge Bittar, tinha fortes laços com a classe média e alta e passava longe das propostas socializantes de Brizola.
Moreira Franco fez um governo avesso ao do Brizola. Abandonou o programa de ensino integral e CIEP’s, substituindo-os pela construção do presídio de segurança máxima em Bangu, semente do que é hoje o Complexo Penitenciário. Lá está Sérgio Cabral Filho, governador que, quando eleito, foi cantado em prosa e verso pela nata da comunicação carioca como sendo a libertação definitiva do Rio das amarras da ideologia do Brizola, representada naquele momento, pelo casal Garotinho.
No governo, Moreira Franco conseguiu decepcionar os seus e os contra, porque fez do governo do estado um êxtase, um culto à esquizofrenia. Era um político jovem, que incorporava, cada vez com mais intensidade e nas horas de despacho, o espírito de Vargas.
A decepção da sociedade carioca com o Moreira dissolveu a aliança que o elegeu e, em 1988, Brizola, fora do governo do estado, venceu, novamente, a disputa pela Prefeitura do Rio, elegendo Marcello Alencar, com 31% dos votos. 14 candidatos contra 1.
Na eleição seguinte para o governo do estado, eleição já com dois turnos, Brizola venceu no primeiro e ultrapassou, de longe, a marca histórica dos 33 e 35% dos votos. Elegeu-se governador com 61%.
A popularidade gigantesca do Brizola rachou o grupo dele. Ele que tinha uma escala hierárquica claramente definida, entendeu que a eleição para o governo do estado em 1990, deveria ser disputada pelo Anthony Garotinho. Marcello Alencar não aceitou a disciplina, saiu do partido, levou as ideias do Brizola com ele e tornou-se governador do estado, por um partido onde nunca se sentiu confortável, o PSDB.
O mesmo ocorreu na disputa pela Prefeitura do Rio em 1992. Brizola entendeu que seria a vez da Cidinha Campos. César Maia se insurgiu e, carregando as ideias do Brizola, mais tarde incorporadas no programa Favela-Bairro, foi eleito Prefeito do Rio, pelo PMDB. Vejo o César como a encarnação moderna do Brizola. César Maia me passa a ideia de um homem em exílio permanente, a perambular pelo mundo da elite carioca.
Portanto, no Rio de Janeiro, capital e estado, Brizola atravessou os tempos, mesmo depois de morto. Dele saíram, no governo do estado, Marcello Alencar, Garotinho e Rosinha. Na capital, também Marcello Alencar, César Maia, Conde e Eduardo Paes. Vê-se, com facilidade que a capital foi mais feliz. Eu atribuo a felicidade às qualidades pessoais do César. Coisa minha.
Ano passado, o Rio elegeu Marcelo Crivella, que nenhum laço tem com o Brizola, mas tem semelhanças. Sobre ele está a rejeição das classes que sempre rejeitaram o Brizola, vocalizada também pelo sistema de comunicação Globo.
Dizem que a rejeição ao Crivella tem algo com a fé que ele professa. Pode ser. Ele mesmo acredita nisso, me parece. E a vitória de agora, ocasião em que ele buscou a diversidade religiosa como planta de campanha, deve ter reforçado nele a convicção. Pouco importa. Importa-me mais outra semelhança dele com o Brizola: a opção pelos pobres e desconforto das elites com ele, que no governo do estado ainda estão representadas pela presença, em espírito, do Sérgio Cabral Filho, embora não queiram admitir.
A opção pelos pobres poderia fazer renascer, no município, o plano de Darcy Ribeiro para a educação. Alunos todo o tempo nas escolas, com múltiplas atividades, alimentação, atendimento médico, odontológico e psicológico, tendo-se também o cuidado com as famílias.
Por Jackson Vasconcelos