Houve um tempo que não era assédio um príncipe inglês casado cantar uma jornalista. Tempo que, como em toda época, é comum uma jornalista dar uma voltar em alguém poderoso. É um caso que conto agora.
Se você tem afinidade com os temas comunicação e política e não fez isso ainda, tire um tempinho para assistir a série The Crown (A Coroa) oferecida pela Netflix. A segunda temporada já está no ar. É a história biográfica do reinado da rainha Elizabeth II, que assumiu o trono em 1952 e reina ainda hoje. Ela está com 92 anos de idade e casada há 70 com o Philip, personagem do caso que conto: a imprensa e o poder. Jovem, ele estava em viagem pelo mundo. Quando chegou na Austrália, percebeu que uma jornalista acompanhava a comitiva e com ela trocou olhares. Na cerimônia, no final do percurso, os olhares ficaram mais quentes e intensos, percebidos pelo ajudante de ordens do Príncipe.
Na saída, depois de fazer um discurso que o ajudante de ordens elaborou para ser, na palavra dele, “genérico, a ponto de você poder decorar feito um papagaio”, o príncipe, com os olhos, fez o ajudante de ordens entender o interesse dele pela jornalista. Aconteceu o seguinte diálogo:
– Helen King, tem 29 anos e escreve para o The Age…, ela quer ouví-lo, disse o ajudante de ordens.
– Então, vamos ouví-la.
– Pra quê?
– Para uma entrevista.
– Pensei que nesta viagem você não daria entrevistas
– Sim, mas no caso dela, estou disposto a fazer uma exceção. Viu como ela estava olhando pra mim?
– Vi.
– Acho que não estou delirando. Sabe como é o radar masculino. Sem dizer que ela nos seguiu por toda parte. Acho que é seguro supor que ela é amiga e não inimiga.
No meio da última frase, o príncipe dá um sorriso maroto.
O ajudante de ordens fez a vontade do príncipe. A jornalista não. A entrevista aconteceu. Um desastre!
O ator, Matt Smith, no papel do Príncipe, fez excelente papel. Ele consegue materializar na face todo o desenrolar dos sentimentos do personagem que representa.
Quando a jornalista entra no camarim, Philip dispensa o ajudante de ordens com o ar de conquistador vitorioso, imagem que fica com ele até a terceira pergunta. Dali por diante, as perguntas ficam delicadas sobre a vida pessoal do Príncipe. O semblante de conquistador dá lugar ao constrangimento, em seguida, à raiva e por fim a angústia, que fez Philip, com pressa, abandonar o local, deixando a jornalista para trás.
Na saída, Philip encontra o ajudante de ordens e avisa: “Nunca mais deixe que a vaidade me convença”. Uma aula para todos os políticos, gente dada a cair nas armadilhas da imprensa impulsionada pela vaidade.
A última pessoa com que você fala, quando conversa com alguém da imprensa é com esse alguém, que está diante de você só como veículo de uma mensagem que alcançará muita gente. A cena está no capítulo 2 do segundo episódio. Vale assistir.
Por Jackson Vasconcelos