Daqui a pouco não teremos mais interesse algum na escolha de presidentes. Pra quê, né? Já é uma lenha escolher um presidente com todas as limitações que a legislação coloca para o debate e conhecimento da vida dos candidatos. E, depois que escolhemos, vem um bando de gente importante dizer que erramos e que por isso precisa ter impeachment.
Toda vez que se fala em impeachment, como se faz agora, eu me lembro de duas sessões, pra mim históricas, na Câmara dos Deputados. Elas se contradizem. A sessão que derrubou a Emenda Dante de Oliveira, na tarde/noite do dia 25 de abril de 1984 e a que afastou Fernando Collor de Mello, no dia 29 de setembro de 1992. Eu estive lá nas galerias nos dois momentos.
O povo brasileiro, cansado da tutela dos militares, queria votar para presidente e se mobilizou de uma maneira que nunca mais se viu e nunca se tinha visto antes. Para materializar o desejo do povo, o deputado Ulysses Guimarães encontrou na pauta da Câmara dos Deputados uma proposta de emenda à Constituição, de um deputado em primeiro mandato, Dante de Oliveira. A proposta entrou na pauta e mesmo com 298 votos a favor, foi derrotada, por não ter alcançado o quórum mínimo de 320 votos. Os generais de plantão no governo dobraram o Congresso. E, diga-se a bem da verdade que alguns dos 298 votos a favor só aconteceram com a certeza de que a Emenda não passaria.
Tanto na votação da Emenda Dante de Oliveira – uma sessão que acabou num clima de baixo astral – como na decisão de afastamento do primeiro presidente eleito diretamente pelo povo, Fernando Collor de Mello, encerrada sob aplausos e palavras de ordem com muita euforia, o Plenário da Câmara dos Deputados e as galerias estavam apinhadas de gente. Muitos dos que choraram por não conseguir aprovar o direito ao voto, sentiram alegria pela oportunidade de cassar o primeiro presidente eleito.
Depois de recuperado o direito de escolher, por via direta o Presidente da República, uma conquista na Constituinte de 88, o povo brasileiro elegeu cinco presidentes, três deles reeleitos. Dois já foram mandados embora antes do tempo, por impeachment. Ou seja, escolheram-se cinco, sendo que dois o Congresso mandou embora e está com uma vontade danada de mandar o terceiro. “Si hay gobierno, soy contra”, se há presidente, que o afastem.
Brasil adentro, a moda pegou. São muitos os casos de prefeitos e governadores afastados e depois, definitivamente, cassados pelas assembleias e câmaras municipais. Os parlamentos brasileiros são “Dionísios” na vida de Dâmocles, na relação com o poder executivo.
A ativista política e jornalista Miriam Leitão, no artigo “Impeachment pelo passado e futuro”, diz que a banalização não é um argumento a se considerar para o caso de impeachment do Presidente Jair Bolsonaro, porque, segundo ela, “a lei é para ser usada”. Acontece, que a lei é de 1950. E quantos casos tivemos de impeachment de presidentes da república no período entre a presidência de Eurico Gaspar Dutra, que deixou o governo em 1951 e Sarney?
Miriam Leitão fala em crime de responsabilidade, porque essa é uma exigência da lei. Mas, a quem compete decidir que houve crime? Certamente, a ela e a todos os que querem o impeachment. Poder-se-ia alegar que sem o uso do impeachment, um presidente meteu uma bala no próprio peito, outro renunciou e outro foi dado como foragido. Mas, isso seria aconselhar o presidente a renunciar ou a fugir, já que outros jornalistas, um da Folha de São Paulo e um do Estadão, tomaram a dianteira no desejo de ver o presidente morto.
Na verdade, a arte de administrar o Brasil é uma das mais difíceis, porque a pressão dos contrariados está pautada na conclusão de culpa dos presidentes por todos os problemas que povo tem. Afinal de contas, o Estado, para muitos, é o senhor da vida e da morte dos súditos e o Presidente o representa. É assim desde sempre, do Marechal Deodoro da Fonseca ao Jair Bolsonaro. Foi assim, no tempo de D. João e de qualquer um dos D. Pedro.
Gente, definitivamente, não temos necessidade de tutores. Ninguém precisa nos dizer que tipo de presidente nos é conveniente. Nós sabemos o que queremos e como queremos. E se erramos na escolha, em quatro anos saberemos o que fazer com ela.
Sabem que nunca acreditou muito nisso? Os ditadores. Por isso, eles nos impuseram presidentes que não queríamos e até governadores e prefeitos que a gente sequer conhecia. Já vivemos tempo de dificuldade para dar posse a presidentes e vices eleitos, porque o Estado, por seus agentes, acreditava que as escolhas que fizemos não eram boas.
Os escaninhos do Congresso Nacional estão lotados de propostas que aguardam veredito. Lá estão, por exemplo, a PEC do Pacto Federativo, a PEC que regulamenta o teto de gastos, a PEC da Reforma Administrativa, a PEC da Reforma Tributária e um número grande de outras propostas que, depois de deliberadas, seriam capazes de melhorar a vida do povo brasileiro. Coisa bem mais importante para fazer do que o debate cansativo de propostas de impeachment de mais um presidente. A ansiedade por impeachment me faz acreditar que a frustração na votação da Emenda Dante de Oliveira e a alegria na promulgação da Constituição em 88, seriam sentimentos falsos.
Erraram no impeachment do Collor, como erraram no da Dilma e como pretendem errar agora no caso do Jair Bolsonaro. Todos casos de decisão política de desagravo para quem não queriam esses presidentes.
*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.
Por Jackson Vasconcelos