A campanha presidencial deste ano começou em 2014, quando Jair Bolsonaro, após vencer a eleição para deputado federal, a sétima, saiu Brasil adentro reunindo multidões e distribuindo as imagens dos encontros nas redes, para demonstrar que era competitivo numa campanha que poderia levá-lo à vitória, por mais improvável que isso fosse.
E, de fato, ele venceu a eleição em 2018, tomou posse em 2019 ainda convalescendo do atentado à faca que sofreu, mas não parou a campanha. O presidente assumiu o mandato no momento em que a economia esfacelada pela presidente Dilma Rousseff deu sinais de recuperação com Michel Temer e continuou num bom caminho com Paulo Guedes. O único adversário competitivo permanecia preso e assim deveria ficar um bom tempo ainda. O cenário era favorável à reeleição.
Tudo corria bem no figurino das campanhas de Jair Bolsonaro, que nunca dispensaram as polêmicas. Como a imprensa está sempre à disposição delas, o presidente tem feito bom uso dos veículos tradicionais. E se o que ele diz e faz irrita os emissários, tanto melhor, porque a notícia terá o peso essencial para insuflar as massas, tanto aquelas a favor dele como as contrárias.
Em 2020, apareceu a pandemia e deu um tranco no projeto de reeleição, porque tirou do Presidente os seus mais valiosos instrumentos de campanha: o contato pessoal e o resultado econômico do Brasil. O Presidente ficou tonto no início, mas reagiu rápido e nadou contra a maré, porque a favor dela não produziria polêmica. Só que isso gasta uma energia e tanto do bem maior de um político, a sua imagem.
A oposição viu nas reações do Presidente à pandemia uma brecha para interromper o projeto dele de reeleição e instalou a CPI do COVID-19. A imprensa passou, nesse caso, a ter duas agendas: a CPI e o Presidente e uma pauta só: as polêmicas criadas pelo confronto entre um e outro. Jair Bolsonaro permaneceu, por conseguinte, com todo o espaço de visibilidade. Ninguém além dele tinha voz a não ser para falar dele, fosse bem ou fosse mal.
De qualquer forma, a exposição negativa abalou a imagem do Presidente e a situação levou alguns aliados a acreditar que seria o fim do projeto de reeleição. Eles resolveram, consequentemente, disputar.
João Amoedo levantou a bandeira do impeachment, mas o partido dele rasgou a bandeira e deu-lhe um passa fora. Luiz Henrique Mandetta ergueu a voz contra o tratamento precoce e o presidente mandou que ele calasse. Ele não calou, foi demitido e teve alguns dias e algumas horas de glória, quando veio a notícia de ele ter saído com 76% de aprovação. Quando isso deixou de ser novidade, Mandetta perdeu o fôlego e voltou para Mato Grosso do Sul, onde as pesquisas indicam que perderá a eleição para o Senado. Teresa Cristina, aliada de Jair Bolsonaro, deverá vencer.
As candidaturas de João Dória, Rodrigo Pacheco e Sérgio Moro viveram na sina das marés. Cresceram em alto mar para morrer na praia. Ciro Gomes seria o adversário e isso não era relevante para Jair Bolsonaro, porque Ciro poderia ser vencido pelo próprio Ciro como sempre foi.
Tudo caminhava assim, quando no ano de 2021, um Ministro do Supremo Tribunal Federal entendeu que Lula deveria deixar a prisão, recuperar os direitos políticos e concorrer. E assim decidiu.
Na linguagem da aviação, formou-se no céu, no trajeto do jato do presidente à caminho da reeleição, um CB, uma nuvem carregada com raios e granizos, capaz de derrubar o avião se o piloto não tiver o cuidado de desviar a rota escolhendo o lado correto por onde sair, o barlavento, ou contar com uma aeronave possante.
Afinal, Lula preso alcançou, no segundo turno de 2018, mais de 40 milhões de votos, de gente que, certamente, não teve dúvidas sobre a participação dele nos negócios condenados pela Lava-Jato. Pessoas que não terão nenhuma dificuldade para votar num político condenado por atos de corrupção. Para esse público, pouco importa que a nulidade dos processos represente ou não absolvição. Portanto, gastar tempo com isso é uma baita bobagem.
Para atravessar a turbulência, uma vez que desviar dela é impossível, Jair Bolsonaro reforçou a aeronave com a adesão de partidos com os quais não contou em 2018 e passa, com as multidões que reúne em todo o mundo, a imagem de vitória, para garantir que aqueles que abandonaram o projeto de reeleição no caminho, retornem mesmo, que constrangidos.
A campanha de 2022 é, portanto, a campanha do século. Uma magnífica aula de estratégia política. Voltarei a ela na próxima semana. Até lá.