O voto é um ato de liberdade, fruto das informações que os eleitores recebem durante as campanhas eleitorais. As consequências dele, o grau certo e justo da responsabilidade como a liberdade é exercida. Sabe-se, também, que os efeitos de uma eleição podem se estender no tempo e ultrapassar os prazos legais dos mandatos, em razão das decisões que os eleitos tomam.
A eleição de 1982 para o governo do Estado do Rio de Janeiro é um exemplo. O povo elegeu Leonel Brizola, que conseguiu estender os seus mandatos até 2006, com Garotinho e Rosinha, mesmo considerado o intervalo de quatro anos de exercício de Wellington Moreira Franco. No Rio, capital, Brizola permanece presente no Eduardo Paes.
Sandra Cavalcanti liderou as pesquisas boa parte do tempo da campanha de 1982, e chegou a atingir mais de 50% da intenção dos votos. Com rapidez, perdeu energia até chegar, no resultado da eleição, em quarto lugar, com pouco mais de 10% dos votos válidos.
Lucas Berlanza, num artigo muito bom que fez para homenagear a Sandra em 2019 e noticiar a visita que fez a ela, apontou uma das causas da derrota dela, razão única, segundo ele, para a vitória do Brizola.
Lembra Berlanza que Miro Teixeira criou algo que hoje a gente chama de fake news, para reaquecer a denúncia falsa que os adversários de Carlos Lacerda, todos no PTB e PSD, levantaram em 1960, sobre a decisão dele de transferir os moradores das favelas cariocas para conjuntos habitacionais. A turma chamou a providência de “higienização” e atribuiu à Secretária de Assistência Social, Sandra Cavalcanti, o ato de afogar os mendigos. Sandra processou Miro pela notícia falsa e requentada, e obteve decisão favorável da Justiça.
Contudo, se aquele fato diminuiu as chances da Sandra Cavalcanti ser eleita, não foi ele o único a criar dificuldades para ela nem o fator absoluto para definir a eleição de Leonel Brizola. Sandra apresentou-se pelo PTB, partido que patrocinou Getúlio Vargas e as denúncias contra ela. Isso, sem dúvida, num tempo em que os eleitores do Lacerda ainda estavam ativos, nublou a imagem dela.
O governo federal ajudou a derrotar Sandra Cavalcanti, quando entendeu que deveria participar das eleições com candidato próprio, Moreira Franco. Ele correu na mesma raia que a Sandra Cavalcanti, com uma campanha melhor e que, sutilmente, aproveitou-se da rejeição do eleitor pela Sandra e pelo Miro Teixeira. “Nem Miro, nem Sandra, para seu governo Moreira Franco”, ganhou as ruas.
Sejam quais tenham sido os motivos da derrota da Sandra e vitória do Brizola, Lucas Berlanza, em 2019, deixou com os eleitores do Estado do Rio de Janeiro, uma pergunta que poderia ser repetida a cada nova eleição no estado, com personagens diferentes. Lucas Berlanza perguntou: “Que me dizem? Foi melhor ter escolhido Brizola e Darcy Ribeiro? Pois é…”
Disso, criei uma ladainha ou um mantra: Foi melhor terem escolhido Brizola, novamente, em 1986? E Saturnino em 1985? Foi melhor terem escolhido Garotinho em 1998? Sérgio Cabral em 2006? Como será agora em 2022?
Sandra Cavalcanti faleceu na sexta-feira, com 96 anos de idade. Berlanza esteve com ela em 2019, quando ela, bem de saúde, lhe deu um exemplar da proposta que levou aos eleitores em 1982. Ela nunca teve medo das decisões polêmicas e, guerreira, enfrentou de frente todas as batalhas que a política impôs a ela.
Parabéns, Lucas Berlanza pelo texto de 2019, uma homenagem justa a Sandra Cavalcanti, enquanto ela ainda estava com vida, algo difícil de se ver na política, com relação aos que se aposentaram.
*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.
Por Jackson Vasconcelos