Oportunidades e ameaças são conceitos da estratégia e é prova de bom senso aproveitar as oportunidades e descartar as ameaças, seja anulando-as, seja transformando-as em oportunidades.
Contudo, o presidente Jair Bolsonaro, assunto único do mundo político do Brasil desde a facada que ele levou em Minas Gerais, faz diferente. Ao que parece, o presidente firmou uma aliança com as ameaças, num processo de estratégia negativa. Ou, se preferirmos o que diz o consultor de estratégias, Michael Raynor, temos aí um paradoxo da estratégia, situação que se verifica quando a principal causa do fracasso estratégico não é a estratégia ruim, mas uma boa estratégia que simplesmente provoca um erro. O presidente acredita piamente que a melhor estratégia de sobrevivência seja o conflito. Não é.
O clímax dessa escolha está agora na relação dele com o Covid-19. A oportunidade de explorar a imagem de um governo que age para ajudar a população a suportar o mal – atitude que o governo federal, realmente, tem adotado – o presidente prefere uma briga inútil contra os fatos. No caso Covid, o presidente se porta como um soldado que caminha na direção oposta à do resto do batalhão.
A opção pelas ameaças jogou a imagem do presidente numa areia movediça, que a faz afundar tanto mais o presidente se movimente.
Vejam vocês se não tenho razão.
Jair Bolsonaro foi eleito presidente a bordo de uma campanha nunca imaginada competitiva e levou com ele, para Brasília, um bom número de deputados federais e senadores aliados.
Esse grupo de parlamentares definiu a Presidência da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, neste caso, disputada entre uma velha e experiente raposa, Renan Calheiros, e um senador desconhecido fora do Pará e de sobrenome complicado : Alcolumbre Tobelem.
Com a ajuda dos senadores aliados ao Presidente da República, Alcolumbre derrotou Calheiros com requintes de humilhação. Se vencesse a velha raposa ou, se ela, pelo menos, saísse fortalecida, teríamos uma pedra no sapato do presidente da república, uma ameaça forte ao projeto dele.
O resultado da disputa no Congresso Nacional somou-se à garantia que o presidente obteve dos eleitores para condução do governo do jeito que bem entendesse.
Isso deu ao presidente e aos auxiliares que ele escolheu sem ouvir partidos ou aliados, situação totalmente nova na República, segurança para aprovação das reformas essenciais à criação de um Brasil novo, onde o Estado deixe de ser carrasco dos contribuintes e distribuidor de privilégios entre apadrinhados e bajuladores do poder.
Em paralelo, o apoio popular ao presidente crescia impulsionado por imagens inéditas e fortes. A primeira ocasionada pela decisão do presidente de entregar à esposa o privilégio do mais importante discurso da posse, aquele que acontece no Parlatório do Palácio e é assistida no mundo todo. A decisão produziu uma cena maravilhosa nunca ocorrida na história das nações.
A senhora Michelle Bolsonaro, por sua vez, deu o recado de maneira magistral. O presidente e a esposa criaram a imagem de um governo reformador e inclusivo. Esta atitude em qualquer lugar do mundo valeria bastante e, por aqui, vale bem mais, porque somos um país que ainda discrimina as mulheres na política e cuida pouco das pessoas com deficiência.
A liberdade para a escolha dos ministros e de uma ministra, sem ouvir o Congresso Nacional ou os partidos, acrescentou mais valor à imagem do presidente e na esteira correram nomes de bom peso, como Paulo Guedes, Sérgio Moro, Tarcísio, Teresa e outros. O Banco Central, o Banco do Brasil, a Petrobras, a Caixa Econômica e todas as empresas do governo passaram ao comando de gente com qualidade pessoal e competência reconhecidas. Interrompeu-se o canal de comunicação do Estado com o financiamento de interesses pessoais e partidários. E a popularidade do presidente chegava à cabeceira da pista para levantar voo.
Talento ou sorte?
Na arte de administrar as oportunidades e ameaças estamos descobrindo que o presidente tem mais sorte que talento.
Neste ponto, dou um salto até a Segunda Guerra Mundial, para encontrar por lá os “ventos divinos”, os kamikazes.
Derrotados várias vezes na tentativa de manter os americanos longe das ilhas filipinas, ponto estratégico para a guerra, e já com poucos soldados, equipamentos de mar, terra e ar, os generais japoneses convocaram voluntários.
Chamados com base no Código de Honra do Japão, que estabelece ser melhor morrer do que viver como um covarde, os soldados voluntários foram convocados para morrer pela pátria e pelo imperador, ser supremo a quem, as vontades de todos os japoneses deveriam estar subordinadas.
A imagem mais conhecida dos kamikazes está vinculada aos aviões que eles jogaram sobre a frota de porta-aviões americanos. Os jovens pilotos eram enviados ao combate só com combustível para a ida, fugindo do risco de, no momento do lançamento, se arrependerem.
Mas, eles também agiram em terra, prendendo minas em volta do próprio corpo e se atirando debaixo dos tanques inimigos. Com a tática, os japoneses retardaram o avanço das tropas americanas. Isso não adiantou muito, mas os que morreram, certamente, levaram a ideia de ter valido a pena.
Em nome do imperador e da honra, mais de 70 mil jovens japoneses perderam a vida na aplicação da tática suicida.
O Presidente do Brasil é um kamikaze, mas sem alvo definido. Ele atira-se à morte todos os dias, jogando-se contra os adversários e, cada vez mais, contra os próprios aliados. No final, ele poderá morrer sem honra, mesmo que não seja um covarde.
Do mesmo modo como é um estrategista com sinal trocado, o presidente é um kamikaze que se lança contra os próprios aliados, transformando-os, com velocidade, em inimigos. Jair Bolsonaro não perdoa, não negocia. Contrariado, ele amarra uma mina em volta da cintura e se atira, sobe num avião de guerra e se lança ao mar.
De atrito em atrito, o presidente reduziu a margem de conforto que tinha no Congresso Nacional e perdeu apoios na sociedade.
Por sorte e, ao que se vê, não por talento, o Kamikaze Bolsonaro assumiu em janeiro de 2019, o comando de um avião abastecido para uma viagem de oito anos e com garantia de retorno, em glória, para a base. Mas, ele fez um rombo no tanque, que perde combustível enquanto o avião voa.
Ainda há tempo para salvar a viagem? Claro que sim. A estratégia é uma ferramenta de trabalho quase milagrosa. Se o presidente quiser salvar o próprio governo deveria começar por evitar os atritos.
Na estratégia, o atrito produz o mesmo efeito que na física: reduz a aceleração. Ao mesmo tempo, o presidente deveria identificar, com rapidez, as oportunidades e apoios que ainda lhes restam e potencializá-las ao máximo, para enfraquecer as ameaças, que estimulou até agora. O presidente precisa de um reset no sistema de governo e de comunicação.
Quando a gente cuida de projetos políticos, a imagem é a matéria-prima. Nesse ambiente, o pior não é o impeachment nem a renúncia, situações que não acredito possíveis. O problema está na imagem que o presidente deixará registrada nas páginas da história. Isso sim é importante e deveria ser a preocupação principal na cabeça de alguém a quem a sorte confiou o destino de uma Nação.
Artigo publicado no Boletim da Liberdade.
Por Jackson Vasconcelos