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Foi isso que eu quis dizer?

A tecnologia criou fones de ouvido para tradução simultânea, uma novidade que encerra com a barreira entre os povos do mundo todo. Os tais fones anunciados com forte argumento de venda tornam possível cada um ouvir na própria língua o que lhe falam os estrangeiros. O milagre de pentecostes se concretiza na tecnologia moderna.

Nada, contudo, se criou para traduzir a conversa entre os candidatos e seus eleitores, porque esse é o tipo de comunicação que não se dá só pela fala, pela escrita, mímica ou imagem, mas por todo esse conjunto com um componente essencial: a identificação, a sintonia. Nós seres humanos temos conveniências e prestamos mais atenção àquilo que nos interessa, àquilo que tem a ver com a nossa vida.

Portanto, a relação entre candidatos e eleitores só é efetiva quando as conveniências se casam, quando existe identidade entre quem emite a mensagem e quem a recebe.

Não é suficiente para realizar o milagre, ir às pesquisas para descobrir o que o eleitor pede, deseja, quer ouvir ou sentir. Até porque as pesquisas são fontes onde todos os candidatos buscam água e isso faz de todas as propostas e discursos algo bem semelhante. Tão semelhante que produz descrédito. O eleitor quer se ver no candidato ou, pelo menos, saber que ele entende, por experiência, o que diz. E só se consegue falar com propriedade sobre aquilo que se conhece ou já se experimentou. 

O discurso político moderno dispensa a sofisticação. Já foi o tempo em que as oratórias brilhantes incompreensíveis eram aplaudidas e motivo para o voto. Hoje vale o discurso direto, sem rodeios, rápido e com identidade com quem o recebe. Os populistas são mestres nessa arte e, por isso, ganharam força e votos nos tempos da comunicação veloz. Francis Fukuyama, na obra “Identidades – a exigência de dignidade e a política do ressentimento”, que surgiu em razão da eleição de Donald Trump, afirma:

“Os líderes populistas procuram usar a legitimidade que lhes é conferida por eleições democráticas para consolidar o seu poder, procuram uma conexão carismática direta com o povo, que muitas vezes é definido em estreitos termos étnicos que excluem grandes segmentos da população. Não gostam de instituições e procuram minar os freios e contrapesos que limitam o poder pessoal do líder numa democracia liberal moderna: tribunais, corpos legislativos, mídia independente e uma burocracia partidária”.

O populista de plantão já temos, falta-nos o líder, verdadeiramente, democrático, que consiga ter identidade com o povo sabendo, com exatidão, as necessidades e expectativas dele.

Eis aí o desafio para os liberais. E só há uma referência possível na relação dos liberais com o povo: o modo como o Estado, em suas diversas representações, no Judiciário, no Legislativo e no Executivo – principalmente neste – funciona. O caminho não está na eterna e cansativa discussão sobre “direita e esquerda”, conceitos que o escritor espanhol Ortega y Gasset define de modo brilhante no livro “A Rebelião das Massas”. Vamos a ele:

“Ser de esquerda, como ser de direita, é uma das infinitas maneiras que o ser humano pode eleger para ser um imbecil: ambas são, de fato, formas de uma doença moral…hoje as direitas prometem revoluções e as esquerdas propõem tiranias”.

Em suma: sejamos práticos: O Estado Brasileiro não nos serve. Nem a quem afirma estar à direita ou à esquerda e menos ainda no centro. Ele serve à quem está inserido nele e ponto final.

O povo é, portanto, liberal no que diz respeito à relação que gostaria de ter com o Estado. E nesse ponto, volto a Ortega: “A vida pública não é somente política, mas também e primeiro, intelectual, moral, econômica, religiosa; abarca todos os costumes coletivos, incluindo os modos de vestir e de ter prazer”.

Numa noite qualquer da campanha de 2014, como eu sempre fazia, liguei a TV para acompanhar o debate entre os candidatos à Presidência da República. Marina Silva defendeu autonomia para o Banco Central, no conjunto da crítica que fez à presidente Dilma Rousseff, sua adversária. Eu me perguntei: o que isso muda na vida dos eleitores? Mas, ela não se deu ao trabalho de explicar. Então, o seu adversário explicou. Afinal de contas, uma campanha eleitoral é um ambiente de disputa pelo voto, numa situação em que, mesmo que o candidato não leve o voto que o adversário perdeu, isso já é um grande feito para o opositor. 

No dia seguinte ao do debate, a propaganda eleitoral do PT apresentou na TV a imagem de um grupo de engravatados em volta de uma mesa, para passar a ideia de um conluio de banqueiros contra o povo. Um narrador com voz grave informou: ” Marina tem dito que, se eleita, vai fazer a autonomia do Banco Central. Parece algo distante da vida da gente, né? Parece, mas não é…”.

Neste momento, troca-se a imagem para a de uma família na mesa na hora do jantar. O narrador continuou: “Isso significaria entregar aos banqueiros o grande poder de decisão sobre a sua vida e da sua família. Os juros que você paga, o seu emprego, preços e até salários. Ou seja, os bancos assumem um poder que é do Presidente e do Congresso eleitos pelo povo. Você quer dar a eles esse poder?”

Quando entraram na tela as palavras  “juros” e “salários”, o prato do dono da casa ficou vazio. Nada mais se disse, enquanto Marina e equipe tentavam responder sem ter resposta.

Felizmente, a proposta de tornar o Banco Central do Brasil uma organização de Estado, com autonomia para tomar decisões com relação à moeda e ao crédito, não ficou com a Marina Silva, mas ressurgiu na campanha de 2018, na voz do Jair Bolsonaro que, nos assuntos da economia é o boneco do ventríloquo Paulo Guedes.

A moeda e o crédito são os motores da economia. Quando entregues ao poder político, exclusivamente, produzem inflação e tiram do povo, aí sim, o emprego, o salário e a comida do prazo. Sem identidade com o povo, um candidato torna-se boneco de um ventríloquo dos institutos de pesquisa e o eleitor percebe.

*Livros que me inspiraram:
A Rebelião das Massas, de José Ortega Y Gasset.
Identidades, a Exigência de Dignidade e a Política do Ressentimento, de Francis Fukuyama.

Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos

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Diante do espelho

Quem trabalha com estratégia descarta a intuição? Se fizer isso, errará muito. Mas, para não descartar e, ao contrário, trabalhar a intuição como elemento de estratégia, precisa entender o que ela é, exatamente. 

Daniel Kahneman, Prêmio Nobel de Economia, autor de “Rápido e Devagar: Duas formas de pensar”, pode ajudar. Logo na introdução à obra ele afirma: 

“A psicologia da intuição precisa não envolve mágica alguma. Talvez a melhor declaração sucinta sobre ela seja a do grande Herbert Simon, que estudou mestres enxadristas e mostrou que após milhares de horas praticando eles passam a ver as peças no tabuleiro de modo diferente do resto de nós. Podemos sentir a falta de paciência de Simon com a mitificação da intuição especializada quando escreve: A situação forneceu um indício; esse indício deu ao especialista acesso à informação armazenada em sua memória, e a informação fornece a resposta. Intuição não é nada mais, nada menos que reconhecimento”. 

Ou seja, a intuição não é adivinhação mística, não é o “eu acho isso ou acho aquilo”, situação bem comum aos pedantes. Para ser intuição, um ato ou decisão precisa estar revestida com a experiência. Algo como: “Eu já vi isso antes”; “Já senti esse cheiro”, ou coisa parecida, que liga, num estalo, o processo de decisão. 

Numa campanha eleitoral a intuição poderá produzir boas decisões para situações que dependem de decisões rápidas. Numa campanha eleitoral, os experientes, depois de tanto praticarem, olham as peças no tabuleiro de modo diferente do resto das pessoas. Por intuição, sabem quando um candidato pode ir bem ou pode quebrar a cara. 

A minha intuição diz que quando a imagem do candidato difere daquilo que ele é na realidade, a chance de ele ser um dia descoberto e decepcionar é enorme. Collor, Jânio e há outros exemplos por aí. 

Diante do espelho, mas longe dele, as rugas não aparecem. À medida que o personagem se aproxima, aí começam os problemas. Por essa razão que existe a desilusão na política. 

Durante a campanha, geralmente, o candidato se apresenta para você com a comunicação muito bem feita, organizada. Você vota naquele personagem, naquela imagem. Eleito, quando começa a governar, os holofotes são voltados para ele, aí entra a decepção. 

Mas tem o outro lado também. À medida que você se aproxima do espelho, o candidato pode se tornar, surpreendentemente, mais belo e agradável. Vemos isso em campanhas. Casos daqueles que imaginamos não ter chance alguma e, com tempo, observação e analisando a biografia, sua opinião muda e você decide votar nele.

Por isso que é importante se trabalhar com essa visão e esse conceito de imagem. É quando entra a intuição também. Ela faz parte do processo de decisão, que são tomadas a partir das experiências que se tem. Para que não se erre na intuição, é fundamental que o candidato conheça a si próprio e tome as decisões.

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos

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Imagem real ou virtual?

O governador do Estado do Rio de Janeiro invadiu o campo no jogo final da Taça Libertadores, ajoelhou-se diante de um dos jogadores e beijou-lhe a mão. O governador tinha uma faixa em torno do pescoço e uma camisa por baixo do paletó, ambas do Flamengo. O jogador tratou o governador com desdém. A imagem do ato correu o mundo criticada. 

Teve gente que disse sentir “vergonha alheia”, mas também pessoas que não se incomodaram com isso, porque nada nos políticos as surpreende mais. Houve, do mesmo modo, quem, de boa memória, recordasse que  o governador, no início da campanha eleitoral, deixou claro e com orgulho o fato de ser torcedor do Corinthians. A declaração está na entrevista que ele concedeu ao repórter Alexandre Araújo, do Lance!. Ele disse literalmente: “Sou, desde criancinha, corintiano. Vivi o Corinthians na Era do Sócrates, por isso sou um grande democrata…”. 

A cena do gesto do governador diante do jogador do Flamengo acendeu em mim a lembrança de uma passagem do livro “1808”, do historiador Laurentino Gomes, que, recentemente, entregou aos leitores outra boa obra, “Escravidão”, que comecei a ler. 

Laurentino descreve no 1808, por citações, o ritual do “beija-mão”  na Corte de D. João VI. “Esse ritual”, diz ele, “Muito antigo, já tinha sido abolido havia bastante tempo pelas demais cortes européias, mas ainda era praticado em Portugal e pelos vice-reis no Brasil colônia”. 

Laurentino transcreve dois depoimentos sobre a solenidade. Escolhi um deles, o do cônsul inglês James Henderson: “As estradas que vinham da Cidade Nova, Catumbi e Mata Porcos ficavam repletas de oficiais e pessoas comuns, que pra lá se dirigiam em cabriolets, na garupa de cavalos ou a pé, todos à caça de alguma graça real. Quando as portas do palácio se abrem, acontece uma corrida promíscua para diante… Eles avançam numa mesma formação em direção ao andar superior, onde Sua Majestade está sentada, acompanhado de seus fidalgos (…). Era uma cerimônia que punha o monarca em contato direto com o vassalo, que lhe apresentava as devidas vênias e suplicava por alguma mercê”. 

Temos ali a imagem de um vassalo diante de um semelhante, que ele, no entanto,  julga ser seu soberano, alguém capaz de merecer todas as vênias e súplicas. Algo que passa longe das concepções de “um grande democrata da Era Sócrates”, porque alguém com tal concepção não aceitaria o papel de vassalo e menos ainda o de soberano. 

Somada a outras imagens que o governador tem produzido no mandato, aquela dele diante do soberano Gabigol, fecha o quebra-cabeças, de uma estratégia de comunicação. Garoto, eu gostava dos jogos de quebra-cabeças, onde você está obrigado a criar uma imagem completa juntando os pedaços dela embaralhados. É desse modo que se forma, na imaginação de todos, a imagem completa de alguém. 

Sem dúvida, o governador Witzel quer ser a imagem de representação da torcida do Flamengo na política. Como quis, por pouco tempo, ser a do Corinthians, pela figuração mental conveniente de ser um “grande democrata”. Cabe aqui, um desvio curto, para dizer que democratas não há pequenos ou grandes. Somos ou não somos. 

Para ser o flamenguista padrão que chegou ao Governo do Estado por méritos próprios, o governador beijou a mão de Gabigol e, antes, em outros jogos, tem sido visto em atos alucinados, como fez ao tentar, do campo, invadir a área dos torcedores em comemoração a uma vitória. 

No propósito de ser um flamenguista de sucesso na política, o governador não está sozinho, nem agora, nem no passado. Quase todo mundo gosta de tirar uma casquinha no sucesso dos outros. É vício da humanidade. 

Mas, ser somente líder político da maior torcida do planeta, não parece suficiente para o governador Witzel. Ele quer também a imagem de justiceiro, num estado em que o crime predomina.  Daí o vídeo da euforia no momento em que um atirador de elite matou o doente mental, que sequestrou um ônibus. Isso, também não parece suficiente, porque Witzel quer também a imagem do carioca apaixonado pelo carnaval. 

Ele tem conseguido o objetivo que persegue? A estratégia está correta? 

Isso é fato que precisa ser medido, mas a minha percepção é que não, por conta da ausência de um elemento fundamental na formação das imagens que perduram: a legitimidade de uma história pregressa, de um presente leal ao passado. 

Faltam ao governador as imagens de um passado que confirmem a imagem que ele quer ter no presente. Por exemplo, a imagem do torcedor de sempre do Flamengo, do carnavalesco de todos os carnavais e do combatente implacável contra o crime. Sem esses complementos será inútil o esforço do governador para alcançar a imagem que deseja. 

Sem legitimidade e fidelidade com o passado, a imagem de um político torna-se ato de puro oportunismo. Essa é outra lição importante da estratégia de formação de uma imagem na cabeça do eleitor: os pontos fortes são confirmados pela história, os pontos fracos são, muitas das vezes, aqueles dados como positivos por astúcia. Já se fez isso o suficiente para ensinar o eleitor a não ser enganado. Por isso, na política, os oportunistas estão deixando seus lugares vagos para aqueles que são autênticos, gostemos deles ou não. 

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade

Por Jackson Vasconcelos